O profissional do Direito Previdenciário que ainda não conhece o Protocolo para Julgamento com perspectiva de gênero e não incorporou às suas práticas na rotina jurídica e nas suas teses, seguramente está perdendo excelentes oportunidades de conquistar procedências nos seus processos judiciais.
Isso porque a sua observância é obrigatória no teor da Resolução 492/2023 do CNJ. Essa resolução estabelece as diretrizes do protocolo aprovado pelo Grupo de Trabalho criado pela Portaria CNJ 27/2021, que criou a Cartilha de Julgamento com Perspectiva de Gênero, que é um instrumento importante que reconhece deficiências estruturais que faz com que pessoas pertencentes a um determinado gênero sejam subalternizadas com relação às demais.
Para o Direito Previdenciário isso importa muito, sobretudo com relação à produção de provas de trabalhos realizados por mulheres que historicamente foram precarizadas como o trabalho doméstico, o trabalho na lavoura. A prática previdenciária nos ensina que, o labor feminino é por vezes difícil de ser comprovado porque ocorre na informalidade.
Na lavoura, muito embora as lavradoras tenham um papel determinante no desenvolvimento da atividade rurícola, o seu trabalho é frequentemente visto como uma “ajuda”, um complemento e até mesmo uma extensão do trabalho masculino, sendo corriqueiro que não recebam pagamento pelo trabalho ou, caso recebam, esses valores sejam direcionados para o “homem provedor” da família, que pode ser o pai, o marido e até mesmo um irmão.
Se essa mulher falecesse, geralmente não deixava aos seus dependentes, benefício de pensão por morte, sobretudo em razão da legislação vigente antes da Constituição de 1988 que não reconhecia o trabalho campesino das mulheres e tampouco a dependência econômica de homens com relação às suas esposas.
O Banco de Decisões e Sentenças com aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero já reúne muitas decisões de natureza previdenciária, dentre as quais destaco:
PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. PENSÃO POR MORTE. ÓBITO ANTERIOR AO ADVENTO DA LEI 8.213/1991. APLICAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR 11/1971 E DO DECRETO 89.312/1984. CÔNJUGE VARÃO. MARIDO NÃO INVÁLIDO. CONDIÇÃO DE DEPENDENTE COMPROVADA. PRINCÍPIOS DA IGUALIDADE E DA ISONOMIA. SENTENÇA MANTIDA. 1. Cuida-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente o pedido de concessão da pensão por morte, cujo óbito da pretensa instituidora do benefício ocorreu anteriormente à Constituição de 1988. 2. A concessão de pensões no sistema previdenciário rural, anteriormente à edição da Lei 8.213/91, era regida pela Lei Complementar 11/1971, que criou o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), a ser executado pelo FUNRURAL, com personalidade jurídica de natureza autárquica. 3. A opção legislativa da época concedia a pensão por morte somente aos dependentes do chefe de família ou arrimo de família. Neste regime, a unidade familiar era composta de apenas um único trabalhador rural; os outros membros eram seus dependentes. Contudo, não há que se falar que esta condição não pode ser ostentada pelas mulheres, como já consagrado pela jurisprudência, mormente lastreando-se na Constituição Federal de 1988. 4. As disposições da Lei Complementar 11/1971 e do Decreto 89.312/1984, quanto à possibilidade de concessão de benefícios previdenciários somente ao arrimo de família, não foram recepcionadas pela nova ordem constitucional de 1988, devendo ser feita a sua adequação aos novos princípios constitucionais que repulsam qualquer tipo de discriminação que vise violar direitos com base na raça, sexo, idade, gênero, estado civil etc. Precedentes. 5. O Supremo Tribunal Federal passou a entender que a exigência de comprovação da condição de invalidez do cônjuge varão, para concessão de pensão por morte, fere o princípio da isonomia. Precedentes. 6. Apelação não provida. A C Ó R D Ã O Decide a Nona Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos do voto do Relator. Juiz Federal PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA Relator convocado. PROCESSO: 1022338-53.2023.4.01.9999 PROCESSO REFERÊNCIA: 000162237.2021.8.27.2723. TRF1.
Em decorrência de entendimentos jurídicos lastreados pelos estudos realizados na elaboração da cartilha, o previdenciarista tem a oportunidade de superar algumas dificuldades relacionadas à prova do trabalho feminino, como a do julgado sura citado.
A boa prática jurídica recomenda que o advogado ou advogada requeira em sede de preliminar a aplicação do Protocolo caso ele compreenda que se trata de um caso afeto à matéria.
O Direito Previdenciário sempre esteve na vanguarda da consolidação dos direitos humanos em casos como a pensão por morte homoafetiva, salário maternidade para pais do mesmo sexo, limitando o benefício a apenas 1 dos membros da unidade familiar.
É hora de ampliarmos o tecido protetivo com novas teses que permitam minorar os efeitos deletérios que a sujeição histórica feminina no trabalho produz em seus benefícios previdenciários.

Autora: Heloísa Helena Silva Pancotti
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