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Aposentadoria por doença incurável dever ser paga de forma integral - Tema 1300 do STF

Resumo: A EC 103/2019 definiu que, para aposentadorias por incapacidade permanente causada por doenças, o valor mínimo do benefício será de 60% da média aritmética dos salários do segurado; com direito a um adicional de 2 pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder a 20 anos. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) argumenta que a mudança é válida e foi feita para garantir o equilíbrio atuarial do sistema previdenciário público brasileiro. No entanto, diversos temas estão chegando aos Tribunais Superiores no intuito de discutir o fato gerador e a formula de calculo, dentre eles o RE 1.469.150, processo que originou a repercussão geral, no qual um segurado do INSS afirma que essa alteração é inconstitucional por violar o princípio da irredutibilidade do valor de benefícios previdenciário. A sentença julgou procedente o pedido, afirmando que as novas normas não deveriam ser aplicadas porque o fato gerador do benefício, no caso, a doença incurável, existia antes da reforma constitucional. O acórdão recorrido confirmou a procedência do pedido e condenou o INSS a revisar o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente. Por fim após 80 casos semelhantes, fora reconhecido a repercussão geral no STF, e o tema 1300 entrou para analise da Suprema Corte, e aguarda julgamento.

 

 

 

Introdução

 

A Previdência Social, por intermédio de contribuição de pessoas físicas e jurídicas, tem por finalidade garantir aos seus segurados recursos indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente, conforme prevê o artigo 1º da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.
 

Dentre esses recursos, advém a aposentadoria que é definida como um benefício concedido pela Previdência Social ao proletário segurado desde que preencha os requisitos legais. Uma das modalidades de aposentadoria é a aposentadoria por incapacidade permanente. Esta pode ser concedida ao trabalhador que por acidente ou doença, se torne incapacitado, de forma total e permanente, conforme avaliação pericial médica do INSS, para a realização de atividades que irá prover sua subsistência.
 

Vale ressaltar que a pessoa que filiar-se à Previdência Social já portando a enfermidade ou lesão debilitante, não terá direito ao benefício da aposentadoria por incapacidade permanente, tendo por ressalva os casos em que a lesão ou debilidade venha a causar novos prejuízos à saúde do contribuinte.
 

Neste viés, a partir de uma visão histórica, a aposentadoria por invalidez antes da EC 103/2019, atualmente nomeada aposentadoria por incapacidade permanente para o trabalho, na modalidade não acidentária, era calculada por meio da média de 80% (oitenta por cento) dos maiores salários do contribuinte desde 07/1994, e o restante, os 20% (vinte por cento), eram desprezados.
 

Após esse valor ser encontrado é necessário a aplicação de uma média em porcentagem para se chegar ao valor real do benefício devido. A média aplicada antes da reforma era de 100% (cem por cento) sobre o valor encontrado e, era pago de forma integral, conforme a média salarial já mencionada e independia do tempo de contribuição.
 

Ocorre que após Emenda Constitucional 103/2019, o cálculo realizado para se chegar ao valor da média salarial passou a ser da seguinte forma: todos os salários do contribuinte, altos e baixos sem exceção, desde o mês 07 de 1994, são aproveitados para se chegar à média dos salários. Após o valor ser encontrado, o cálculo para se chegar ao valor real do benefício é tido com a aplicação de 60% (sessenta por cento) da média salarial com um aumento de 2% (dois por cento) a cada ano que exceder 15 (quinze) anos de contribuição para mulheres e a cada ano que exceder 20 (vinte) anos de contribuição para homens.
 

Dessa maneira, é notório que houve uma grande desvantagem financeira para os segurados beneficiários da aposentadoria por incapacidade permanente principal problema debatido nesta pesquisa. Essa desvantagem fica mais evidente, uma vez que os segurados beneficiados por auxilio por incapacidade temporário recebem cerca de 91% (noventa e um por cento) da média salarial, o que é muito mais vantajoso do que a aposentadoria por invalidez permanente para trabalho, o que não faz sentido. Ou seja, a pessoa invalida para laborar, permanentemente, recebe muito menos do que a pessoa que recebe o benefício de incapacidade temporária.
 

Neste interim, deve-se levar em consideração os casos de segurados com incapacidade permanente de segurados portadores de doenças incuráveis, e a possibilidade destes de receberem o benefício de forma integral. Dito isto, com amparo legal dos princípios supracitados, os amparados vêm conseguindo o aumento de suas aposentadorias no Judiciário. Sendo assim, faz-se necessário uma ponderação acerca da situação dos segurados, para que não haja diferenciação de tratamento entre eles e para que os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e irredutibilidade sejam respeitados.
 

Este artigo explora a possibilidade de pagamento integral para aposentadorias por incapacidade permanente nos casos das doenças incuráveis.

 

 

1. Possibilidades de aposentadoria por incapacidade permanente

 

Conforme os conceitos de Martinez, a aposentadoria por incapacidade permanente é benefício substituidor dos salários, de pagamento continuado, provisório ou definitivo, pouco reeditável, devido ao segurado incapaz para o seu trabalho e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade garantidora de sua subsistência.
 

No plano legal da Lei 8.213/1991, em seu artigo 42, caput, é previsto que:
 

A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
 

A aposentadoria por incapacidade permanente é destinada aos segurados que, após avaliação da perícia médica do INSS, são considerados permanentemente incapazes de exercer qualquer atividade que lhes garanta a subsistência. Para ter direito ao benefício, é necessário que o segurado preencha os seguintes critérios:
 

1. Ser segurado do INSS: é preciso ter qualidade de segurado, ou seja, estar contribuído para o INSS ou estar em período de graça, que é ter contribuído e ainda manter vínculo com a Previdência Social.

2. Comprovar incapacidade: o segurado deve passar por uma perícia médica do INSS, que irá avaliar a sua condição de saúde e determinar se ele tem ou não a capacidade de continuar trabalhando. Para ser considerado permanentemente incapacitado, o trabalhador deve apresentar uma condição que o impeça de exercer qualquer atividade laboral que lhe garanta sustento.

3. Cumprir carência: a carência é o número mínimo de contribuições que o segurado deve ter feito para ter direito ao benefício. No caso da aposentadoria por invalidez, é necessário ter contribuído por pelo menos 12 meses, exceto em casos de acidente de trabalho, doença decorrente do exercício da profissão ou doenças graves previamente listadas.
 

A reforma previdenciária introduzida pela Emenda Constitucional nº 103 de 2019 trouxe mudanças significativas nas regras de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente, principalmente no que diz respeito à integralidade do benefício.
 

Após as predisposições iniciais acerca da aposentadoria por invalidez, volta-se a atenção para a renda mensal inicial do benefício no período anterior ao ano de 2019, momento em que se firmou a reforma da previdência prevista na Emenda Constitucional 103/2019. Ocorre que a aposentadoria por invalidez, igualmente a decorrente de acidente do trabalho, fundava-se numa renda mensal correspondente a 100% (cem por cento) do salário de benefício, e esse consistia na média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% do tempo de contribuição transcorrido desde julho de 1994 até a DIB (data de início do benefício).
 

Observa-se que os 20% restantes, quais sejam os menores salários, poderiam ser descartados no momento do cálculo da renda mensal do benefício. Lado outro, quanto aos salários de contribuições, estes são retirados do Período Básico de Cálculo (PBC) de cada contribuinte, sendo estes posteriores a julho de 1994.
 

Já na hipótese da aposentadoria por incapacidade permanente após o recebimento do auxílio-doença onde o segurado não retornou ao labor, a renda mensal inicial deveria ser calculada com base no valor da remuneração anterior ao apoderamento do auxílio.
 

Inclusive, antes da Emenda Constitucional 103/2019, a percentagem utilizada para a aferição do cálculo da renda mensal para ter-se o benefício era a mesma entre os que se tornaram incapacitados permanentemente por meio de doenças profissionais, doenças de trabalho ou vítimas de acidente de trabalho e os incapacitados por doenças advindas por meios naturais ou acidentes fora do ambiente de trabalho.
 

Por fim, conclui-se que anteriormente à Emenda supramencionada, a previdência social resguardava financeiramente, de maneira eficaz, o segurado que se encontrava incapaz para o trabalho permanentemente.

 

 

1.1 Incapacidade por acidente de trabalho ou doença profissional

 

Quando a incapacidade permanente resulta de um acidente de trabalho ou de uma doença profissional, o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente é calculado de forma mais favorável. Nesses casos, o valor do benefício corresponde a 100% da média aritmética simples dos salários de contribuição do segurado.

 

1.2. Incapacidade por acidente comum ou doença não relacionada ao trabalho

 

Para incapacidades decorrentes de acidentes comuns ou doenças não relacionadas ao trabalho, o cálculo do benefício é menos favorável. A fórmula aplicada é a seguinte: O valor do benefício é de 60% da média aritmética simples dos salários de contribuição, acrescido de 2% para cada ano de contribuição que exceder 20 anos (para homens) ou 15 anos (para mulheres).

 

1.3. Quando a aposentadoria por incapacidade permanente é paga de forma integral

 

A integralidade do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente, isto é, o pagamento de 100% da média dos salários de contribuição, ocorre nos seguintes casos:

 
  • Acidente de trabalho: Incapacidade resultante de acidente de trabalho.

  • Doença profissional: Incapacidade resultante de doença profissional ou doença do trabalho.

  • Acidente de qualquer natureza: Acidente fora do ambiente de trabalho, desde que resulte em incapacidade permanente (para casos anteriores à reforma ou situações específicas ainda contempladas).

  • Doença incurável ou grave: esta seria uma hipótese construída pelo Tema 1300 STF, justamente porque enfrenta a discussão, sobre a constitucionalidade do art. 26, § 2º, III, da EC nº 103/2019, com a consequente determinação da forma de cálculo de aposentadorias por incapacidade permanente decorrentes de doença grave, contagiosa ou incurável.

 

As mudanças introduzidas pela reforma previdenciária afetam significativamente os segurados, especialmente aqueles cujas incapacidades não são decorrentes de acidentes de trabalho ou doenças profissionais. A redução do valor do benefício para esses casos pode ter implicações importantes na proteção social e na qualidade de vida dos segurados.
 

A diferenciação no cálculo dos benefícios pode ser vista como uma forma de justiça distributiva, priorizando os casos de incapacidades decorrentes de trabalho. No entanto, também gera preocupações sobre a adequação dos benefícios para atender às necessidades dos segurados incapacitados por outras causas, o que é o caso das doenças incuráveis, uma vez que são graves e irreversíveis.

 

 

2. Doenças que isentam o segurado do período de carência

 

Para ter direito à aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio-doença (auxílio por incapacidade temporária) é preciso cumprir o período de carência. Ou seja, requer-se pelo menos 12 contribuições para a Previdência Social. Dessa forma, para esses benefícios o tempo carência exigido é de 12 meses.
 

No entanto, existem certas doenças, que devido a gravidade e imprevisibilidade, dispensam o cumprimento de carência. Assim, basta apenas que o segurado tenha um vínculo ativo com o INSS, ou seja, esteja com qualidade de segurado perante a Previdência.
 

Dessa forma, a Portaria MTP/MS n.º 22/2022 determina que as doenças dispensadas do período de carência para os benefícios por incapacidade são as seguintes:
 

I – tuberculose ativa; II – hanseníase; III – transtorno mental grave, desde que esteja cursando com alienação mental; IV – neoplasia maligna; V – cegueira; VI – paralisia irreversível e incapacitante; VII – cardiopatia grave; VIII – doença de Parkinson; IX – espondilite anquilosante; X – nefropatia grave; XI – estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante); XII – síndrome da deficiência imunológica adquirida (Aids); XIII – contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada; XIV – hepatopatia grave; XV – esclerose múltipla; XVI – acidente vascular encefálico (agudo); e XVII – abdome agudo cirúrgico.
 

Assim, para ter direito ao benefício, basta que o segurado empregado trabalhe um único dia. No caso dos segurados facultativos e contribuintes individuais, exige-se uma contribuição para a Previdência Social antes da data de início da incapacidade gerada por alguma doença grave.


Para a concessão da aposentadoria por invalidez com proventos integrais devido a doenças graves, o segurado deve passar por uma perícia médica do INSS. A perícia é responsável por confirmar o diagnóstico da doença e a incapacidade permanente para o trabalho. Em muitos casos, o INSS pode exigir laudos e exames médicos que comprovem a condição do segurado.


A legislação brasileira reconhece certas doenças graves, contagiosas ou incuráveis que garantem ao segurado o direito à aposentadoria por incapacidade permanente com proventos integrais. Isso significa que o benefício será calculado considerando 100% da média aritmética dos salários de contribuição, sem as reduções aplicáveis a outros tipos de incapacidade.

 

 

3. Doenças específicas que geram direito a aposentadoria por invalidez?

 

Não existe uma lista de doenças que geram direito ao beneficio por incapacidade temporaria ou aposentadoria por incapacidade permanente. Assim, qualquer doença que gere incapacidade para o trabalho pode justificar a concessão dos benefícios por incapacidade. Portanto, o que será avaliado não será quais as doenças da pessoa, mas qual o impacto do estado de saúde geral na capacidade para o trabalho ou ocupação do segurado.
 

Como é feito o cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente? Atualmente, a regra do cálculo do valor da renda mensal inicial da aposentadoria por incapacidade permanente segue a sistemática da Reforma da Previdência da EC 103/2019. Assim, o cálculo deve ser feito em duas etapas:
 

1ª Etapa: Obter a média aritmética simples de todos os salários de contribuição desde a competência julho de 1994, chegando ao que é chamado “salário de benefício”.
 

2ª Etapa: Após obter a média, aplica-se o coeficiente de 60% (sessenta por cento) da média do salário de benefício + 2% para cada ano de contribuição que exceder 20 (vinte) anos de contribuição para os homens e 15 (quinze) anos para as mulheres.
 

Caso o benefício seja concedido em virtude de acidente do trabalho, doença profissional ou doença do trabalho, o coeficiente corresponde a 100% do salário de benefício, e não vale a regra dos 60% +2% por ano conforme o gráfico acima.
 

Mas caso o segurado seja acometido de uma doença incurável, como restará o cálculo do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente?

 

 

4. Implicações do tema 1300 STF

 

Este artigo traz a discussão do recurso extraordinário (RE)1469150, apresentado contra acórdão da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Paraná, que determinou o pagamento de aposentadoria por incapacidade permanente decorrente de doença grave, contagiosa ou incurável de forma integral, sem a incidência do art. 26, § 2º, III, da EC nº 103/2019, que previu o pagamento de uma cota de 60% da média dos salários de contribuição, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder a 20 anos.

Abaixo Qrcode da movimentação processual do TEMA 1300 do STF:

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Descrição gerada automaticamente

 

Na origem, a parte recorrida ajuizou ação revisional de benefício previdenciário, objetivando a declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 26, § 2º, III, da Emenda Constitucional nº 103/2019, de modo que sua aposentadoria fosse paga de forma integral. Isso porque, com a edição da EC nº 103/2019, até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, o pagamento de aposentadoria por incapacidade permanente decorrente de doença grave, contagiosa ou incurável deve ser feito em cota de 60% da média dos salários de contribuição, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder a 20 anos.
 

A sentença julgou procedente o pedido, afirmando que a disciplina da EC nº 103/2019 não deveria ser aplicada ao caso da parte recorrida, porque o fato gerador do benefício de incapacidade permanente (a doença incurável) já existia antes da reforma constitucional. Confira-se o trecho da sentença:

 

Nessa ordem de ideias, o intérprete do direito previdenciário deve promover um constante balançar de olhos entre o diagnóstico e o prognóstico, ciente de que as projeções nem sempre se confirmam. A alternância de conclusões médicas no curso do tempo é natural, à luz da evolução do quadro clínico. O simples fato de a incapacidade ser "declarada" permanente após a EC 103 não significa que tenha surgido um novo infortúnio social, um novo fato gerador do benefício, a sujeitar o segurado ao novo regime jurídico. O infortúnio pode ser exatamente o mesmo, alterando-se apenas o entendimento sobre a possibilidade ou não de recuperação. O que se afigura equivocada, data vênia, é a postura adotada pelo INSS. Basicamente, a autarquia tem entendido que, se o segurado começou a gozar auxílio-doença antes da EC 103/2019, mas a incapacidade só foi declarada permanente após a Emenda, serão aplicadas as novas regras novas. Raciocínio impróprio, conforme demonstrado.
 

O acórdão recorrido confirmou a procedência do pedido, condenando o INSS a revisar o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente, de modo a aplicar o regime jurídico anterior à EC nº 103/2019. A decisão afirmou a inconstitucionalidade do art. 26, § 2º, III, da EC nº 103/2019, em razão de violação ao princípio da isonomia. Confira-se o trecho da fundamentação do acórdão:


É do sistema securitário a lógica de que a incapacidade permanente seja indenizada com benefício superior ao da incapacidade provisória. Justifica a distinção o fato de que o agravamento do estado incapacitante exige do segurado maiores despesas, muitas vezes inclusive autorizando pagamento de coeficiente adicional, caso se mostre indispensável o auxílio de terceiro.
 

Certo, o constituinte pode inverter essa lógica, inclusive com a plausível motivação atuarial de que, sendo permanente o benefício, o seu valor haveria de ser proporcionalmente reduzido, assim compensando redução de valor com maior tempo de percepção. Argumento semelhante a essa presidiu à criação do fator previdenciário, por meio do qual se criou um compromisso muito delicado entre o valor da aposentadoria e o tempo durante o qual se possa presumir a sua percepção pelo segurado.
 

Não parece, todavia, ter sido essa a intenção da alteração constitucional implementada pela EC 103/19. Muito pelo contrário, na tentativa de unificar o coeficiente utilizado em mais de uma modalidade de aposentadoria, olvidou-se o legislador de que, no sistema, outro benefício não alcançado pela mudança (benefício por incapacidade provisória) guardava relação de congruência, inclusive financeira, com a outrora chamada aposentadoria por invalidez. Ao assim agir, instalou-se inconciliável antinomia, que a interpretação judicial pode, contudo, corrigir, com suporte no princípio maior da isonomia, imponível até mesmo ao reformador derivado, mediante declaração incidental da inconstitucionalidade da alteração feita. (grifos acrescentados).
 

O INSS, contudo, com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, pretende a reforma do acórdão. Sustenta que o art. 26, § 2º, III, da EC nº 103/2019 é constitucional. Afirma, nesse sentido, que “o acórdão impugnado não pretende apenas preservar o núcleo essencial do direito fundamental à previdência, mas induzir a perpetuação de disciplina jurídica alheia aos padrões que conformam a identidade da Constituição Federal de 1988”. Alega, ainda, que não há violação de cláusula pétrea, de modo que não haveria fundamento para a declaração de inconstitucionalidade de dispositivo de Emenda Constitucional. Requer, por fim, a suspensão do processo até o julgamento final da ADI 6.384/DF, que também trata da constitucionalidade do art. 26, § 2º, da EC nº 103/2019.
 

O recurso deve ser conhecido. A questão suscitada pelo recurso extraordinário não pressupõe o exame de matéria fática, tampouco de legislação infraconstitucional. Além disso, como relatado, a questão sobre a constitucionalidade do art. 26, § 2º, III, da EC nº 103/2019 foi expressamente enfrentada pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Paraná. Nos termos do acórdão recorrido, a nova regra de cálculo do benefício de aposentadoria seria inconstitucional, em razão de violação ao princípio da isonomia. A questão em discussão, portanto, é sobre a constitucionalidade do art. 26, § 2º, III, da EC nº 103/2019, com a consequente determinação da forma de cálculo de aposentadorias por incapacidade permanente decorrentes de doença grave, contagiosa ou incurável.


É dizer: saber se, após a edição da EC nº 103/2019, as aposentadorias por incapacidade permanente decorrentes de doença grave, contagiosa ou incurável devem ser pagas de forma integral, ou se devem ser limitadas a uma cota de 60% da média dos salários de contribuição, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder a 20 anos.
 

De um lado, a parte recorrida (o segurado do INSS) sustenta a inconstitucionalidade do art. 26, § 2º, III, da EC nº 103/2019, sob o fundamento de que o regime de cálculo determinado pela reforma constitucional viola a irredutibilidade do valor de benefícios previdenciários (CRFB/1988, art. 194, IV). O acórdão recorrido, por sua vez, afirmou a inconstitucionalidade do dispositivo, tendo em conta a suposta incompatibilidade entre a regra de cálculo do benefício por incapacidade provisória e aquela que foi determinada para a incapacidade permanente. Por outro lado, o INSS defende a constitucionalidade da previsão da Emenda, sob o fundamento de que a reforma constitucional buscou garantir a equivalência entre a contribuição e o benefício previdenciário. Isso para garantir o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema de previdência pública no Brasil.
 

A questão trazida pelo recurso, com se observa, envolve o exame dos limites constitucionais ao poder de reforma, assim como pressupõe a interpretação do princípio da isonomia (CRFB/1988, art. 5º, caput) e da irredutibilidade de benefícios (art. 194, IV). Além disso, a discussão sobre a constitucionalidade do art. 26, § 2º, da EC nº 103/2019 é objeto da ADI 6.384/DF, sob minha relatoria. No voto apresentando na sessão virtual iniciada em 16.09.2022, manifestei-me pela constitucionalidade do art. 26, § 2º, da EC nº 103/2019.
 

Como se vê, segundo a requerente, o art. 26, § 3º, II, da EC nº 103/2019 é incompatível com a Constituição não por aquilo que dispõe, mas pelo que deixa de prever. A alegação é, portanto, de inconstitucionalidade por omissão. Penso, porém, que a norma não incorre nesse vício. Sem dúvida alguma, é ruim não poder garantir proventos integrais a quem se torne incapaz para o trabalho por sofrer de determinada doença grave, contagiosa ou incurável. Mas nem tudo que é ruim ou indesejável afronta cláusula pétrea. Como demonstrarei a seguir, a Emenda Constitucional nº 103/2019 foi, de certa maneira, mais protetiva para a generalidade dos servidores que se aposentam por incapacidade permanente do que o regime anterior.
 

Esse breve panorama permite-se afirmar que a Emenda Constitucional nº 103/2019 ampliou a rede de proteção para a generalidade dos servidores que se aposentam por incapacidade permanente, ainda que, para isso, tenha sido necessário reduzir a quantidade de pessoas com direito a proventos integrais. O quadro anterior, em que não se assegurava um valor mínimo ao aposentado por invalidez, era incongruente com a natureza desse benefício. Tal descompasso decorria da presença, nessa prestação, de um fator de imprevisibilidade não só quanto ao momento em que a sua causa virá a se consumar – como se dá com a pensão por morte –, mas também, e fundamentalmente, quanto à própria possibilidade de ela vir a ocorrer. Ninguém se planeja para se aposentar por invalidez. Essa é, por excelência, uma prestação não programada.
 

E, por esse motivo, a ausência de previsão normativa de um mínimo intangível, independente do período contribuído, relegava o servidor ao acaso. A Emenda Constitucional nº 103/2019 corrigiu esse equívoco, criando, como visto, uma cota irredutível de 60%. Mesmo na União, em que já se resguardava um patamar mínimo, a situação se tornou mais vantajosa para quem se incapacita muito precocemente, uma vez que o percentual-base passou de 33,33% para 60%.
 

Ademais, não há um dever constitucional de dispensar tratamento igualitário a quem deixe de trabalhar em decorrência de um acidente de trabalho e a quem se incapacite por força de uma doença grave. Existe, é verdade, fundamento razoável para conferir tratamento mais favorável a esses dois grupos de servidores em relação aos que se aposentam de forma voluntária – quando atingem, por exemplo, a idade limite –, o que denota a constitucionalidade da norma que foi revogada pela EC nº 103/2019. Reconhecer a validade dessa discriminação, porém, não a torna impositiva ao poder reformador. Há, aqui, espaço para opções políticas que são divergentes, porém igualmente legítimas.


Nessa linha, é possível assinalar uma distinção entre, de um lado, (i) a doença grave, contagiosa e incurável e, de outro, (ii) o acidente de trabalho, a doença profissional e a doença do trabalho, que sirva de justificativa à fixação de proventos em valores diferenciados. Enquanto o primeiro grupo de causas de incapacidade permanente se insere na loteria natural da vida, não podendo ser imputado a um agente humano em especial, o segundo grupo está atrelado necessariamente ao comportamento do empregador quanto à adoção de medidas de proteção, segurança e saúde do trabalhador. Como se sabe, o empregador – assim como o segurado – é contribuinte da Previdência Social. E o fato de os acidentes de trabalho, doenças profissionais e doenças do trabalho derivarem, de alguma maneira, de sua própria conduta – comissiva ou omissiva – autoriza que se exija dele um esforço contributivo maior para sustentar benefícios mais vultosos. Trata-se de forma válida de se operar a solidariedade ínsita ao regime previdenciário.
 

O julgamento foi suspenso em 19.12.2023, por pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes. O início do julgamento da ação de controle concentrado, contudo, não tem o efeito de sobrestar os recursos extraordinários que discutem a constitucionalidade do art. 26, § 2º, da EC nº 103/2019. Em razão da pendência do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, bem como da repetitividade de processos sobre o tema, afigura-se necessário submeter a questão ao regime da repercussão geral.
 

No STF, já se identificaram 82 recursos extraordinários sobre a constitucionalidade do art. 26, § 2º, III, da EC nº 103/2019, objetivando, justamente, definir se, após a edição da EC nº 103/2019, a aposentadoria por incapacidade permanente decorrente de doença grave, contagiosa ou incurável deve ser paga de forma integral, ou se é válido o regime de cálculo trazido pelo constituinte reformador. Assim sendo, considerando a natureza constitucional da controvérsia, bem como a sua relevância, sob todos os pontos de vista (econômico, político, social e jurídico), há que se reconhecer a repercussão geral da questão submetida ao STF neste recurso.
 

Diante do exposto, nesse sentido foi reconhecido a repercussão geral da seguinte questão constitucional: saber se, após a edição da EC nº 103/2019, a aposentadoria por incapacidade permanente decorrente de doença grave, contagiosa ou incurável deve ser paga de forma integral.


Neste interim urge a declaração da inconstitucionalidade do artigo 26, § 2º, da EC 103/2019, devendo ser reconhecido que o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente deve corresponder a 100% do salário-de-benefício, para segurados com doenças incuráveis.

 

 

Conclusão

 

Conforme estudado, para que o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente seja concedido, o cálculo a ser utilizado para que se chegue ao valor real do benefício é o seguinte: é feito cálculo de 60% do valor da média de 100% dos salários do contribuinte desde junho de 1994, com acréscimo de 2% a cada ano que exceder 15 e 20 anos trabalhados pela mulher ou homem, respectivamente.
 

Assim, com a denominada reforma da previdência, restou caracterizada a diferença entre o cálculo realizado para se obter o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente, que como supramencionado, recebeu no novo regime uma prestação de 60% do salário-de-benefício, enquanto para se obter o benefício de auxílio por incapacidade temporária, presumidamente menos grave, recebeu uma prestação de 91% do salário-de-benefício.
 

Desta forma, não foram respeitados os princípios basilares da Constituição Federal de 1988, uma vez que houve a irredutibilidade no valor do benefício e a diferenciação entre os segurados.
 

A Emenda Constitucional nº 103 de 2019 trouxe mudanças importantes na aposentadoria por incapacidade permanente, introduzindo critérios diferenciados para o cálculo do benefício. A integralidade do salário de benefício é garantida apenas para casos de acidentes de trabalho e doenças profissionais, enquanto outras incapacidades sofrem reduções significativas no valor do benefício. Essas mudanças exigem uma avaliação contínua para garantir um equilíbrio entre a sustentabilidade do sistema previdenciário e a proteção social dos segurados.
 

A Emenda Constitucional nº 103 de 2019 trouxe várias mudanças ao sistema previdenciário, incluindo alterações na forma de cálculo dos benefícios. No entanto, as doenças graves continuam a garantir o direito à aposentadoria por incapacidade permanente com proventos integrais, mantendo-se a proteção a esses segurados vulneráveis.
 

Com a deturpação provocada entre os cálculos, o sistema judiciário passou a ser movimentado no decorrer dos anos à vista de teses de inconstitucionalidade dos cálculos, uma vez que há uma diferenciação entre os segurados. Em contrapartida, caso o benefício seja acidentário, o coeficiente utilizado para realizar a computação do valor da RMI é o de 100%, o que também aponta uma desigualdade.
 

Nesse ínterim, não é possível verificar um tratamento de equidade proporcionado pelo Estado através da Previdência Social, e sim, um tratamento dessemelhante, onde um segurado acometido de uma incapacidade temporária é favorecido em contrapartida do segurado acometido de uma limitação total e definitiva.
 

Dessa forma, é notório que os juristas vêm movimentando o Poder Judiciário sob a alegação da Emenda Constitucional 103/2019 afrontar princípios norteadores do Estado Democrático de Direito, tal qual o princípio da Isonomia, por exemplo, o que é um retrocesso legislativo quando se trata de proteção social, justamente é o intuito do julgamento do Tema 1300 do STF.
 

A proteção social garantida aos segurados com doenças graves (incurável) é uma medida essencial para assegurar a dignidade e o bem-estar desses indivíduos, que enfrentam situações de grande vulnerabilidade. A concessão de proventos integrais, para segurados portadores de doenças incuráveis, reflete o reconhecimento da severidade dessas condições e a necessidade de um apoio financeiro adequado, é o que se espera do julgamento do Tema 1300 do STF.

 



 

Autora: Janaina Policarpo
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