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Segurança Social Sem Fronteiras: A Engenharia dos Cálculos na Aposentadoria por Totalização

A aposentadoria por totalização possibilita a soma de períodos contributivos ou de segurança realizados em diferentes países, por meio de Acordos Internacionais de Direito Previdenciário. O objetivo principal não é aumentar o valor da renda mensal inicial (RMI) ao segurado, mas sim garantir o cumprimento da carência necessária para a concessão do benefício, garantindo proteção previdenciária aos trabalhadores que transitaram por sistemas distintos. Por isso, é importante destacar que este mecanismo reflete o compromisso do Estado em respeitar um núcleo essencial de direitos fundamentais, indispensáveis ??à preservação da dignidade humana. Suzana Tavares da Silva descreve essa ideia como uma “mochila da dignidade humana”, um conjunto de direitos básicos que devem ser garantidos a cada indivíduo pelos governantes (SILVA, 2010, p. 129).

 

Parafraseando a escritora, podemos compreender que, nesta "mochila", serão incluídos e somados os períodos de contribuição e de seguro dos países nos quais o segurado tenha exercido atividades laborais, para o cumprimento do requisito de acesso: carência, de um benefício previdenciário. Nesse contexto, a "mochila" simboliza os acordos previdenciários internacionais, que viabilizam essa soma e asseguram o pagamento na forma pro rata em cada país onde o segurado tenha trabalhado.

 

Por se tratar de um pagamento pro rata, ou seja, proporcional, surgem muitas dúvidas sobre sua forma de cálculo, o que motivou a elaboração do presente artigo. Porém, antes de desvendar a forma de cálculo, é importante frisar a ideia do mínimo legal, fundamentada no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que assegura a todas as pessoas e suas famílias o direito a um padrão de vida adequado, abrangendo saúde, alimentação, habitação, vestuário e serviços de previdência social. Esses direitos são essenciais para proteger contra situações de vulnerabilidade, como desemprego, viuvez e velhice.


Dessa forma, os benefícios por totalização cumprem um papel crucial, pois, mesmo sendo um benefício proporcional, traz em seu espírito a ideia de assegurar o mínimo capaz de garantir a dignidade e as condições básicas de subsistência, refletindo a proibição de insuficiência de direitos sociais. Além disso, este jamais será utilizado para aumentar a renda inicial de um benefício cujo trabalhador já tenha cumprido uma carência completa.

 

No âmbito doutrinário, Fábio Zambitte Ibrahim destaca que os tratados internacionais em matéria previdenciária têm por objetivo garantir o direito à cobertura mínima, no respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

 

Os principais fundamentos legislativos que regem a forma de cálculo dos benefícios por totalização são:
 

  • Constituição Federal de 1988, art. 201, §2º: Estabelece que nenhum benefício previdenciário pode ser inferior ao salário-mínimo.

  • Lei nº 8.213/91: Regula os benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

  • Decreto nº 3.048/99, art. 32: Antes da reforma, detalhava as três formas de apuração da prestação teórica nos acordos internacionais.

  • Decreto nº 10.410/2020: Revogou o §18 do art. 32, modificando o cálculo em conformidade com a EC nº 103/2019.

  • Portaria DIRBEN/INSS nº 995/2022: Dispõe sobre a operacionalização dos Acordos Internacionais.

  • Portaria DIRBEN/INSS Nº 1045 DE 04/08/2022.

  • Acordo Internacional Previdenciário entre os Estados membros que busca-se o intercambio de informações e tempo de contribuição ou seguro.

 

Como já mencionado, falamos de um pagamento pro rata, ou seja, proporcional à contribuição vertida pelo seguro ao país que busca sua contribuição. A forma de cálculo respeita a legislação do país onde se busca a aposentadoria. No Brasil, o cálculo é dividido em duas etapas: a primeira é calcular o RMI da Prestação Teórica, e a segunda, definir o valor da aposentadoria pela fórmula pro rata. Pode até parecer difícil, porém, ao compreender o espírito deste benefício, torna-se fácil entender e aplicar.

 

O artigo 31 da Portaria 995/2022, detalha bem a primeira fase:

 

Art. 31. O cálculo dos benefícios concedidos por totalização será realizado observando-se o disposto nos Acordos Internacionais de Previdência Social e as seguintes regras:

I - para fins de fixação do Período Básico de Cálculo-PBC, deve-se ter em consideração o tempo de contribuição realizado sob a legislação brasileira;

II - o salário de benefício, para fins de cálculo da prestação teórica dos benefícios por totalização, será apurado, segundo as regras contidas nos art. 32 e 35 do Regulamento da Previdência Social-RPS ;

III - Para fins de cálculo da Renda Mensal Inicial Teórica, os períodos de seguro cumpridos sob a legislação do país acordante serão considerados como períodos brasileiros;

IV - A renda mensal inicial teórica não poderá ter valor inferior ao salário mínimo vigente na data do início do benefício, na forma do inciso VI do art. 2º e do art. 33, ambos da Lei nº 8.213, de 1991 .

 

Entretanto, para entender melhor a forma de cálculo, é importante delimitarmos o marco de 13 de novembro de 2019, data publicação da reforma da previdência EC103/2019. Isso porque a base para a formação do salário de benefício foi significativamente alterada. Vejamos:

 

Isso porque os três parágrafo do §18 do Art. 32 do Decreto nº 3.048/99 , hoje revogado e alterado pelo Decreto nº 10.410 de 2020, trazia tas hipóteses para o cálculo do salário de Benefício – SB, vejamos:

 

I – Contribuições no Brasil ≥ 60% do Período Desde Julho/1994:
O salário de benefício era calculado com base na média dos 80% maiores salários de contribuição desde julho de 1994.


II – Contribuições no Brasil < 60% do Período Desde Julho/1994:
O salário de benefício era calculado com base na média aritmética simples de todos os salários de contribuição desde julho de 1994, aplicando-se o fator previdenciário.


III – Sem Contribuições no Brasil Desde Julho/1994:
O salário de benefício era apurado com base na média aritmética simples de todo o período contributivo anterior a julho de 1994, aplicando-se i o fator previdenciário.

 

Depois de encontrado o Salário de Benefício bastava-se aplicar a alíquota do benefício para chegar a RMI da Prestação Teórica. Ou seja:

 

Prestação teórica = SB (conforme tabela) x alíquota (vária de acordo com o benefício)

 

Exemplo quando falamos de uma aposentadoria por idade a alíquota é de 85% (70% + 1% por grupo de 12 meses até o limite de 100%, como falamos de carência, temos o marco de 15 anos).

 

Após a reforma da previdência e as alterações promovidas pelo Decreto nº 10.410/2020, temos, no mesmo artigo 32, uma definição do período básico de cálculo como a média de 100% da variação de contribuição desde julho de 1994 até a data do requerimento. O texto trouxe ainda, no parágrafo 9º, a disposição de que, caso inexistam alterações de contribuição no período posterior a julho de 1994, o salário de benefício será correspondente ao valor de um salário-mínimo vigente.

 

Assim Renda Mensal Inicial Teórica da aposentadoria será calculada conforme o §2º do artigo 26 da EC 103/2019, através da aplicação da alíquota de 60 % sobre o valor do salário-de- benefício = percentual fixo.

 

Uma vez calculada a Prestação Teórica, basta aplicar o valor encontrado na fórmula de cálculo para determinar a Renda Mensal Inicial (RMI) proporcional ou chamada pro rata. Para isso, aplica-se sobre a renda mensal inicial teórica a proporcionalidade, isto é, o resultado da razão entre o tempo de contribuição cumprido no Brasil e a somatória dos períodos cumpridos no Brasil e no país acordante, utilizando-se a fórmula abaixo:

 

RMI1 = RMI2 x TS

TT

Onde:
RMI 1 = renda mensal inicial proporcional
RMI 2 = renda mensal inicial teórica
TS = tempo de serviço no Brasil
TT = totalidade dos períodos de seguro cumpridos em ambos os países acordantes (observado o limite máximo, conforme legislação vigente)

 

A ideia é que o país pague apenas o valor proporcional ao tempo de contribuições vertidas para o seu sistema. Isso ocorre porque não há compensação de valores entre os países acordantes, o que possibilita ao segurado o recebimento de mais de uma aposentadoria proporcional em cada país onde trabalhou.

 

É importante destacar que, embora o artigo 35, §1º, do Decreto nº 3.048/1999, e o artigo 33, §1º, da Portaria nº 995/2022 prevejam a possibilidade de que a renda inicial proporcional seja inferior ao salário-mínimo – salvo se houver previsão expressa em sentido contrário no acordo internacional –, temos, no topo da pirâmide de Kelsen, a Constituição Federal. Em seu artigo 201, §2º, a Constituição proíbe a concessão de benefícios inferiores ao salário-mínimo.

 

Nesse sentido, o Tema 262 da Turma Nacional de Uniformização (TNU), ao julgar a renda de um benefício por totalização advindo do acordo entre Brasil e Portugal, fixou a seguinte tese:

 

“1) O valor pago pelo INSS poderá ser inferior ao salário-mínimo nacional, desde que a soma dos benefícios previdenciários devidos por cada estado ao segurado seja igual ou superior a esse piso; 2) Enquanto não adquirido o direito ao benefício devido por Portugal ou se o somatório dos benefícios devidos por ambos os estados não atingir o valor do salário-mínimo no Brasil, a diferença até esse piso deverá ser custeada pelo INSS para beneficiários residentes no Brasil.”

 

Diante do exposto, é evidente que a reforma por totalização, embora tenha particularidades relacionadas ao projeto pro rata, apresenta-se como um instrumento fundamental para garantir os direitos previdenciários aos trabalhadores que desenvolvem em diferentes sistemas internacionais. A importância desse benefício não se limita ao cumprimento das normas internas de cada país, mas também ao respeito às disposições constitucionais e aos acordos internacionais, garantindo proteção social em consonância com os princípios da dignidade humana e do mínimo existencial.

 

Assim, a aplicação da fórmula pro rata , aliada à observância das normas internacionais de cada país e às disposições específicas de cada acordo internacional, reflete o compromisso dos Estados em fornecer uma cobertura previdenciária justa e verificada às necessidades do segurado. Apesar de sua aparente complexidade, uma sistemática de cálculo demonstra a intenção de garantir o equilíbrio entre as obrigações de cada país e os direitos dos segurados, promovendo uma rede de proteção social que ultrapassa fronteiras.
 

Portanto, compreender as nuances dos benefícios por totalização é essencial para garantir que os segurados possam usufruir de seus direitos de maneira plena, preservando a dignidade e a segurança econômica, mesmo em cenários de transnacionalidade contributiva. Esse modelo de benefício constitui um marco de solidariedade internacional no âmbito da segurança social, reforçando a importância mundial da integração entre os sistemas previdenciários no contexto de um globalizado. Sem dúvida, trata-se de um verdadeiro “mar azul”, ainda pouco explorado pela advocacia previdenciária.

 
 
 



 

Autora: Maytê Feliciano
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