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O impacto do volume de produção rural na condição de Segurado Especial

No blog de hoje venho esclarecer uma dúvida bastante comum e frequentemente levantada em processos administrativos e judiciais em relação à qualificação do trabalhador rural como segurado especial: o volume de produção rural influencia na condição de segurado especial?
 

É muito frequente que o segurado especial seja retratado como um trabalhador rural em condições precárias, com uma pequena propriedade e sem acesso a maquinário ou bens móveis. Baseado nessa visão — que, a meu ver, é equivocada —, surgem interpretações restritivas que buscam descaracterizar a qualidade de segurado especial com o argumento de "grande volume de produção rural". Vejam o seguinte exemplo:


[...] Hipótese em que descaracterizado o regime de economia familiar quanto ao período posterior ao casamento pelo grande volume da produção agrícola. [...] (TRF4, AC 5009202-36.2021.4.04.7208, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 15/06/2023)
 

Aqui, é importante compreendermos o conceito de segurado especial.

 

O conceito de Segurado Especial segundo a Lei nº 8.213/91


Conforme estabelece a Lei nº 8.213/91, em seu art. 11:


Art. 11. [...]

[...]

VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:

a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;

[...]

§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
 

O § 1º do art. 11 ainda define que regime de economia familiar é aquele em que o trabalho dos membros da família é essencial para a subsistência e o desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, sendo realizado em condições de colaboração mútua, sem a utilização de empregados permanentes.
 

 

O volume de produção não interfere na caracterização de Segurado Especial

 

Observe que as restrições impostas pela Lei nº 8.213/91 são relacionadas exclusivamente ao tamanho da propriedade rural e à ausência de empregados permanentes, sem estabelecer qualquer limite quanto à quantidade de produção ou comercialização.
 

Além disso, o mencionado § 1º do art. 11 enfatiza o desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, o que implica que a produção não deve ser um fator limitante para a caracterização de segurado especial.


Portanto, o segurado especial é aquele trabalhador rural que, individualmente ou em regime de economia familiar, trabalha em uma área rural de até 4 módulos fiscais, sem o uso de empregados permanentes. Não há, em nenhum momento, limites legais de produção que possam descaracterizar essa condição.
 

 

A contribuição previdenciária e a comercialização

 

A Constituição Federal, em seu art. 195, § 8º, dispõe que a contribuição previdenciária do segurado especial deve ser baseada na comercialização de sua produção. Ou seja, quanto maior a produção e a comercialização, maior será a contribuição para o sistema previdenciário.
 

Nesse contexto, a Instrução Normativa nº 128/2022 é clara ao afirmar que o volume de produção rural não interfere na qualificação de segurado especial:
 

Art. 109. [...]

§ 1º A atividade é desenvolvida em regime de economia familiar quando o trabalho dos membros do grupo familiar é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico, sendo exercida em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, independentemente do valor auferido pelo segurado especial com a comercialização da sua produção, quando houver, observado que:

[...]
 

A Instrução Normativa nº 128/2022 reforça o entendimento da Administração Pública sobre a irrelevância do volume de produção rural para o enquadramento do trabalhador como segurado especial, o que já era previsto na antiga IN 77/2015:


Art. 39. São considerados segurados especiais o produtor rural e o pescador artesanal ou a este assemelhado, desde que exerçam a atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros.
 

§ 1º A atividade é desenvolvida em regime de economia familiar quando o trabalho dos membros do grupo familiar é indispensável à sua subsistência e desenvolvimento socioeconômico, sendo exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, independentemente do valor auferido pelo segurado especial com a comercialização da sua produção, quando houver, observado que:

[...]

 

 

Jurisprudência sobre o volume da produção rural

 

Além disso, há decisões judiciais que corroboram essa interpretação.

Por exemplo, em um caso julgado pela 1ª Turma Recursal de Santa Catarina (processo nº 5008735-54.2021.4.04.7209), ficou claro o entendimento de que a legislação previdenciária não utiliza o valor da renda proveniente da produção rural como critério para qualificar o segurado:
 

Cabe ressaltar, nesse sentido, que a legislação previdenciária não utiliza o valor da renda da produção rural como critério para enquadramento do tipo de segurado, o que vem sendo ressaltado nos atos internos do próprio INSS.
 

Nesse sentido, consta da recente Instrução Normativa 128/2022:
 

Art. 109. São considerados segurados especiais o produtor rural e o pescador artesanal ou a este assemelhado, desde que exerçam a atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros.
 

§ 1º A atividade é desenvolvida em regime de economia familiar quando o trabalho dos membros do grupo familiar é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico, sendo exercida em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, independentemente do valor auferido pelo segurado especial com a comercialização da sua produção, quando houver, observado que: [...]
 

Esta Turma Recursal tem decidido nessa linha (5003527-13.2021.4.04.7202, Relatora LUÍSA HICKEL GAMBA, julgado em 16/03/2022).
 

 

Projeto de Lei 5585/23 e a proteção ao Segurado Especial de alta produtividade

 

Vale destacar também que tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5585/23, que busca garantir a qualificação de segurado especial para o produtor rural com alta produtividade. O objetivo do projeto é assegurar a proteção previdenciária para trabalhadores que, devido ao grande volume de produção, poderiam ter sua condição de segurado especial contestada.
 

 

Conclusão


Em resumo, a quantidade de produção rural não deve ser um fator que descaracterize a condição de segurado especial, visto que as normas relacionadas são claras ao afirmar que o volume de produção não interfere nessa configuração.

 
 



Autor: Matheus Azzulin 
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