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Assédio, esgotamento e a conta que chega: o custo jurídico de ignorar a saúde mental no trabalho

O ambiente de trabalho tem passado por transformações significativas impulsionadas pela globalização, avanços tecnológicos e crescente competitividade, o que, embora traga ganhos como aumento da produtividade e flexibilização das relações laborais, também gera impactos negativos sobre a saúde mental dos trabalhadores, e a pressão por metas, a insegurança no emprego, a sobrecarga de tarefas e a ausência de reconhecimento contribuem para o surgimento de transtornos como a síndrome de burnout e o adoecimento psíquico generalizado, no Brasil, essa realidade é agravada pela negligência de muitos empregadores no cumprimento de normas de saúde e segurança, como a NR-1, que estabelece diretrizes para a prevenção de riscos ocupacionais.
 

Diante desse cenário, torna-se urgente compreender os custos jurídicos e econômicos decorrentes da omissão empresarial quanto à saúde mental dos trabalhadores, este artigo propõe uma análise das implicações previdenciárias, trabalhistas e tributárias enfrentadas por empregadores infratores, por meio de uma abordagem qualitativa e fundamentada em revisão bibliográfica e análise jurídica, além disso, busca destacar o papel estratégico do advogado na prevenção de litígios, promovendo conformidade legal e orientações eficazes às empresas, e a discussão vai além do aspecto legal, abordando também a dignidade humana e a responsabilidade social corporativa como fundamentos para a construção de ambientes laborais mais saudáveis e sustentáveis.
 

 

A NR1 e a saúde mental dos trabalhadores

A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), conforme a Lei nº 14.831/2024, introduziu a obrigatoriedade do monitoramento dos riscos psicossociais no ambiente de trabalho, como o estresse, a sobrecarga e o assédio moral, com o objetivo de prevenir doenças como ansiedade, depressão e burnout, essa mudança reflete um avanço na proteção da saúde mental dos trabalhadores e se alinha às diretrizes da OIT e aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, e a mesma lei instituiu o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, que reconhece organizações comprometidas com o bem-estar psíquico de seus colaboradores, mediante ações concretas como apoio psicológico, campanhas educativas e capacitação de lideranças.
 

A NR-1 também consolidou a modernização da gestão de riscos com a inclusão do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), ampliando o foco para riscos físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e psicossociais, assim, a norma exige capacitação técnica, registro de treinamentos e permite, em certos casos, a dispensa do PGR para micro e pequenas empresas, segundo Soares (2020), o direito à saúde mental é fundamental e exige atuação interdisciplinar e estrutural nas organizações, nesse cenário, os profissionais do Direito têm papel essencial na prevenção, fiscalização e defesa dos direitos dos trabalhadores, tornando a NR-1 um instrumento vital para ambientes laborais mais seguros, saudáveis e humanizados.
 

 

Os impactos previdenciários

Os reflexos previdenciários da negligência com a saúde mental no trabalho são significativos, especialmente com o aumento de afastamentos por transtornos mentais da CID-F, mesmo sem a emissão da CAT, a Previdência pode reconhecer o nexo entre doença e trabalho, com base nos artigos 336 e 337 do Decreto nº 3.048/1999 (NTEP). Casos como a Síndrome de Burnout (CID QD85) podem ter o benefício convertido de B31 para B91, impondo à empresa encargos adicionais e a estabilidade provisória de 12 meses, conforme o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991. A omissão na emissão da CAT também pode acarretar sanções.
 

Este modo, o Fator Acidentário de Prevenção (FAP), previsto no artigo 202-A do Decreto nº 6.042/2007 e na Resolução nº 1.329/2017, ajusta a alíquota do RAT (Lei nº 10.666/2003, art. 10) conforme o desempenho da empresa, e o Supremo Tribunal Federal (STF) validou a regulamentação do FAP (RE 677725 e ADI 4397, 2021), confirmando sua legalidade, assim, afastamentos frequentes impactam diretamente os custos do INSS e o equilíbrio do sistema previdenciário, diante disso, a ausência de ações preventivas representa não só risco à saúde dos trabalhadores, mas também um passivo previdenciário e tributário relevante, reforçando a urgência de uma gestão preventiva.
 

 

Os impactos trabalhistas

A ausência de gestão eficaz dos riscos psicossociais pode resultar em graves consequências trabalhistas, como condenações por danos morais e materiais, conforme o artigo 157 da CLT e o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal de 1988, e a jurisprudência, como a Súmula 229 do STF e a Súmula 378 do TST, reforça o dever patronal de indenizar quando comprovado o nexo causal entre conduta e dano, além disso, a estabilidade provisória prevista no artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 e na Súmula 378 do TST impõe custos adicionais às empresas.
 

Deste modo, empresas omissas podem ser alvo de ações coletivas promovidas por sindicatos, MPT ou via denúncias ao Ministério do Trabalho, especialmente em setores com alta incidência de sofrimento psíquico, essas ações são respaldadas por normas como a NR-1 (Portaria nº 4.219/2024) e a Lei nº 13.429/2017, assim, implementar políticas internas de promoção à saúde mental torna-se uma exigência estratégica para evitar passivos e manter a conformidade legal.
 

 

Os impactos tributários

A má gestão da saúde mental no trabalho impacta diretamente o cálculo do FAP e da alíquota do RAT, conforme a Lei nº 8.212/1991 e o Decreto nº 6.042/2007, elevando os encargos da empresa em casos de afastamento por transtornos mentais ocupacionais (benefício B91), investimentos bem documentados em saúde e segurança podem ser usados como despesas dedutíveis, reduzindo riscos tributários.
 

Assim, Com a integração de sistemas como eSocial, GFIP e CAT, cresce a fiscalização e a detecção de omissões, resultando em autuações e glosas fiscais, nesse cenário, o advogado tem papel essencial na prevenção e defesa, devendo atuar estrategicamente para orientar empresas, evitar passivos e garantir conformidade, sendo essa uma área de atuação especializada e multidisciplinar.
 

 

O papel do advogado nesse cenário

Nesse cenário, Lima, Sampaio e Ferreira Júnior (2023), ao analisarem seis Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), evidenciam que a adoção de práticas neoliberais produtivistas na gestão do SUS tem intensificado a sobrecarga e o sofrimento psíquico dos profissionais, afetando a qualidade do atendimento e revelando a necessidade urgente de revisão no modelo de gestão, especialmente no que diz respeito ao financiamento, contratos de trabalho e valorização profissional, em consonância com os princípios da Atenção Psicossocial Territorial, garantir condições dignas de trabalho, portanto, não é apenas proteger o trabalhador, mas assegurar a efetividade dos serviços públicos de saúde mental.
 

Assim, o advogado se torna estratégico ao orientar empregadores sobre os riscos legais da negligência com a saúde mental no trabalho, devendo atuar de forma consultiva e preventiva, com base em normativas como a NR-1, destaca-se a importância da elaboração de políticas internas que respeitem a dignidade humana e evitem passivos jurídicos e financeiros, como multas, ações judiciais e aumento de encargos, assim, o profissional do Direito deve ultrapassar a atuação reativa e assumir uma postura proativa, promovendo relações laborais mais justas, saudáveis e alinhadas aos direitos fundamentais.
 

 

Considerações finais

Conclui-se que o adoecimento mental no ambiente de trabalho demanda atenção urgente de empresas e operadores do Direito, pois seus impactos transcendem a saúde individual e afetam as esferas jurídica, previdenciária, trabalhista e tributária, e a falta de medidas preventivas contra riscos psicossociais, como assédio moral e sobrecarga, gera prejuízos tanto para os trabalhadores quanto para as organizações, incluindo elevação de custos com estabilidade, FAP e RAT, além de possíveis ações judiciais e autuações fiscais.
 

Nesse contexto, destaca-se o papel estratégico do advogado, cuja atuação preventiva é fundamental para orientar empresas sobre suas obrigações legais e evitar passivos decorrentes da omissão quanto à saúde mental, sua intervenção contribui para um ambiente de trabalho mais ético, seguro e sustentável, equilibrando os direitos dos trabalhadores com a viabilidade das empresas, e promovendo relações laborais pautadas na dignidade humana e na valorização do trabalho.

 




Valéria Gaurink Dias Fundão
Coordenadora do IEPREV no Espírito Santo

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