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Inclusão do Trabalhador Rural na Previdência Social

 


 

INCLUSÃO DO TRABALHADOR RURAL NA PREVIDÊCIA SOCIAL

 

Tânia Maria Rocha Cassiano Cunha - Especialista em Direito Previdenciário.

 


 

1 INTRODUÇÃO      

      

Esse trabalho apresenta as principais transformações da Previdência Social Rural no Brasil e a inclusão social dos trabalhadores rurais na previdência social a partir da Constituição Federal de 1988, com o devido reconhecimento dos direitos dos trabalhadores rurais. 

 

A inclusão social na Previdência Rural a partir da Constituição Federal de 1988, representa uma profunda transformação no padrão de proteção social brasileiro, consolidando as pressões que já se faziam sentir há mais de uma década.

 

Inaugura-se um novo período, no qual o modelo da seguridade social passa a estruturar a organização e o formato da proteção social brasileira, em busca da universalização da cidadania.

 

A evolução histórica no Brasil culminou a inclusão do setor rural na previdência, praticamente esquecido até 1971 e com ínfima inclusão até a Constituição Federal de 1988. Uma complexidade de normas forma o arcabouço legislativo que regula a concessão dos benefícios aos segurados rurais, a começar pelo enquadramento, que possui regras muito subjetivas. A contribuição também difere, em certo grau, daquela vertida pelos segurados urbanos. A prova da condição de trabalhador rural, na lei atual, é o que merece maior aprofundamento, porque destoa totalmente da legislação anterior bem como da que se aplica aos demais segurados.

 

A partir da inclusão na Constituição, embora com bastante demora, foi implantada a legislação ordinária, Lei 8.213/91, que em regra, vem evoluindo no sentido de facilitar a comprovação da atividade rural – critério exigido em substituição à contribuição, que é essencial quanto aos demais segurados.

 

A relação entre o valor arrecadado e o valor despedido no pagamento de benefícios apresenta importante defasagem, o que tem motivado diversos debates em torno da manutenção desse sistema. 

 

Contudo o sistema inclusivo adotado para a Previdência Social Rural no Brasil trouxe importantes impactos sociais e econômicos, sendo uma das mais importantes políticas de inclusão social no Brasil.   

 

No modelo de seguridade social, busca-se romper com as noções de cobertura restrita a setores inseridos no mercado formal e afrouxar os vínculos entre contribuintes e benefícios, gerando mecanismos mais solidários e redistributivos.

 

Os benefícios passam a ser concedidos a partir das necessidades, com fundamento nos princípios da justiça social, o que obriga a estender universalmente a cobertura e integrar as estruturas governamentais. 

 

2 BREVE HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E REFORMAS PREVIDENCIÁRIAS

 

A Constituição Federal de 1988 foi concebida num momento histórico de ampliação de direitos, do Estado do Bem Estar Social, que chegava ao Brasil com atraso. Nesse sentido, a seguridade teve grande relevância, ocupando um espaço mais amplo que nas Constituições anteriores. Tratou-se de inserir na carta Maior os direitos antes previstos em legislação ordinária, como uma espécie de garantia permanente.

 

Observa-se que a composição ideológica da Constituinte contrastou com a gama de direitos sociais constitucionalizados. Pois, se por um lado, as elites conseguiram evitar a reforma agrária, no que se refere à Previdência e ao sistema de proteção no seu conjunto, o texto aprovado era muito próximo das reivindicações do movimento sindical e de setores técnicos adeptos da noção de seguridade social. Além de assegurar a cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, velhice e reclusão, assegura ajuda aos dependentes dos segurados de baixa renda, proteção à maternidade e ao trabalhador desempregado e ainda pensão por morte ao cônjuge, companheiro (a) e dependentes. 

 

A Carta Magna concede a seguridade como um conjunto de políticas incluindo-se previdência, assistência e saúde. E assim externa como principais diretrizes: a universidade de cobertura e do atendimento; uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; irredutibilidade no valor dos benefícios; equidade na forma de participação no custeio; diversidade da base de financiamento; caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgão colegiados.

 

A seguridade social é um gênero de técnicas de proteção social, tendo como espécies a assistência social, a saúde e a previdência social. A Constituição consagrou uma Seção específica para cada uma delas, porém, conforme a lei de Custeio devem ser integradas num Sistema Nacional de Seguridade Social. 

 

Em que pese a amplitude dos direitos secundários, estampados na Constituição, já em 1992 começava a ser discutida, na Comissão especial da Câmara dos deputados, a Reforma Previdenciária. Entre as propostas da Comissão, várias foram implementadas, mais tarde, pela emenda Constitucional 20, de 16 de dezembro de 1998. 

 

Devido a uma grande preocupação com os contornos que a Previdência Social está tomando no Brasil, quer seja a partir das reformas já realizadas, ou pelas previsões de outras que ainda estariam por vir. Nesse sentido, é necessário fazer referência á criação do Fórum Nacional de Previdência Social, pelo decreto 6.019, de 22 de janeiro de 2007.

 

Os debates realizados no Fórum, cumprindo o objetivo de discutir a sustentabilidade, vem justamente no sentido de escolher como parâmetro para discutir o futuro da Previdência não a inclusão social, mas a sustentabilidade. O Decreto deixa claro que um dos objetivos é subsidiar a elaboração de proposições legislativas.

 

Depois de seis meses de debates forma divulgados os primeiros consensos do Fórum: a nova contabilidade da Previdência Social; a construção de um pacto social quadripartite para formalização do trabalho e universalidade da cobertura previdenciária; garantir que as políticas para concessão de créditos públicos estimulem a criação de empregos formais; modificar a lei do estágio para evitar abusos, simulação e sonegação de contribuições, reforçando seu caráter pedagógico; fortalecer a fiscalização contra o trabalho informal e acelerar os mecanismos de cobranças de dívidas; mudar a legislação do seguro desemprego para preservar a relação do segurado enquanto estiver recebendo o benefício; manutenção da aposentadoria especial para trabalhadores expostos a condições de insalubridade.

 

O Fórum, porém, ainda não enfrentou os debates mais importantes como a alteração na idade para a aposentadoria por idade e implantação de idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição integral. Ainda deverá tratar da possibilidade de igualar a idade para homens e mulheres e dos benefícios rurais. 

 

3 PREVIDÊNCIA SOCIAL RURAL - SURGIMENTO E EVOLUÇÃO NO BRASIL.

 

Antes da Constituição Federal de 1988, até 1963, não havia qualquer notícia da inserção dos trabalhadores rurais em nenhum dos sistemas previdenciários, que nesta data já contavam com 40 anos, tomando-se por marco inicial a Lei Eloy Chaves, muito embora, como salienta Chiarelli, o homem do campo era importante consumidor dos produtos da cidade, e acabava por contribuir, individualmente, com a sustentação dos demais regimes.

 

A primeira tentativa de inclusão dos trabalhadores rurais no sistema previdenciário, ou melhor, da criação de um sistema específico, foi o Estatuto do Trabalhador Rural, criado pela Lei 4.214, de 02.03.1963.

 

E não passou de tentativa, porque o Estatuto, criado a partir do projeto de lei que teve como um dos autores Fernando Ferrari, não chegou nem a ser regulamentado. E, mais uma vez, os camponeses estavam desprotegidos, embora com lei “protegendo-os”. 

 

O Dec.-lei 276, de 28.02.1967, institucionalizou o Funrural - Fundado de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural , que havia sido autorizado pelo art. 158 do Estatuto, porém voltado mais à área da saúde, que funcionou com a colaboração dos Sindicatos dos Trabalhadores rurais.    

 

A Previdência Social Rural não foi incluída no Dec.-lei 276 e embora o tenha sido parcialmente pelo Decreto 564 (rescrito à agroindústria canavieira) sua implantação para toda categoria ficou, novamente, para mais tarde.

 

O marco inicial da Previdência no meio rural, ainda que mínima, foi com a Lei Complementar 11, de 25.05.1971, que criou o Plano de Assistência ao Trabalhador Rural - Prorural, regulamentado pelo Decreto 69.919, de 11.01.1972.

 

A primeira grande diferença entre o Prorural e o plano anterior, que beneficiava apenas quem trabalhava na indústria canavieira, foi o público, uma vez que antes os beneficiários eram somente os assalariados rurais. Na expressão “trabalhador rural” passaram a ser contemplados não apenas o empregado, mas também os parceiros, arrendatários, posseiros e pequenos proprietários rurais, desde que não tivessem o auxílio de empregados, ou seja, os que trabalhavam em regime de economia familiar. É importante destacar, porém, que apenas um membro da família tinha direito de acessar o Prorural. Assim, esse era um direito do “chefe da família”, geralmente o homem. Às mulheres trabalhadoras rurais era garantida apenas a qualidade de dependente, o que lhes proporcionava o direito à pensão, quando do falecimento do esposo trabalhador rural.

 

Os benefícios não foram tão amplos quanto os garantidos aos trabalhadores urbanos. Aos rurais, concedia-se apenas aposentadoria por velhice aos 65 anos, invalidez, pensão por morte e auxílio-funeral. O valor também era menor, de meio salário mínimo para aposentadorias e 30% (trinta por cento) para pensões. A Lei Complementar 16, de 30.10.1973, dispôs que a pensão, a partir de janeiro de 1974, passaria a ser de 50% (cinqüenta por cento) do salário mínimo de maior valor vigente no país. Mantiveram-se os benefícios de saúde e serviço social já previstos anteriormente.

 

O custeio do Prorural foi garantido pelo desconto de 2% (dois por cento) da comercialização da produção rural, além de um percentual de 2,4% (dois vírgula quatro por cento) sobre a folha de pagamento das empresas urbanas. Não foi cobrada durante a vigência da Lei Complementar 11/71, qualquer contribuição dos assalariados rurais.

 

Desde o início da Previdência no meio rural, ou seja, já com a Lei Complementar 11/71, há confusão entre ausência de contribuição e contribuição indireta, sobre a produção. Assim, encontramos várias manifestações tratando da forma de custeio prevista naquela lei como se inexistisse qualquer retribuição dos trabalhadores rurais. 

 

Essa compreensão é, desde o início, equivocada, embora, de alguma forma, se mantém até hoje. Se os trabalhadores rurais geravam a produção, o desconto sobre essa produção era decorrência do trabalho deles, principalmente quando se trata dos pequenos proprietários, que vendiam a produção e recebiam o pagamento, com o devido desconto previdenciário. A diferença é que não era ele quem recolhia, mas a empresa adquirente. Seria, numa comparação com o trabalhador urbano, dizer que este não contribuiu porque é a empresa quem recolhe para o sistema previdenciário.   

 

Esta é a inclusão – parcial e tímida – dos trabalhadores rurais na seguridade, especialmente na Previdência Social, antes da Constituição de 1988. 

 

4 INCLUSÃO SOCIAL DO TRABALHADOR RURAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 

 

Muito diferente é a situação dos trabalhadores rurais a partir da Constituição Federal de 1988. Registrando-se importantes avanços, o primeiro avanço foi a vontade do constituinte de que nenhum benefício seria inferior ao salário mínimo. Assim, aqueles segurados que vinham percebendo aposentadoria rural ou pensão passariam a receber salário integral. Porém, para que o art. 201, § 5º da CF de fato passasse a ser cumprido, milhares de agricultores ajuizaram ações reclamando a auto-aplicabilidade desse artigo. Numa ação ajuizada por um agricultor gaúcho, que teve reconhecido, em grau de apelação, o direito à integralidade do benefício, o INSS interpôs recurso extraordinário, inadmitido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. O INSS agravou da decisão, que resultou no primeiro pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria. O voto é do Ministro Marco Aurélio:

 

(...) tendo que o ora Agravante parte de premissa errônea, ou seja, da falta de aplicabilidade imediata das regras insertas no §§ 5º e 6º do artigo 201 da Constituição Federal. Neles não se contém qualquer referência à regulamentação pelo legislador ordinário, valendo ter presente que objetivam, na verdade, ao menos o primeiro, evitar que o benefício previdenciário seja satisfeito em quantitativo inferior ao salário mínimo e, portanto, afastar quadros de absoluta injustiça. 

 

Esse foi o acórdão paradigmático que levou, mais tarde, o INSS a pagar, administrativamente, os valores equivalentes à equiparação ao salário mínimo, para os trabalhadores rurais que percebiam, até então, meio salário.

 

Uma série de leis avançaram no sentido da cobertura social dos trabalhadores rurais, aproximando-os, em termos de direitos sociais, dos trabalhadores urbanos. Na legislação aprovada pelo Congresso Nacional em 1988 as mulheres trabalhadoras rurais passaram a ter sua condição reconhecida como beneficiárias da previdência social passando a ter direitos iguais aos homens. 

 

Já a inclusão de regras específicas para os agricultores familiares na constituição federal foi resultado de muita disputa na Assembléia Nacional Constituinte.

 

A maioria dos constituintes entendia que o acesso à previdência deveria ser condicionado à contribuição direta e que aqueles que não tivessem condições de contribuir deveriam ser atendidos pela assistência social, numa concepção de linha divisória entre previdência e assistência sociais. Alguns defendiam que essa matéria deveria ser regulamentada por lei complementar ou ordinária. 

 

Para viabilizar a aprovação da inclusão na Constituição de regras próprias para os rurais, foram fusões com emendas de outros deputados. Assim, incluiu-se na redação do texto, além do agricultor familiar (produtor, parceiro, meeiro, arrendatário rurais e seus cônjuges), o pescador artesanal e, já na fase final, de votação em Plenário, o garimpeiro.

 

Dessa forma, criou-se uma regra própria de contribuição para os agricultores que trabalham em regime de economia familiar, através do art. 195, § 8º. Sendo a base do conceito daquele que viria ser chamado pela legislação ordinária de “segurado especial”.

 

Quanto ao empregado rural, já no art. 7º da Constituição Federal encontramos amparo para inseri-lo no sistema, ao igualar em direitos os trabalhadores urbanos e rurais. Considerando todo empregado como contribuinte também ensejou a inclusão dos empregados rurícolas, pois não previu exceção. A regulamentação veio somente mais tarde, com a edição das Leis 8.212/91 e 8.213/91.

 

O constituinte, não satisfeito com esses dispositivos, para selar definitivamente o benefício da aposentadoria aos trabalhadores rurais, ainda reconheceu as agruras do labor campesino ao estabelecer que essa categoria teria redução de idade no acesso à aposentadoria, art 202 da Constituição Federal. 

 

Muito embora estivesse cristalino o direito dos trabalhadores rurais a integrar plenamente a Previdência Social, entre a promulgação da Constituição e a efetiva implantação de benefícios passaram-se mais de três anos. A legislação ordinária (Leis 8.212, de custeio e 8.213, de benefícios) somente foi publicada em 24.07.1991 e os decretos regulamentadores, em dezembro do mesmo ano.

 

Observa-se, indubitavelmente, que a Seguridade Social é um dos direitos sociais mais abrangentes, integrado os direitos humanos historicamente conquistados. Na Constituição Brasileira, a Seguridade Social - Previdenciária, saúde e assistência - está expressa como direito social, pois encontra-se prevista no art. 6º, apresentando-se como mecanismo de justiça social.

 

5 CLASSIFICAÇÃO DOS SEGURADOS RURAIS NA LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA

 

Diferentes são os tratamentos conferidos pela legislação a empregadores e trabalhadores rurais, e entre estes, a lei criou três categorias: empregados rurais, contribuintes individuais e segurados especiais:

 

Empregadores rurais

 

É importante fazer uma rápida referência aos empregadores rurais. Estabelecer a diferença entre trabalhadores e empregadores, na ótica da legislação previdenciária. A Lei 8.213, de 24.07.1991 classificou o empregador rural como autônomo:

 

A Lei 9.528, de 10.12.1997 retirou desse conceito aquele que explora extração de minerais. Porém a alteração mais significativa nesse conceito ocorreu com a Lei 9.876, de 26.11.1999, que extinguiu a figura do autônomo, a quem passou a chamar de contribuinte individual.  

 

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

 

V- como contribuinte individual:

 

a) a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade agropecuária, pesqueira, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos e com auxílio de empregados, utilizados a qualquer título, ainda que de forma não contínua;

 

Na medida em que esse dispositivo classifica como contribuinte individual aquele que trabalha diretamente ou por intermédio de prepostos e com auxílio de empregados, esse conceito se aproxima do de empregador rural, dado pela Lei 5.889, de 08.06.1973.

 

Trabalhadores rurais:

 

Os trabalhadores rurais são classificados, na Lei 8.213, de 24.07.1991, em três categorias: empregados rurais (art. 11, inc. I, alínea “a”), contribuintes individuais (art. 11, inc. V, alínea “g”) e segurados especiais (art. 11, inc. VII).  

 

Empregado rural:

 

Está classificado na legislação não de forma específica, mas na mesma condição do empregado urbano. É considerado segurado obrigatório nos termos da Lei 8.213/91:

 

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes   pessoas físicas:

 

I – como empregado:

 

a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante a remuneração, inclusive como diretor empregado;

 

Observa-se, portanto que não mais há, como ocorria na legislação anterior, discriminação entre empregados rurais e urbanos. A lei vem apenas cumprir o disposto no caput da Constituição Federal “Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social...”

 

O maior problema enfrentado pelos empregados rurais é a comprovação dessa condição. Muitos trabalhadores no meio rural não têm nem Carteira de Trabalho assinada.

 

Se eles não têm o básico – a Carteira devidamente assinada, muito menos possuem outros documentos que possam servir de instrumento probatório, tais como comprovantes de pagamento, ficha de registro de empregado, etc. Aliás, o atraso no acesso dos direitos sociais não se verificou somente na previdência, os direitos trabalhistas somente foram estendidos aos rurícolas com a Lei 5.889, de 08.06.1973. Isso em tese, porque na prática, em muitos lugares ainda não chegaram, ainda prevalecem regimes próximos à escravidão.

 

Em algumas localidades o problema é mais grave: o segurado tem CTPS assinada, mas o empregador não efetuou os recolhimentos e, em que pese a Lei de Custeio atribuir essa responsabilidade ao empregador, muitos trabalhadores têm seus benefícios negados por essa razão ou precisam, com a sua humildade e ignorância na matéria, procurar documentos para comprovar a condição de rurícola. 

 

Outra dificuldade decorre do entendimento do Ministério da Previdência Social do que vem a ser expressão “natureza rural”, prevista na alínea “a” do inc. I do art. 11 da Lei 8.213/91. A interpretação é equivocada de que trabalhadores qualificados na Carteira de Trabalho como capataz, cozinheiro rural, serviços gerais, tratorista e outras funções não são rurais, em que pese constar que realizam seu trabalho em estabelecimento rural.

 

A importância da definição correta e justa do empregado rural deve-se a duas questões: primeiro, porque até novembro de 1991 o trabalhador rural comprova tão somente a atividade rural, ou seja, não se lhe exige contribuição referente ao período anterior à lei 8.213/91; segundo, porque essa lei prevê redução de idade em cinco anos para trabalhadores rurais. 

 

As interpretações equivocadas resultam que o trabalhador rural acaba por não conseguir acesso especialmente à aposentadoria por idade. Em geral essa questão acaba sendo dirimida na Justiça, que, em regra, tem reconhecido a qualidade de empregado rural a esses trabalhadores. 

 

O INSS, porém insiste em reduzir o conceito de empregado rural, pois conhecemos, empiricamente, inúmeros casos de benefícios indeferidos, em que os segurados eram classificados, na Carteira de Trabalho como capatazes, tratoristas e cozinheiras rurais. 

 

Contribuinte individual: 

 

Além do empregador rural, classificado didaticamente como autônomo ou equiparado a autônomo, no meio rural também encontramos outros segurados em situação bem diversa, mas também classificados como contribuintes individuais: os trabalhadores que exercem atividade rural para uma ou mais empresas de forma eventual: 

 

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

 

V - como contribuinte individual:

 

g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego;

 

O boiá-fria, diarista, etc. classificados como contribuintes individuais, até 24.07.2006, tiveram acesso a aposentadoria por idade, tendo apenas que comprovar a atividade rural, ou seja, não se lhes exigia contribuição. Essa possibilidade foi restituída pela Medida Provisória 385, de 22.08.2007.

 

Ainda assim, essa prova é difícil, pela característica nômade desse trabalhador. A prova exclusivamente testemunhal foi rechaçada pelo Superior Tribunal de Justiça, através da Súmula 149.

 

É necessário que a prova testemunhal seja reforçada por elementos materiais para fins de comprovação de tempo de serviço, podendo tal complementação realizar-se por início razoável de prova documental. 

 

Há que se estabelecer uma diferenciação entre trabalhador eventual e trabalho eventual. No que se refere aos trabalhadores rurais, eles não são eventuais, porém, o trabalho, pela característica da agricultura, é sazonal, fazendo com que esse contingente não tenha oferta de trabalho de forma permanente. 

 

O Decreto 6.042, de 22 de março de 2007, possibilita a esses trabalhadores - porque geralmente de baixa renda - o enquadramento na contribuição diferenciada, ou seja, não precisam mais contribuir com alíquota de 20% (vinte por cento), mas de 11% (onze por cento). Ainda assim, a insuficiência de recursos, a sazonalidade da atividade e aspectos culturais devem dificultar a inclusão dos diaristas e boiá-frias.

 

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o “bóia-fria” que vem a ser aquele trabalhador que é aliciado para trabalhos temporários, por curtos períodos não consegue comprovar a anotação na sua CTPS, devendo ser considerado como segurado especial.

 

O STJ decidiu que, considerada a condição desigual experimentada pelo trabalhador volante ou bóia-fria nas lides rurais, adota-se a solução pro misero.

 

Segurado Especial:

 

A base do conceito do segurado especial encontra-se estampado na Constituição Federal, Art. 195, § 8º, é justamente a partir desse dispositivo constitucional que se forma o conceito de segurado especial, na legislação ordinária (Lei 8.213/91):

 

“Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: 

 

VII - como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.

 

§1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração sem a utilização de empregados. 

 

Entre as figuras de maior discussão jurisprudencial atual, esta justamente o produtor, porquanto da necessidade de diferenciá-lo do empregador ou empresário rural. Pois não há qualquer amparo legal para descaracterizar o segurado especial pela área ou pela quantidade de produção. Ora, isso se justifica porque em uma área de extensão maior podem estar produzindo várias famílias, conjuntamente, e, por outro lado, em uma área menor pode, eventualmente, existir a participação de empregados. Ou seja, além da falta de previsão legal, a utilização desses critérios pela jurisprudência demonstra desconhecimento da realidade.

 

O INSS incluiu, no enquadramento de segurado especial, outras figuras jurídicas na Instrução Normativa 11 de 20.09.2006:

 

Mas a legislação ordinária não reproduziu, no todo, o conceito dado pela Carta Magna. A primeira controvérsia está na expressão “regime de economia familiar”, que não possui interpretação única, em que pese a própria lei trazer uma conceituação, pois o § 1º do art. 11 da lei 8.213/91, exige que o trabalho dos membros da família seja indispensável à própria subsistência e que deva ser exercido em condições de mútua dependência e colaboração.

 

Não se pode entender, de início, que para ser segurado especial, a pessoa tem que constituir família. Por isso, corretamente, o inc. VII do art. 11 da lei 8.213/91 prevê a expressão “individualmente” ou seja, o produtor pode trabalhar sozinho, sem o auxílio de outras pessoas da família.

 

No mesmo sentido, de que a propriedade de imóvel rural de grande extensão e a existência de contratação de ajuda eventual de terceiros não descaracteriza a atividade rural em regime de economia familiar e, conseqüentemente, não afasta a qualificação do proprietário como segurado especial do INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social, vem se posicionando os Tribunais e a Turma Recursal de Uniformização dos Juizados Especiais Federais.

 

Se teoricamente já há diversas controvérsias em torno da abrangência do conceito de segurado especial, não são menores na prática, ou seja, na concessão de benefícios. 

 

Atualmente, a Instrução normativa 11, de 20.09.2006 normatiza a concessão de benefícios, inclusive para os segurados especiais. As normas facilitam a comprovação da atividade rural, mas há ainda muita dificuldade na sua aplicação.

 

De acordo com a jurisprudência, a comprovação do tempo de serviço rural não exige a apresentação de documentos ano a ano de serviço a ser contado, presumindo-se o trabalho rural entre as datas dos documentos apresentados, salvo prova em contrário.

 

Há também entendimento no sentido de que as provas possam ser descontínuas, não comprovando ano a ano o trabalho rural, mas deve-se demonstrar que o trabalho sempre exercido foi o trabalho rural.

 

No que diz respeito ao segurado especial, a Lei n° 11.718, de 23/06/2008 trouxe várias inovações, alterando o disposto no artigo 11, inciso VII, da Lei n° 8.213/91.

 

Entre as inovações do citado artigo, extrai-se dos dispositivos que não descaracteriza a condição de segurado especial o trabalhador rural que, além de exercer suas atividades rurícolas, seja vereador em seu município, possua outra fonte de renda proveniente da exploração de atividade turística da propriedade rural, inclusive com hospedagem, por não mais de 120 (cento e vinte) dias ao ano (veja que o legislador não limitou o ganho do segurado, podendo nos 120 dias, auferir valor superior a um salário mínimo) e atividade artística, desde que em valor mensal inferior ao menor benefício de prestação continuada da Previdência Social.

 

Atualmente a Instrução normativa 11, de 20. 09.2006 normatiza a concessão de benefícios, inclusive para os segurados especiais. As normas facilitam a comprovação da atividade rural, mas ainda há muita dificuldade na sua aplicação.

 

6 CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS E BENEFÍCIOS RURAIS

 

A contribuição para a Seguridade Social, retida pelo adquirente, consignatário ou cooperativa por ocasião da comercialização da produção agropecuária do empregador rural, pessoa física, substitui a contribuição patronal de 20% sobre os salários pagos, verificada nas empresas urbanas. No setor rural, a contribuição patronal incide sobre a produção comercializada. Lei 8.212/1991 art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:(Redação dada pela Lei nº 10.256, de 9.7.2001) 

 

I - 2% (dois por cento) da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;

 

II - 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho.

 

A contribuição do empregado rural não difere do trabalhador vinculado a uma empresa ou empregador urbano. A caracterização do serviço urbano ou rural, não produz qualquer efeito para fins de contribuição, mas tão somente para benefícios.

 

Até a Lei 8.213/91 não se exigia contribuições do empregado rural. A Lei complementar 11/71, no seu art. 15, previa apenas a contribuição paga pelo produtor, sobre o valor comercial dos produtos rurais e sobre a folha de salários das empresas. Assim, não se exige, para fins de qualquer benefício, contribuições anteriores à competência novembro de 1991.

 

O contribuinte individual, inclusive o trabalhador eventual assim qualificado no art.12, inc. V, alínea “g” contribui na forma do art.21 da Lei 8.212/91:

 

Art. 21 A Alíquota de contribuição dos segurados contribuintes individual e facultativo será de vinte por cento sobre o respectivo salário-de-contribuição

 

O contribuinte individual poderá, todavia, a partir do Decreto 6.042/07 contribuir com alíquota reduzida, desde que seja somente sobre o salário mínimo e que renuncie expressamente ao benefício da aposentadoria por tempo de serviço.

 

Já o segurado especial, o art. 25 da Lei 8.212/91 atribui o mesmo fato gerador, iguais base de cálculo e alíquota para o empregador rural e para o segurado especial. Ou seja, o segurado especial contribui com a alíquota de 2% sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção e 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho.

 

A Lei 8.213/91, prevê no art. 39 a concessão dos benefícios aos segurados especiais, inc. I, para os benefícios de aposentadoria por idade ou invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão, pensão e de acordo com o parágrafo único, de salário-maternidade, exige-se tão somente a comprovação do exercício da atividade rural. O inc.II refere-se, genericamente, aos benefícios especificados em lei, porém, na prática restringe-se á aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria especial. O auxílio-acidente, também é concedido aos segurados especiais, consta no art. 18, § 1º da Lei 8.213/91.

 

Assim os trabalhadores rurais têm direito a praticamente todos os benefícios devidos aos trabalhadores urbanos, porque a Lei 8.213/91 não os diferencia uns dos outros.

 

A lei prevê a redução da idade em 5 (cinco) anos para os trabalhadores rurais. Assim homens e mulheres respectivamente, os rurais conseguem esse benefício aos 60 e 55 anos. Por essa razão na classificação dos segurados, os equívocos nos enquadramentos, se urbanos ou rurais, podem trazer prejuízos aos trabalhadores rurícolas.

 

7 CONCLUSÃO

 

Conclui-se, que o sistema de inclusão da Previdência Social Rural trouxe importantes impactos sociais e econômicos sendo uma das mais importantes políticas de inclusão social do Brasil.

 

A implantação da Previdência Social Rural ressaltou seu papel na diminuição da pobreza rural e da desigualdade na distribuição da renda, os benefícios rurais estão afetando a composição dos arranjos familiares, revitalizando a agricultura familiar, a estrutura produtiva e a economia familiar rural.

 

Constata-se que milhões de trabalhadores rurais não estão abaixo da linha de pobreza, graças à inclusão dos trabalhadores rurais na Previdência Social a partir da Constituição Federal de 1988. A economia de milhares de pequenos municípios gira em torno dos recursos advindos dos benefícios previdenciários, que também promovem a redução do êxodo rural.

 

A mulher trabalhadora rural passou a ter sua condição reconhecida como beneficiária, na medida em que passou a ter direitos iguais aos dos homens do campo, e não mais consideradas como dependentes. A maioria dos rurícolas, antes excluídos ou com pouco acesso à Previdência, foram enquadrados, por vontade do constituinte, como segurados especiais e têm garantidos os benefícios com a comprovação da atividade rural.

 

Outro aspecto que merece ser destacado tem a ver com o resgate da auto-estima de idosos e idosas do meio rural, a partir do momento em que passam a perceber o benefício, havendo casos em que se trata da principal fonte de ingresso econômico que sustenta as despesas das famílias rurais, particularmente em situação de instabilidade econômica e crise na agricultura.  

 

A Previdência Social Rural e os benefícios previdenciários são direitos dos trabalhadores rurais garantidos pela Carta Magna Brasileira, devendo, portanto, serem resguardados, porém, para tanto, necessária uma política séria, atenta a realidade social e a importância sócio-econômica desses benefícios.

 

A Previdência Rural é freqüentemente lembrada em função da relação deficitária entre benefícios e arrecadação é comum atribuir aos benefícios rurais a culpa pelo déficit previdenciário. Entretanto o financiamento da seguridade social é uma questão não equacionada.

 

As políticas para equilibrar as contas públicas são indispensáveis, mas não devem ocorrer alterando-se por completo a estrutura ora formada e esquecendo da política social.

 

A busca de solução para o financiamento da Seguridade Social deve levar em conta outras formas de capitação de recursos, bem como de distribuição, uma das conclusões deste trabalho é que qualquer tentativa de mudança do sistema inclusivo de Previdência Social Rural deve levar em conta os importantes impactos sociais e econômicos, além dos avanços da Previdência Rural nas condições de vida dos trabalhadores rurais de suas famílias e do seu entorno no sentido mais amplo.

 

Milhões de famílias são beneficiadas pela Previdência Social Rural, este alto valor caracteriza esta política como uma política moderna, com efetividade no combate à pobreza no meio rural brasileiro. É possível afirmar que o sistema de inclusão rural na Previdência Social Brasileira é, entre os casos conhecidos em países em desenvolvimento, um programa social excepcional quanto ao significativo grau de cobertura no meio rural brasileiro.

 

Sendo inegável o papel social que a Previdência Rural tem desempenhado no Brasil, com grande contribuição na preservação do tecido social e produtivo de um grande número de localidades brasileiras.

 

REFERÊNCIAS

 

BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm. Previdência Rural: inclusão social. Curitiba: Editora Juruá, 2007.

ILBRAIM, Fábio Zambite, Curso de Direito Previdenciário, 7ª edição, Rio de Janeiro, Editora Impetus, 2006.

KERTZMAN, Ivan, Curso Prático de direito Previdenciário, 4ª edição, São Paulo, Edições Jus Podivm, 2007.

LEITE, Celso Barroso. A Previdência Social ao alcance de todos. 5ªedição, São Paulo, Editora LTR, 1993.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. A Seguridade Social na Constituição Federal. 2ª edição, São Paulo, Editora LTR, 1992.

MARTINEZ, Wladimir Novaes; Curso de Direito Previdenciário, 4ª edição, São Paulo, Editora LTR, 2006.

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MORAES, Alexandre, Direito Constitucional, 7ª. edição, São Paulo: Editora Atlas, 2000.

TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 10ª edição, RJ, Edição Lúmen Júris, 2008.

VEIGA, J. E. A face rural do desenvolvimento: natureza, território e cultura. Porto Alegre: Editora Universidade, 2000.