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A reversibilidade do ato jurídico da aposentadoria - Desaposentação

A REVERSIBILIDADE DO ATO JURÍDICO DA APOSENTADORIA – DESAPOSENTAÇÃO

 

Carla Martins Alves – Especialista em Direito Previdenciário

 


 

1.Introdução

 

Nas últimas décadas, em virtude de necessidade financeira ou mesmo desafio profissional, é cada vez mais comum a permanência do profissional no mercado de trabalho após a aposentadoria. A previdência social é extremamente importante para toda a sociedade devendo suas normas serem interpretadas da forma mais benéfica e ampliativa, facilitando e incentivando o ingresso de segurados.

 

A grande demanda social de aposentados trabalhadores dá ensejo ao presente ensaio que tem por objetivo trazer algumas elucidações acerca do instituto da “desaposentação”, ou seja, a possibilidade de renunciar a aposentadoria com o intuito de, mantendo a contagem do tempo de contribuição ou de serviço, requer futuramente um novo benefício mais vantajoso.

 

A questão instiga pontos de debate no meio jurídico acerca da possibilidade do instituto, eis que tem sido cada vez mais comum a propositura de ações neste sentido, em contrário senso às manifestações legislativas.

 

Neste estudo propõe-se uma análise sobre necessidade e viabilidade da desaposentação, diante da ausência de regulamentação legal, considerando as críticas em desfavor do instituto e o comportamento dos tribunais brasileiros.

 

2.Direito à Aposentadoria

 

A Seguridade Social é definida no texto constitucional como um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade visando assegurar direitos inerentes à saúde, à previdência e à assistência. No contexto político social pode ser definida como um instrumento por meio do qual a comunidade (trabalhadores, empresas e Estado), motivada pelo princípio da solidariedade entre gerações, contribui para a formação de um fundo econômico coletivo que socorrerá aquele que dele venha a precisar, desde que cumpridas as exigências legais.

 

Ao ingressar no mercado de trabalho, há obrigatoriedade de adesão à Previdência Social – no Brasil, compreende o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Neste contexto, poderia ser vista como uma espécie de seguro social no qual, para se ter direito a benefício futuro, é necessário que se proceda ao recolhimento de contribuições (fonte de custeio). Os eventos, objeto de proteção da Previdência Social dentre os quais figura a idade avançada, estão previstos no artigo 201 da Constituição Federal de 1988 (CF/88).

 

A aposentadoria é um direito social constitucional previsto no inciso XXIV do artigo 7º da CF/88; tal benefício se constitui em um programa de pagamentos em dinheiro, prestado ao indivíduo e que tem por finalidade minimizar ou eliminar o estado de necessidade social do segurado em virtude de invalidez ou idade avançada. O direito à aposentadoria está condicionado à preexistência de um vínculo contributivo ao sistema, como compensação efetiva ou presumida da perda de capacidade laborativa.

 

Com o fim da capacidade laborativa do trabalhador, cumpridas as condições previstas na Lei 8.213/91, ele poderá requerer sua aposentadoria, passando a receber o benefício previdenciário que deverá prover as condições mínimas de subsistência.

 

Cumpridas as exigências legais, o segurado poderá requerer do Estado, leia-se Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a concessão da aposentadoria. Estamos, portanto, diante de um direito subjetivo do segurado.

 

Assim, a aposentadoria é um ato jurídico administrativo, exarado unilateralmente pela Administração Pública, conferindo ao segurado o direito de se aposentar e, conseqüentemente, de receber a prestação pecuniária.

 

Tema pendente de legislação é a possibilidade do segurado – agora aposentado – abdicar de seu direito ao benefício, sendo-lhe assegurada a contagem do tempo de contribuição que serviu de base para a concessão do mesmo para que, posteriormente, seja requerida nova aposentadoria, aproveitando-se inclusive o tempo de contribuição após o ato de “aposentação”. Tal instituto convencionou-se chamar de desaposentação, não sendo novidade entre estudiosos do Direito Previdenciário.

 

Cabe ressaltar que no ano de 2008 foram ajuizadas no Brasil inúmeras ações com o objetivo de reverter o ato de concessão da aposentadoria em busca de uma aposentadoria mais vantajosa.

 

3.Conceito de desaposentação

 

Para conhecer um pouco melhor este instituto, vejamos as definições de alguns estudiosos entre eles, Wladimir Novaes Martinez que define desaposentação como:

 

Uma renúncia à aposentação, sem prejuízo do tempo de serviço ou do tempo de contribuição, per se irrenunciáveis, seguida ou não de volta ao trabalho, restituindo-se o que for atuarialmente necessário para a manutenção do equilíbrio financeiro dos regimes envolvidos com o aproveitamento do período anterior no mesmo ou em outro regime de previdência social, sempre que a situação do segurado melhorar e isso não causar prejuízos a terceiros. (2008, p.36)

 

Na definição de Roseval Rodrigues da Cunha Filho (2003) a desaposentação é considerada como “desfazimento voluntário da inatividade”, mantendo-se, no entanto, a contagem do tempo de serviço para fins de aquisição de nova aposentadoria em regime ao qual tenha se vinculado. Para Isabella Borges de Araujo (2007), a desaposentação engloba possibilidade de renúncia de aposentadoria atual para, em seqüência, postular nova aposentadoria. Ressalta ainda não se tratar de cumulação de benefícios.  

 

Ao tratar sobre o tema Hamilton Antônio Coelho (2000) define desaposentação como “um direito de o aposentado renunciar à jubilação e aproveitar o tempo de serviço para nova aposentadoria”. Para o autor, o objetivo máximo do instituto é o “outorgar ao jubilado a prerrogativa de unificar os seus tempos de serviços numa nova aposentadoria”.

 

Conforme visto, a desaposentação pressupõe renúncia de um direito por seu titular, manutenção da contagem do tempo de contribuição e melhora financeira.

 

Em defesa do bem estar social, e em atendimento aos preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, o instituto da desaposentação visa uma melhora da situação previdenciária do aposentado, sem causar prejuízos a terceiros. Em virtude da atual expectativa de vida da população brasileira, da realidade do aposentado que ainda atua no mercado de trabalho e da sustentabilidade da previdência social, necessário se faz que seja vista com bons olhos tal inovação.

 

No entanto, há resistência de renomados aplicadores do direito em reconhecer a possibilidade da desaposentação. Ausência de previsão legal – Princípio da Legalidade – afronta ao ato jurídico perfeito, natureza do benefício previdenciário dentre outros argumentos são utilizados em movimentos contrários à desaposentação.

 

4.Aspectos Jurídicos

 

4.1.Renúncia a Direito Social

 

Atento às idéias de justiça social, os direitos sociais consagram-se na proteção do hipossuficiente. Assim, quando da aplicação da norma previdenciária há que se respeitar o princípio da aplicação da norma mais favorável, ou seja, impõe-se a interpretação do texto legal de forma mais vantajosa para o beneficiário.

 

A princípio, não se vislumbra renúncia de direitos fundamentais, eis que basilares direitos do cidadão, principalmente contra o Estado. Entretanto é pacífico o entendimento de que tais direitos não são absolutos e inderrogáveis, pois, se em defesa das garantias fundamentais do cidadão for necessária a restrição total ou parcial de direito pelo Estado, ocorrerá a supressão.

 

Se o Estado pode suprimir um direito fundamental, não se justifica que o próprio titular deste direito não possa eximir-se de exercer as prerrogativas do seu direito mediante renúncia. A renúncia é derrogável, não afasta a garantia constitucional podendo a qualquer tempo ser retomada a outorga.

 

Em abordagem sobre conflito de regras, Robert Alexy (1997) retrata, através da cláusula de exceção, a possibilidade de excepcionar-se a aplicação de uma norma em virtude das particularidades e especificidades de cada situação.

 

Atento aos ditames do direito à liberdade, consubstanciada a liberdade de escolha cabe, exclusivamente ao titular do direito, optar por exercê-lo ou não. Invoca-se aqui a aplicação do Princípio da Liberdade, o qual causará repercussão unicamente na vida do cidadão, não podendo o Estado intervir, principalmente se o ato de renúncia trouxer vantagens para quem o pratica. 

 

Ressalte-se que a liberdade de escolha guarda estreita relação com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e do Mínimo Existencial, reforçando a hipótese de renúncia a direito social.

 

Outrossim, a renúncia a que se discute, refere-se à percepção das prestações previdenciárias e não ao direito à aposentadoria, pois o que se busca é a aquisição de uma aposentadoria mais benéfica para o segurado após a renúncia ao benefício originário.

 

Como dito, ao renunciar ao recebimento das prestações previdenciárias, o beneficiário quer garantir a si mesmo uma parcela futura mais favorável, para tanto, é imperativo manter a contagem do tempo de contribuição.

 

É correto afirmar que o período em que o contribuinte exerceu suas atividades contribuindo com a Previdência Social, é direito líquido e certo, portanto, tem o segurado a faculdade de utilizá-lo, não podendo lhe ser negado tal direito quando tem a pretensão de exercê-lo.

 

O ato de renúncia do benefício não prejudica o direito adquirido no que se refere ao tempo de contribuição, devendo este, portanto, ser computado quando solicitado.

 

4.2.Ausência de regulamentação

 

Como as relações sociais são extremamente complexas, o que impossibilita que o legislador anteveja uma norma para cada questão a que se depara o aplicador do direito, este deve, então, fazer uso das demais fontes do direito para resolver o conflito oriundo de carência normativa.

 

Na desaposentação o beneficiário busca, através da renúncia à prestação previdenciária cumulada com a manutenção da contagem do tempo de contribuição, auferir uma aposentadoria mais benéfica. No ordenamento jurídico vigente é o instituto da reversão, legislado no artigo 25 da lei 8112/90, que mais se aproxima da desaposentação, no entanto, guarda especificidades, como por exemplo, a aplicabilidade somente com relação ao servidor público no caso da aposentadoria por invalidez. No entanto, este instituto guarda familiaridades com a desaposentação, cabendo assim uma analogia. Quando da desaposentação, o segurado não pretende retornar à atividade exercida anteriormente, ou qualquer outra, isto seria o instituto da reversão. 

 

Afastam-se os institutos sendo a reversão um ato discricionário, no entanto, assemelham-se quanto ao objetivo, qual seja a desconstituição da aposentadoria já deferida, bem como manutenção da contagem do tempo anterior para cálculo da nova aposentadoria a ser concedida futuramente.

 

A desaposentação pressupõe uma renúncia e uma opção. Poderá ocorrer nos liames do próprio RGPS, de RGPS para RPPS, de RPPS de entes distintos da federação, de aposentadoria proporcional para integral e outros.

 

Ainda que o artigo 181-B do Decreto 3.048/99 disponha sobre a irrenunciabilidade e irreversibilidade da aposentadoria nos casos ali prescritos, há que se respeitar o caráter pessoal e subjetivo deste direito pertencente ao segurado, não podendo sofrer interferência de terceiros nem do Estado. A indisponibilidade deste direito se destina à proteção do segurado em face do Estado e não deste em desfavor/prejuízo do segurado.

 

O Decreto é um ato normativo do chefe do Poder Executivo, no exercício de seu poder regulamentar, ou seja, o decreto apenas regulamenta lei, não cabendo a ele estabelecer obrigações, sejam positivas ou negativas, para os cidadãos.

 

Com os mesmos argumentos se afasta a afirmação de afronta a direito adquirido em virtude de ato jurídico perfeito – artigo 5°, XXXVI da CF/88. Tais institutos são meios de proteção do cidadão e não podem ser utilizados como justificativa para prejudicá-lo, em proveito do Estado. Cabe ao próprio titular do direito fazer juízo de conveniência em adotar ou não determinada conduta e não ao ente estatal, ou seja, é uma prerrogativa do cidadão-segurado e não do Estado. Portanto não caberia a este impedir tal pretensão utilizando-se de uma garantia constitucional do próprio pretendente.

 

4.3.Ressarcimento das parcelas recebidas

 

O custeio do sistema previdenciário configura um regime de caráter contributivo, no qual a contribuição individual será creditada em benefício da coletividade segurada. O trabalhador segurado contribui da Previdência Social na atualidade terá, futuramente, o direito de requerer aposentadoria com o conseqüente recebimento do benefício previdenciário.

 

A função do benefício é proporcionar ao segurado as condições básicas de sobrevivência, substituindo a renda salarial percebida quando do exercício da atividade laboral. É claro e pacífico o entendimento acerca do caráter alimentar dos valores recebidos a título de benefício previdenciário.

 

As obrigações de caráter alimentar possuem enorme aparato legal protetivo. Tão grande é tal proteção que a única modalidade de prisão civil admitida é a do alimentante omisso – tanto na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) quanto no posicionamento do Supremo Tribunal Federal.

 

Entende-se que o ato de renunciar à aposentadoria não gera o dever de devolução dos valores, pois enquanto perdurou a aposentadoria, os pagamentos de natureza alimentar eram devidos. O adimplemento das condições legais foi o que fez surgir o direito à percepção do benefício, portanto, os valores foram recebidos de boa-fé.

 


 
Nos tribunais brasileiros as verbas de caráter alimentar estão amplamente resguardadas pelo Princípio da Irrepetibilidade – ou não devolução dos alimentos. Reconhecida a natureza alimentar dos benefícios previdenciários é inoportuna a pretensão de restituição dos valores pagos aos segurados.

 

 

O Superior Tribunal de Justiça admite o procedimento de desaposentação permitindo a renúncia ao benefício sem a necessidade de restituição de quaisquer valores. Neste sentido, têm-se os julgados:

 

PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ADVOGADO DA UNIÃO. APOSENTADORIA PREVIDENCIÁRIA CANCELADA A PEDIDO. CONTAGEM E AVERBAÇÃO DAQUELE TEMPO E CONTRIBUIÇÃO PARA EFEITO DE APOSENTADORIA MAIS BENÉFICA. POSSIBILIDADE. 1. Estabelecendo a Constituição Federal que, para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, e estando cancelada a aposentadoria do impetrante, tem ele o direito de ver computado para o fim pretendido o tempo de contribuição na atividade privada. 2. Segurança concedida. (STJ. MS 7.711 - DF (2001/0075891-2), Rel. Min. Paulo Gallotti; 3ª Turma. DJU de 09/09/2002).

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. DIREITO DE RENÚNCIA. CABIMENTO. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO PARA NOVA APOSENTADORIA EM REGIME DIVERSO. NÃO-OBRIGATORIEDADE DE DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. EFEITOS EX TUNC DA RENÚNCIA À APOSENTADORIA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. A renúncia à aposentadoria é perfeitamente possível, por ser ela um direito patrimonial disponível. Sendo assim, se o segurado pode renunciar à aposentadoria, no caso de ser indevida a acumulação, inexiste fundamento jurídico para o indeferimento da renúncia quando ela constituir uma própria liberalidade do aposentado. Nesta hipótese, revela-se cabível a contagem do respectivo tempo de serviço para a obtenção de nova aposentadoria, ainda que por outro regime de previdência. Caso contrário, o tempo trabalhado não seria computado em nenhum dos regimes, o que constituiria uma flagrante injustiça aos direitos do trabalhador. 2. O ato de renunciar ao benefício, conforme também já decidido por esta Corte, tem efeitos ex nunc e não implica a obrigação de devolução das parcelas recebidas, pois, enquanto esteve aposentado, o segurado fez jus aos seus proventos. Inexistindo a aludida inativação onerosa aos cofres públicos e estando a decisão monocrática devidamente fundamentada na jurisprudência desta Corte, o improvimento do recurso é de rigor. 3. Agravo regimental improvido. (STJ. AgRg no REsp 328101/SC. Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura; 6ª Turma. DJU de 02/10/2008).

 

Também é neste sentido que tem decido os Tribunais Federais Regionais, vejamos:

 

PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA DA APOSENTADORIA PARA POSTULAR NOVA APOSENTADORIA. DESAPOSENTAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. OBSERVÂNCIA. - Possibilidade de o segurado renunciar ao benefício que recebe para postular outro benefício no mesmo regime previdenciário, ou ainda em regime previdenciário diverso. Desaposentação. - A inexistência de dispositivo legal que proíba a renúncia aos benefícios previdenciários legalmente concedidos deve ser considerada como possibilidade para a revogação do benefício a pedido do segurado. Princípio da legalidade. - O agravado renunciou ao direito de recebimento do benefício concedido, anteriormente ao levantamento do valor depositado, não havendo prejuízo à autarquia previdenciária. Desta forma, não merece reforma a decisão agravada. - Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TRF 3ª Região. AC 2001.61.83.002528-0/SP, Rel. Desª. Louise Filgueiras-conv. 3ª Turma Suplementar. DJF3 de 13/11/2008).

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA PREVIDENCIÁRIA. RENÚNCIA: POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO DECRETO 3.048/99 AFASTADA. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDAS. 1. A impetração se dirige contra ato da autoridade impetrada que negou à impetrante o pedido de expedição de certidão de tempo de serviço, após o cancelamento da sua aposentadoria previdenciária, o que revela a adequação da via processual escolhida, pois não se trata de impetração contra lei em tese. Preliminar rejeitada. 2. O cancelamento de benefício previdenciário por renúncia do interessado, para garantir a expedição de Certidão de Tempo de Serviço, para fins de contagem recíproca, não encontra óbice legal. 3. Aplicação do art. 181-B do Decreto 3.048/99 afastada, por conter proibição não prevista na norma regulamentada. 4. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento.  (TRF 1ª Região. AC 2002.34.00.014564-8/DF, Rel. Des. Antônio Sávio de Oliveira Chaves; 1ª Turma. DJF1 de 10/12/2008, p.06).

 

Quando o segurado contribui para um determinado regime segundo as regras e requisitos a ele atinentes, ocorrendo transferência para outro regime, será devido pelo regime atual ao regime originário, o montante referente às contribuições daquele segurado.

 

A compensação entre os regimes decorre do equilíbrio financeiro atuarial que deve ser mantido, pois a concessão de um benefício mais vantajoso para o segurado não pode acarretar ônus para terceiros ou para o Estado.

 

Quanto ao equilíbrio financeiro e atuarial há que se ressalvarem dois pontos: a expectativa de vida do segurado é menor do que na concessão do primeiro benefício, e auferir novo benefício mais vantajoso financeiramente, é reflexo das contribuições realizadas após sua aposentadoria inicial.

 

Conforme o entendimento de Fábio Zambitte Ibrahim, ao tratar sobre o tema,

 

“Do ponto de vista atuarial, a desaposentação é plenamente justificável, pois se o segurado já goza de benefício, jubilado dentro das regras vigentes, atuarialmente definidas, presume-se que neste momento o sistema previdenciário somente fará desembolsos frente a este beneficiário, sem o recebimento de qualquer cotização, esta já feita durante o período passado. Todavia, caso o beneficiário continue a trabalhar e contribuir, esta nova cotização gerará excedente atuarialmente imprevisto, que certamente poderia ser utilizado para a obtenção de novo benefício, abrindo-se mão do anterior de modo a utilizar-se do tempo de contribuição passado. Daí vem o espírito da desaposentação que é renúncia de benefício anterior em prol de outro melhor.” (2007, p.55)

 

Desta forma, ao cálculo do novo benefício a ser requerido será acrescentado o tempo de contribuição obtido posteriormente a concessão da aposentadoria, não havendo qualquer invalidação do passado.

 

Por fim, há que se considerar que o aposentado já goza do beneficio previdenciário, sendo que os desembolsos efetuados na atualidade pelo sistema previdenciário, devem-se às contribuições feitas no passado. Portanto, de volta ao mercado de trabalho, e novamente contribuindo para a previdência, ocorrerá um excedente atuarial imprevisto que, ao ser utilizado para gerar benefício mais benéfico a este beneficiário não causará prejuízo nem mesmo configurará enriquecimento ilícito do segurado.

 

Ainda que se busque aposentadoria em outro regime previdenciário, o custeio do sistema é feito através do pacto de solidariedade entre as gerações, ou seja, os recursos advindos das contribuições dos segurados são utilizados no pagamento dos inativos da atualidade. Em breves linhas, a população inativa é sustentada pelas contribuições dos segurados ativos.

 

A própria CF/88 no parágrafo 9º do artigo 201 prevê a compensação financeira entre os diversos regimes de previdência social, segundo critérios estabelecidos em lei, qual seja Lei Federal 9.796 de 1999.

 

Sob o enfoque atuarial, no RGPS o plano oferecido é o benefício definido (BD) em repartição, neste não existe fundo financeiro, nem receita de juros, mas sim um contrato social – pacto entre gerações – na qual a fração número de ativos/número de beneficiários é de suma importância, assim como o crescimento da economia formal.

 

Neste tipo de regime, a princípio, há superávit financeiro a curto e médio prazo, o que leva a crer que o sistema é solvente, mas em longo prazo requer freqüentes alterações do plano de custeio/benefício para adiar a inadimplência. Se o sistema em si é falho, cabe discussão para fins de reforma, mas não para que se exija restituição do aposentado requerente da desaposentação.

 

No tocante à expectativa de vida do segurado claro é que decorrido lapso temporal até o momento da renúncia, o segurado recebeu beneficio em valor inferior em equilíbrio com as contribuições feitas até a concessão da primeira aposentadoria.

 

No momento da aquisição do novo benefício salários-de-contribuição posteriores serão acrescentados, sendo o novo benefício mais benéfico. Em contrapartida haverá diminuição da expectativa de vida do beneficiário. Conseqüência óbvia da assertiva, embora vá auferir benefício de maior valor será também por menor tempo.

 

Sendo assim, resta comprovado que o instituto da Desaposentação não proporciona lesão alguma em relação ao custeio e ao pagamento dos benefícios, sendo que o benefício buscado foi custeado anteriormente pelo próprio beneficiário, respeitando plenamente o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial.

 

5.Pressupostos e Procedimentos

 

Observadas as condições legais surge para o segurado o direito à concessão da aposentadoria que se materializará em ato administrativo emitido pelo Estado, por intermédio do INSS, autarquia federal responsável.

 

Nos termos do artigo 109 inciso I alínea “a” da CF/88, será da competência da Justiça Federal – incluindo-se aí os Juizados Especiais Federais conforme lei 10.259/01 – as ações relativas ao benefício do RGPS, enquanto os benefícios do regime próprio há que se considerar a qual esfera da federação o servidor encontra-se vinculado. Caso o servidor seja vinculado à esfera estadual ou municipal a competência será da Justiça Estadual e se a vinculação for à esfera federal a Justiça Federal, como mencionado acima.

 

A concessão válida da aposentadoria atribui a esta a qualidade de ato jurídico perfeito, um direito patrimonial subjetivo passível de renúncia, que é o ato primeiro a ser praticado. Ressalte-se que a renúncia tem por objeto unicamente a prestação beneficiária, mantendo-se intacta a contagem do tempo de serviço/contribuição que será fundamento na requisição do benefício futuro – a nova aposentadoria.

 

Na hipótese de desaposentação, há que se reconhecer a existência de uma lide presumida, facultando ao segurado ingressar diretamente na via judiciária, sem prévio requerimento administrativo.

 

Conforme leciona José Antônio Savaris (2008), em situações excepcionais, nas quais haja posicionamento pacífico e sólido da autarquia acerca de determinado tema configura-se lide presumida. Não seria razoável exigir que o segurado promova requerimento administrativo, aguarde sua tramitação regular para então obter uma resposta cujo teor negativo se tem conhecimento prévio e notório.

 

O INSS não reconhece a legitimidade do instituto da desaposentação. Como fundamento para suas decisões emprega/aplica a vedação de renúncia da aposentadoria prevista no artigo 181-B do Decreto 3.048 de 1999 e o artigo 448 da Instrução Normativa 57 do INSS: “são irreversíveis e irrenunciáveis as aposentadorias por idade, por tempo de contribuição e especial, uma vez concluída a concessão”.

 

Para melhor elucidação, como dito anteriormente, o decreto não inova, não pode criar nem extinguir direitos ou deveres. Com relação à instrução normativa, na maioria das vezes, é instrumento destinado à ordem interna corporis. Podem ter efeito sobre o exterior na medida em que delimitam a forma de dispensa do serviço público aos usuários; é um detalhamento do modus operandi, de vinculação apenas no âmbito interno do órgão que a editou.

 

O objetivo principal da Desaposentação é possibilitar a aquisição de benefício mais vantajoso no mesmo ou em outro regime previdenciário. Assim, é ônus do requerente comprovar a situação mais vantajosa para lograr êxito na sua pretensão. Para tanto é necessário apresentar os cálculos em Juízo demonstrando a situação mais benéfica.

 

Quanto ao período em que o segurado contribuiu para a previdência, configurados os requisitos legais e factuais previstos em lei, ou seja, o fato aquisitivo do direito, tendo este se incorporado ao patrimônio de seu titular, passa a ser protegido pela inviolabilidade do direito adquirido.

 

O autor da ação de desaposentação não renuncia ao direito adquirido sobre o tempo de serviço/contribuição, este deverá ser acrescentado ao novo período para fins de concessão de nova aposentadoria mais benéfica.  

 

O ato de concessão da aposentadoria deve rigorosa observância à forma prescrita em lei.

 

O princípio da paridade de forma é exigido como norma incondicionada e evidencia que não se cogita apenas interesses de ordem jurídica privada, mas que, principalmente, visa a garantir valores de ordem pública. A aposentadoria, após o ato concessivo, entra para o mundo jurídico. Para que tal ato deixe de produzir efeitos jurídicos é necessário que seja praticado outro ato em conformidade com a forma normativa do primeiro. É imprescindível, portanto, que se proceda à operacionalização da renúncia.

 

Por este motivo é que postula-se junto ao Juízo que a renúncia seja apreciada, quanto aos requisitos vinculados, procedendo-se o registro da mesma. A finalidade primeira do requerimento é que o ato de renúncia tenha a mesma envergadura que o ato de concessão do benefício. Estando na mesma escala normativa, portanto detentores da mesma competência.

 

6.Considerações Finais

 

É notório o fato de que muitos segurados aposentados continuam no mercado de trabalho, contribuindo para a Previdência Social. Neste sentido, é justificável o retorno que o contribuinte espera sob a argumentação de que, se a contribuição previdenciária persiste, este pode sim fazer uso do novo tempo contributivo para majorar o benefício previdenciário.

 

Ao propor ação declaratória de renúncia à aposentadoria, o segurado tem por objetivo uma manifestação do Estado Juiz no sentido de proferir sentença de natureza desconstitutiva, que produza efeitos jurídicos imediatos e para o futuro, quais sejam: libera-se a administração pública de arcar com o pagamento do benefício, cessando-se o benefício de imediato e, a certificação da renúncia bem como a averbação do tempo de contribuição prestado pelo segurado.

 

No futuro, ao requerer novo benefício, o segurado submeter-se-á, obrigatoriamente, à legislação vigente no momento da concessão da nova aposentadoria, não se aplicando leis pretéritas. Logo, não é possível que o tempo de contribuição posterior à jubilação, seja somado ao período de contribuição inicial e o produto desta soma se submeta às regras vigentes na concessão da primeira aposentadoria.

 

Referências

 

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução Ernesto Garzón Valdéz. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. 607p.

 

ARAÚJO, Isabella Borges de. Desaposentação no Direito Brasileiro. Revista de Previdência Social, São Paulo, v. 31, n. 317, p.341-350, abr. 2007.

 

BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

 

BRASIL. Decreto n.3.048, de 06 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, 07 maio, 1999.

 

COELHO, Hamilton Antônio. Desaposentação: Um Novo Instituto? Revista do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2000. Disponível em: <http://200.198.41.151:8081/tribunal_contas/2000/01/-sumario?next=5> Acesso em: 20 dez 2009.

 

CUNHA FILHO, Roseval Rodrigues da. Desaposentação e nova aposentadoria. São Paulo, 2003. Disponível em:< http://agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/desaposentacao.PDF> Acesso em 13 jan. 2009.

 

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação: o caminho para uma melhor aposentadoria. Niterói, RJ: Impetrus, 2007. 99p.

 

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. São Paulo: LTr, 2008 .167p.

 

NOVAIS, Jorge Reis. Renúncia a direitos fundamentais. In: Miranda, Jorge (org). Perspectivas Constitucionais. Nos 20 anos da Constituição de 1976. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, v. 1, p. 263-336.

 

SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. Curitiba: Juruá, 2008. 416p.