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Pensão por morte, carência, convivência e a lei nº 13.135/2015

 


Fernando Ferreira Calazans

 

Advogado, mestre em Administração Pública, Diretor de Seguridade do Fundo de Pensão OABPrev-MG, membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB/MG, professor convidado da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto de Angola. E-mail: fernando_ffc@yahoo.com.br

 


1 INTRODUÇÃO

Este artigo é oriundo de trabalho[2] recentemente publicado pelo Congresso Brasileiro de Direito Previdenciário, edição 2015, e que, devido à relevância e atualidade do tema, merece ser republicado com adaptações.

 

A Previdência Social Brasileira, pilar contributivo da Seguridade Social, é constituída por duas vertentes: a básica, de caráter obrigatório e solidário, e a complementar, de natureza facultativa e individual.

 

A vertente obrigatória, tema deste artigo, é constituída por 2.162 regimes próprios de previdência social (RPPS)[3], que amparam os servidores públicos titulares de cargos efetivos, e pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que protege os trabalhadores da iniciativa privada e aqueles que optaram por se vincular ao regime, além dos agentes públicos sem a proteção dos regimes próprios.

 

Juntos, o RGPS e os RPPS possuem 59 milhões de segurados, correspondentes a 57% da população economicamente ativa ocupada[4], sendo que, em 2013, arcaram com despesas de pensão de R$86,8 bilhões, equivalente a 2% do Produto Interno Bruto (PIB)[5].

 

Os gastos com pensão no Brasil (2% do PIB), em comparação com outros países (1% do PIB), são altos[6]. Essa situação decorre da benevolência legislativa dos critérios de elegibilidade e de cálculo do benefício[7].

 

Em 1998, Reinhold Stephanes[8] já dizia que “o ajuste sobre a pensão por morte é mais um item que deverá ser tratado no futuro, a fim de que o sistema previdenciário brasileiro reencontre sua racionalidade”.

 

Bem por isso e diante dos problemas estruturais do RGPS, em 2007, instituiu-se o Fórum Nacional de Previdência (Decreto nº 6.019)[9]. Esse fórum teve por finalidade promover o diálogo entre representantes dos trabalhadores, aposentados, pensionistas, empregadores e Governo Federal a fim de buscar consensos visando o aperfeiçoamento e a sustentabilidade do sistema. Dentre os temas que renderam declarações de dissenso nesse fórum, o de se criar novas regras de pensão foi um dos mais significativos[10].

 

Além dessa questão, a crise econômica do governo, os atuais escândalos de corrupção (mensalão[11] e petrolão[12]) e os seus efeitos na economia do país levaram a Presidente da República, no final de 2014 e início de 2015, a fazer uso de medidas provisórias.

 

Nada obstante as medidas provisórias deverem limitar-se aos casos de relevância e urgência[13], elas foram utilizadas para restringir direitos trabalhistas[14] e previdenciários[15], sem estabelecer o necessário diálogo com os cidadãos ante o que dispõe o art. 10 da Constituição Federal[16], além de elevarem as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP-Importação, COFINS-Importação[17] e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido quanto às pessoas jurídicas de seguros privados e de capitalização[18].

 

Nesse contexto de ajuste fiscal não planejado, no final de 2014, a Presidente da República editou a Medida Provisória (MP) nº 664, convertida na Lei nº 13.135/2015, que, entre outros aspectos, introduziu mudanças nos critérios de elegibilidade da pensão no RGPS e RPPS federal, especialmente quanto à carência e convivência, tendo este artigo se limitado a analisar as novas regras do RGPS.

 

Devido à magnitude dessa política social e como os gastos do Brasil com pensão por morte são elevados, este artigo tem por objetivo analisar a viabilidade de utilização dos critérios de carência e convivência para fins de concessão de pensão por morte, tomando-se por base as alterações introduzidas pela Lei nº 13.135/2015.

 

Para tanto, após esta introdução, serão descritos os conceitos doutrinário e normativo da previdência social e, com esteio no direito comparado, serão analisados os critérios de elegibilidade de pensão por morte (seção 2). Após, será descrito o referencial normativo dos critérios de concessão de pensão antes e depois das alterações introduzidas pela Lei nº 13.135/2015 no âmbito da Previdência Geral (seção 3). Após, procurar-se-á verificar se tais critérios de elegibilidade se relacionam com o conceito de previdência social (seção 4). Os resultados demonstram que a utilização dos critérios de carência e convivência não está alinhada ao conceito de previdência social, pois, ao inibir o direito à pensão e limitar o seu período de gozo, promove discriminação injustificada, violando os princípios da isonomia e razoabilidade, além de desconsiderar o princípio da solidariedade contributiva e promover distorção injustificada no sistema. Em conclusão, espera-se ter contribuído para que o leitor se situe no cenário atual de mudanças de regras previdenciárias relativamente à pensão por morte.

 

2 CRITÉRIOS DE CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE E O CONCEITO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

 

Nesta seção, com base no estudo de Fernando Ferreira Calazans e Marcus Vinicius de Souza[19], serão levantados os elementos do conceito doutrinário e normativo de previdência social e, com base na experiência internacional descrita por Marcelo Abi-ramia Caetano[20], serão analisados os critérios de elegibilidade de pensão de diversos países, bem como serão verificados quais deles se relacionam com os elementos integrantes do conceito de previdência social.

 

Previdência advém do latim “praevidere”[21], que significa antever, ver com antecipação os riscos procurando deles se prevenir[22].

 

Segundo esses autores, o conceito normativo da previdência social[23] a considera política pública, de caráter contributivo e filiação obrigatória, que garantirá renda ao trabalhador nos casos de doença, invalidez, morte, idade avançada, prisão, além da proteção à maternidade.

 

Nessa mesma direção, a literatura[24] informa que a previdência é espécie de seguro social, de vinculação compulsória, que garante renda ao segurado em caso de incapacidade laboral e, no caso de pensão, aos beneficiários que dele dependam economicamente.

 

 Por se tratar a pensão de benefício de risco, assegurada por conta do que estabelece o princípio da solidariedade, deve-se levar em consideração também a fonte de custeio para o seu financiamento. Ou seja, deve-se atentar para o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial[25], criado no Brasil pela EC nº 20/1998 por conta da benevolência das regras previdenciárias[26].

 

Assim, serão utilizados os elementos do conceito de previdência social, quais sejam a falta de capacidade laboral do segurado e a dependência econômica dos dependentes do segurado como sustentação teórica para o desenvolvimento deste artigo.

 

Quanto aos critérios de elegibilidade da pensão, utilizar-se-á a análise comparada desenvolvida por Marcelo Abi-ramia Caetano[27]. Dentre os países por ele selecionados[28], foram encontrados os seguintes critérios: - idade mínima, carência, acumulação com aposentadoria, período de convivência, dependência econômica.

 

Levando-se em consideração o escopo deste trabalho, serão analisados, dentre os critérios apurados pelo autor, apenas a carência e a convivência, trazidas pela Lei nº 13.135/2015.

 

A seguir, verificar-se-á se tais critérios relacionam-se aos elementos do conceito de previdência social.

 

2.1 O critério da carência contributiva

 

Apesar de este critério não se relacionar com os elementos do conceito de previdência social (falta de capacidade laborativa e dependência econômica) e malgrado privilegie a necessidade de preservação do equilíbrio atuarial dos sistemas previdenciários, desconsidera a natureza do benefício de pensão por morte.

 

Isso porque, por se tratar de benefício de risco (morte do segurado), não seria razoável exigir carência como forma de impedir ou restringir o direito dos seus dependentes de acesso à pensão, haja vista inclusive o princípio da solidariedade, típico dos regimes de previdência de caráter coletivo e não individualista, como é o caso da vertente obrigatória da Previdência Social Brasileira.

 

2.2 O critério da convivência

 

O critério da convivência, além de não possuir relação com os elementos do conceito de previdência social, e mesmo que se defendesse a necessidade de preservação do equilíbrio atuarial do sistema, não deveria ser utilizado, uma vez que a relação conjugal não é comprovada pelo tempo de convivência, mas através da intenção e condição de vida em comum, mesmo porque há casais que, durante a semana, vivem em residências distintas, ou seja, não coabitam o mesmo local boa parte de suas vidas.

 

Este critério possui dois requisitos que necessitam ser analisados: o período mínimo de convivência e a exigência de coabitação.

 

Quanto ao primeiro requisito, cumpre recuperar a evolução da legislação que trata do tema. A Constituição Federal de 1988 (CF/88), por seu artigo 226, § 3º, reconhece expressamente a possibilidade da configuração de união estável sem exigir a comprovação de tempo mínimo de convivência, nos seguintes termos:

 

Art. 226 [...]

 

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

 

Todavia, em 1994, foi publicada a Lei nº 8.971, que regulou o direito dos companheiros a alimentos e sucessão. Por seu art. 1º, “a companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole”, poderá valer-se do contido na Lei nº 5.478, de 1968, que dispõe sobre a ação de alimentos, enquanto não constituir nova união e desde que comprove a necessidade.

 

Aludida exigência de período mínimo de convivência para a configuração da união estável foi extinta apenas em 1996, com a publicação da Lei nº 9.278, que regulou o § 3º do art. 226 da CF/88. Segundo essa lei, e dando cumprimento ao disposto no citado dispositivo constitucional, é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de homem e mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

 

Nessa direção, o Código Civil de 2002 preceitua em seu art. 1.723 que é “reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Segundo o art. 1.724 desse Código, as relações entre companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, bem como de guarda, sustento e educação dos filhos, sendo que “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato” (art. 1.727).

 

Ultrapassada a questão da desnecessidade de comprovação de período de convivência quando inexiste prole comum, analisar-se-á a segunda variável – a exigência de coabitação – como condição para a comprovação de união estável.

 

De acordo com a orientação jurisprudencial consolidada do Supremo Tribunal Federal, a coabitação não é requisito imprescindível para a caracterização da união estável. O antigo, mas atualmente aplicado, Enunciado da Súmula nº 382 (DJ de 8/5/1964), preceitua que “a vida em comum sob o mesmo teto, "more uxorio", não é indispensável à caracterização do concubinato”.

 

Nesse sentido, também é a orientação do Superior Tribunal de Justiça[29]:

 

DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CONFIGURAÇÃO. COABITAÇÃO. ELEMENTO NÃO ESSENCIAL. SOCIEDADE DE FATO. AUSÊNCIA DE PROVA DE COLABORAÇÃO PARA A AQUISIÇÃO DOS BENS EM NOME DO DE CUJUS. NÃO CONFIGURAÇÃO DA SOCIEDADE DE FATO. UNIÃO ESTÁVEL. PRESUNÇÃO DE MÚTUA COLABORAÇÃO PARA FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO. DIREITO À PARTILHA. - O art. 1º da Lei nº 9.278/96 não enumera a coabitação como elemento indispensável à caracterização da união estável. Ainda que seja dado relevante para se determinar a intenção de construir uma família, não se trata de requisito essencial, devendo a análise centrar-se na conjunção de fatores presente em cada hipótese, como a affectio societatis familiar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a fidelidade, a continuidade da união, entre outros, nos quais se inclui a habitação comum. [...][30]

 

Também assim entende a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais:

 

PREVIDENCIÁRIO - PENSÃO POR MORTE - DEMONSTRAÇÃO - PROVA DOCUMENTAL - CONVIVÊNCIA MORE UXÓRIO - DESNECESSIDADE - SENTENÇA REFORMADA PELA TURMA RECURSAL DO RIO DE JANEIRO QUE NEGOU O BENEFÍCIO À AUTORA - JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ EM SENTIDO CONTRÁRIO - PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO. 1) A Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência pode proceder ao exame da correta valoração do conjunto probatório colacionado aos autos, ou seja, dar uma nova qualificação jurídica à prova produzida e analisada pela Turma Recursal de Origem, sem que isso importe em reapreciação da matéria probatória, vedada pela Súmula nº 7 do STJ. 2) A jurisprudência do C. STJ é unânime ao afastar a necessidade de prova documental para demonstrar a existência da união estável e, da mesma forma, unânime quanto à desnecessidade de demonstração da coabitação, ou seja, de que companheira e o segurado falecido residiam sob o mesmo teto, como requisito essencial para a caracterização da mencionada união estável. 3) A denominada convivência “more uxório” pode ser considerada como um dos elementos capazes de demonstrar a vida comum entre os companheiros, mas sua ausência, conforme reiterada jurisprudência do C. STJ, não afasta a existência da união estável que pode ser demonstrada por outros documentos idôneos ou pela prova testemunhal colhida em juízo. 4) O acórdão proferido pela Primeira Turma Recursal do Rio de Janeiro não valorou corretamente a prova produzida nos autos, uma vez que foi equivocada a aplicação e a interpretação do art. 1º da Lei 9.278/96 ao presente caso, não devendo ser exigida, na hipótese, a demonstração da coabitação como requisito para caracterização da união estável. 5) É desnecessária a devolução dos autos à instância de origem, uma vez que o cotejo da prova oral já foi realizado pelo juízo a quo que entendeu que os depoimentos das testemunhas inquiridos em justificação judicial foram suficientes para demonstrar a vida em comum da autora e do segurado falecido, fato este que, em momento algum, foi afastado pelo acórdão de fls. 109/110 que reformou sentença tão somente por não haver prova documental do domicílio comum. 6) Pedido de Uniformização de Jurisprudência conhecido e provido[31].

 

Em síntese, a legislação e a jurisprudência das instâncias superiores exigem como requisitos para reconhecer a união estável o “indício” da existência de coabitação, haja vista a necessidade de convivência; a durabilidade (onde a exigência de 5 anos de duração ou existência de prole da Lei nº 8.971 não mais subsistem); a publicidade e a notoriedade da relação; além da continuidade (intenção de o casal permanecer junto com o objetivo de constituição de família).

 

Assim sendo, retomando-se o debate relativo à aderência desse critério ao conceito de previdência social, não há razoabilidade para aplicá-lo, já que a comprovação da convivência independe de período mínimo com vistas a garantir o direito de acesso à pensão por morte.

 

3 REGRAS DE PENSÃO ANTES E DEPOIS DA LEI Nº 13.135/2015

 

A descrição do referencial normativo dos critérios de concessão de pensão antes e depois das alterações introduzidas pela Lei nº 13.135/2015, como dito, limitar-se-á aos critérios de carência contributiva e convivência. Assim, critérios como a extinção da pensão vitalícia, mesmo que relevantes, não serão analisados.

 

Primeiramente, destaca-se que as disposições da sobredita Lei aplicam-se ao Regime Geral de Previdência Social (Lei nº 8.213/91) e ao Regime Próprio de Previdência Social dos servidores públicos federais (Lei nº 8.112/90).

 

Até a publicação da MP nº 664/2014, convertida na Lei nº 13.135/2015, a Lei nº 8.213/91 não utilizava os critérios de carência e convivência para concessão de pensão por morte[32].

 

Segundo consta dos itens 6 e 7 da Exposição de Motivos dos Ministros da Previdência Social, do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda enviada à Presidente da República[33], a utilização pela MP nº 664/2014 de tais critérios para concessão de pensão derivou-se da necessidade de se coibir práticas fraudulentas consistentes em pagamentos de contribuição pós-morte e formalização de relações afetivas de pessoas mais idosas.

 

Quanto ao conteúdo material da MP nº 664, ela inovou e previu que a pensão apenas seria devida se o segurado tivesse 2 anos de contribuição, exceto para casos de acidente de trabalho e doença profissional ou do trabalho. Eis a redação dada ao art. 25, IV e ao art. 26, VII, todos da Lei nº 8.213/91:

 

Art. 25 [...]

 

IV - pensão por morte: vinte e quatro contribuições mensais, salvo nos casos em que o segurado esteja em gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez.

 

Art. 26 [...]

 

VII - pensão por morte nos casos de acidente do trabalho e doença profissional ou do trabalho.

 

Ademais, previu a necessidade de comprovação de 2 anos de casamento ou união estável, exceto para casos de acidente de trabalho depois do casamento ou para cônjuge/companheiro incapaz ou inválido. Eis a redação dada ao § 2º do art. 74 da Lei nº 8.213/91:

 

Art. 74 [...]

 

§ 2º O cônjuge, companheiro ou companheira não terá direito ao benefício da pensão por morte se o casamento ou o início da união estável tiver ocorrido há menos de dois anos da data do óbito do instituidor do benefício, salvo nos casos em que:

 

I - o óbito do segurado seja decorrente de acidente posterior ao casamento ou ao início da união estável; ou

 

II - o cônjuge, o companheiro ou a companheira for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade remunerada que lhe garanta subsistência, mediante exame médico-pericial a cargo do INSS, por doença ou acidente ocorrido após o casamento ou início da união estável e anterior ao óbito.

 

Sucede que a Lei nº 13.135/2015, objeto da conversão da aludida MP, alterou a forma de utilização desses critérios para fins de concessão da pensão tal como estabelecido pela MP nº 664.

 

Segundo essa Lei, se o segurado falecer sem que tenha 18 meses de contribuição ou se o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de 2 anos antes do óbito, a pensão será devida apenas pelo período de 4 meses. Essa regra será excepcionada se os cônjuges ou companheiros forem inválidos e deficientes ou se o óbito do segurado decorrer de acidente de qualquer natureza ou de doença profissional ou do trabalho, hipótese em que terão respeitados períodos mínimos de fruição do benefício, a depender da situação. Eis a redação dada ao art. 77, § 2º, V, ‘b’, da Lei nº 8.213/91:

 

Art. 77 [...]

 

§ 2º O direito à percepção de cada cota individual cessará:

 

[...]

 

V - para cônjuge ou companheiro:

 

a) se inválido ou com deficiência, pela cessação da invalidez ou pelo afastamento da deficiência, respeitados os períodos mínimos decorrentes da aplicação das alíneas “b” e “c”;

 

b) em 4 (quatro) meses, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido 18 (dezoito) contribuições mensais ou se o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado;

 

Além disso, referida Lei, ao estabelecer gradação de período de gozo da pensão inversamente proporcional à idade do cônjuge ou companheiro, critério de considerável razoabilidade (que extingue a pensão vitalícia para viúvos válidos e de tenra idade), que não será aqui tratado, condiciona referido gozo à coexistência simultânea daqueles dois critérios (tempos mínimos de carência e convivência). Referida regra será excepcionada se o óbito do segurado decorrer de acidente de qualquer natureza ou de doença profissional ou do trabalho, hipótese em que terão respeitados períodos mínimos de fruição do benefício, a depender da situação.

 

Eis a redação dada ao § 2º, V, ‘c’ e ao § 2º-A, todos do art. 77 da Lei nº 8.213/91:

 

Art. 77 [...]

 

§ 2º O direito à percepção de cada cota individual cessará:

 

[...]

 

V - para cônjuge ou companheiro:

 

a) se inválido ou com deficiência, pela cessação da invalidez ou pelo afastamento da deficiência, respeitados os períodos mínimos decorrentes da aplicação das alíneas “b” e “c”;

 

[...]

 

c) transcorridos os seguintes períodos, estabelecidos de acordo com a idade do beneficiário na data de óbito do segurado, se o óbito ocorrer depois de vertidas 18 (dezoito) contribuições mensais e pelo menos 2 (dois) anos após o início do casamento ou da união estável:

 

1) 3 (três) anos, com menos de 21 (vinte e um) anos de idade;

 

2) 6 (seis) anos, entre 21 (vinte e um) e 26 (vinte e seis) anos de idade;

 

3) 10 (dez) anos, entre 27 (vinte e sete) e 29 (vinte e nove) anos de idade;

 

4) 15 (quinze) anos, entre 30 (trinta) e 40 (quarenta) anos de idade;

 

5) 20 (vinte) anos, entre 41 (quarenta e um) e 43 (quarenta e três) anos de idade;

 

6) vitalícia, com 44 (quarenta e quatro) ou mais anos de idade.

 

§ 2º-A. Serão aplicados, conforme o caso, a regra contida na alínea “a” ou os prazos previstos na alínea “c”, ambas do inciso V do § 2º, se o óbito do segurado decorrer de acidente de qualquer natureza ou de doença profissional ou do trabalho, independentemente do recolhimento de 18 (dezoito) contribuições mensais ou da comprovação de 2 (dois) anos de casamento ou de união estável.

 

4 CARÊNCIA E CONVIVÊNCIA E O CONCEITO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

 

Nesta seção, será verificado se a utilização dos critérios de carência e convivência pelas MP nº 664/2014 e Lei nº 13.135/2015 está aderente ao conceito de previdência social.

 

Observa-se da leitura das referidas normas que a MP nº 664/2014 utilizou tais critérios como fatores inibidores do direito à pensão e a Lei nº 13.135/2015, como critérios limitadores do período de gozo do benefício.

 

Esses critérios, previstos na MP nº 664, inibidores do direito à pensão, são destituídos de razoabilidade e não se sustentam ante a natureza de risco que esse benefício ostenta. A solidariedade contributiva da Seguridade Social, in casu, da previdência social, tema deste artigo, inserta no art. 195 da CF/88, assegura o direito à percepção da pensão justamente pela possibilidade de ocorrência, a qualquer tempo, do evento “morte”.

 

Por tal razão, é desarrazoada a exigência de carência como critério limitador do direito de acesso à pensão. Cumpre ressaltar que a Lei nº 3.807, vigente na década de 60, possuía regra semelhante[34]. Contudo, essa Lei foi revogada pela Lei nº 8.213/1991, que, por sua vez, eliminou a carência como condição de acesso ao benefício de pensão.

 

Por sua vez, o argumento da existência de casamento-negócio não pode servir de justificativa para extirpar esse direito do cidadão, pois vigora no país a presunção da boa-fé e não da má-fé, competindo ao órgão previdenciário o ônus da prova da ocorrência do ato fraudulento.

 

Ademais, os cônjuges e companheiros com pouco tempo de convivência ostentam, para fins de direito, a mesma condição marital daqueles com maior tempo de relação. Nesse sentido, referida iniciativa normativa viola o princípio da isonomia, pois está a tratar os iguais de maneira desigual.

 

Da mesma forma que a MP nº 664, a regra da Lei nº 13.135, limitadora do período de gozo da pensão, é desarrazoada e também antisonômica. Isso porque os cônjuges e companheiros de segurado que tenha completado o tempo de carência contributiva e com convivência marital constituída há mais tempo farão jus à pensão por período maior que aqueles que não cumpriram o tempo mínimo de carência e convivência. Esse discrímen é injustificado e, portanto, ilícito, pois tempo reduzido de relação marital e ausência de carência não podem ser fatores limitadores do direito de acesso e/ou do período de gozo da pensão, respectivamente.

 

Essas regras limitadoras do período de gozo da pensão ainda acarretam distorção injustificada no sistema. Eis os seguintes casos hipotéticos. No primeiro, o segurado possuía mais de 18 meses de contribuição, vivia em união estável há mais de 2 anos e sua companheira tinha, à data de seu óbito, 20 anos de idade. No outro, o segurado já tinha completado a carência, mas era casado há menos de 2 anos e a esposa possuía, ao tempo da morte do segurado, 50 anos de idade.

 

Segundo as regras da Lei nº 13.135/2015, a jovem companheira gozará a pensão por 3 anos e a viúva mais velha, por apenas 4 meses. Ora, como admitir que uma senhora viúva frua pensão por período inferior ao que uma jovem companheira, apenas porque aquela era casada há menos de 2 anos? Trata-se de discriminação injustificada e, portanto, injurídica, por violar o princípio da isonomia[35].

 

Nota-se assim que tanto a MP nº 664/2014, quanto a Lei nº 13.135/2015, desconsideram os elementos conceituais da previdência social, política pública que assegura renda aos trabalhadores sem capacidade laboral e aos seus dependentes, pois, respectivamente, inibem o direito à pensão e limitam o período de gozo, além de promoverem discriminação injustificada, violando os princípios da isonomia e razoabilidade, e ainda desconsideram o princípio da solidariedade contributiva e distorcem a lógica do sistema previdenciário.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Este artigo objetivou analisar a viabilidade de utilização dos critérios de carência e convivência trazidos pela Lei nº 13.135/2015 para fins de concessão de pensão no âmbito do Regime Geral de Previdência Social. Para tanto, buscou-se verificar se a utilização desses critérios está aderente aos elementos integrantes do conceito de previdência social.

 

Como resultado, notou-se que a utilização de tais critérios não se alinha ao conceito de previdência social, pois inibe o direito à pensão e limita o seu período de gozo, promovendo discriminação ilícita e vulnerando os princípios da isonomia e razoabilidade, além de quebrantar o princípio da solidariedade contributiva e permitir distorção injustificada no sistema.

 

Em conclusão, espera-se ter contribuído para que o leitor possa se situar no cenário atual de mudanças de regras previdenciárias relativamente ao benefício de pensão por morte.

 

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STEPHANES, Reinhold. Reforma da Previdência sem segredos. Rio de Janeiro: Record, 1998.

TAFNER, Paulo. Simulando o desempenho do sistema previdenciário e seus efeitos sobre a pobreza sob mudanças nas regras de pensão e aposentadoria. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Rio de Janeiro, texto para discussão nº 1.264, mar.2007.

 


 

[2]CALAZANS, Fernando Ferreira. Pensão por morte, carência, convivência e a Lei nº 13.135/2015. In: Jane Lúcia Wilhelm Berwanger; Marco Aurélio Serau Júnior; Melissa Folmann. (Org.). Previdência em tempo de reformas. 1ed. Porto Alegre: Editora Magister, 2015, v. 1, p. 181-193.

[3]BRASIL. Ministério da Previdência Social. Anuário Estatístico da Previdência Social. Brasília, 2013.

[4]BRASIL. Ministério da Previdência Social. Boletim Estatístico da Previdência Social. Brasília, v. 20, n. 5, mai.2015.

[5]BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Execução Orçamentária - Consulta por Natureza de Despesa, 2013.

[6]ROCHA, Roberto de Rezende Rocha; CAETANO, Marcelo Abi-Ramia. O Sistema Previdenciário Brasileiro: uma avaliação de desempenho comparada. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Rio de Janeiro, texto para discussão nº 1.331, mar.2008.

[7]CAETANO, Marcelo Abi-Ramia. Determinantes da sustentabilidade e do custo previdenciário: aspectos conceituais e comparações internacionais. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Rio de Janeiro, texto para discussão nº 1.226, out.2006.

[8]STEPHANES, Reinhold. Reforma da previdência sem segredos. Rio de Janeiro: Record, 1998, p. 222.

[9]BRASIL. Ministério da Previdência Social. Fórum Nacional de Previdência Social:

principais consensos e dissensos. Informe de Previdência Social, Brasília, v. 19, n. 12, p. 1-4, dez.2007.

[10]LOPEZ, Felix Garcia. Fórum Nacional da Previdência Social: consensos e divergências. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Rio de Janeiro, texto para discussão nº 1.432, nov.2009.

[11]Disponível em: . Acesso em: 17jul.2015.

[12]Disponível em: . Acesso em: 17jul.2015.

[13]“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.”

[14]Medida Provisória nº 665, de 30/12/2014.

[15]Medida Provisória nº 664, de 30/12/2014, Medida Provisória nº 676, de 17/06/2015 (que excluiu, pleo clamor social, a obrigatoriedade de aplicação do fator previdenciário, mas, contudo, criou a regra do 85/95) e Medida Provisória nº 681, de 10/07/2015, que aumentou a margem de desconto em folha de crédito consignado para beneficiários da Previdência Geral.

[16]“Art. 10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.”

[17]Medida Provisória nº 668, de 30/01/2015.

[18]Medida Provisória nº 675, de 21/05/2015.

[19]CALAZANS, Fernando Ferreira; SOUZA, Marcus Vinicius de. Medidas jurídicas para redução do déficit dos regimes municipais de previdência dos funcionários públicos. Boletim de Direito Municipal (BDM), p. 305-314, mai.2012.

[20]CAETANO, Marcelo Abi-Ramia. Determinantes da sustentabilidade e do custo previdenciário: aspectos conceituais e comparações internacionais. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Rio de Janeiro, texto para discussão nº 1.226, out.2006.

[21]SÉGUIER, Jayme de. Diccionário prático illustrado, novo diccionário encyclopédico luso-brasileiro. 4.ed. Porto: Lello, Limitada, Chardron, 1935.

[22]FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio século XXI: o minidicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

[23]Art. 201 da Constituição Federal de 1988 e art. 1º da Lei nº 8.213/1991.

[24]MARTINS, Sérgio Pinto. Fundamentos de direito da seguridade social. 7.ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2006.

GIAMBIAGI, Fábio. A reforma da previdência: o encontro marcado. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

TAFNER, Paulo. Simulando o desempenho do sistema previdenciário e seus efeitos sobre a pobreza sob mudanças nas regras de pensão e aposentadoria. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Rio de Janeiro, texto para discussão nº 1.264, mar.2007.

[25]Segundo a Portaria MPS nº 403/08 (art. 2º), “equilíbrio financeiro” é a garantia de equivalência entre as receitas e obrigações do RPPS em cada ano; e “equilíbrio atuarial”, a garantia de equivalência, a valor presente, entre o fluxo das receitas estimadas e o das obrigações projetadas a longo prazo.

[26]ROCHA, Roberto de Rezende Rocha; CAETANO, Marcelo Abi-Ramia. O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: UMA AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO COMPARADA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Rio de Janeiro, texto para discussão nº 1.331, mar.2008.

[27]CAETANO, Marcelo Abi-Ramia. Determinantes da sustentabilidade e do custo previdenciário: aspectos conceituais e comparações internacionais. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Rio de Janeiro, texto para discussão nº 1.226, out.2006.

[28]Brasil, Alemanha, Argentina, Canadá, Chile, Estados Unidos, França, Itália, México e Suécia.

[29]STJ, 4ª Turma, REsp 1096324/RS, Relator Ministro Honildo A. de Mello Castro, DJe 10/05/2010.

[30]STJ, 3ª Turma, REsp 275839/SP, Relator Ministro Ari Pargendler, DJe 23/10/2008.

[31]TNU, PEDILEF 200351015000538, Relator Juiz Federal Alexandre Miguel, DJU 23/05/2006.

[32]A “carência” para fins de pensão existiu no passado (art. 36 da Lei nº 3.807/1960), foi abolida pela Lei nº 8.213/1991, reinstituída pela MP nº 664/2014 e modificada pela Lei nº 13.135/2015.

[33]Disponível em: . Acesso em: 14jul.2015.

[34]“Art 36. A pensão garantirá aos dependentes do segurado, aposentado ou não, que falecer, após haver realizado 12 (doze) contribuições mensais [...]”.

[35]A isonomia deve ser analisada sob o ponto de vista abstrato, em que desigualar os desiguais é sinônimo de igualdade, e sob o concreto, mediante vedação de discriminações ilícitas (vertente negativa) e promoção de ações afirmativas (vertente positiva). (CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: JusPodium, 2009.)