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Os poderes da república e suas interpretações da constituição: teorias do diálogo constitucional e da supremacia judicial

 

Alan da Costa Macedo, Bacharel em Direito pela UFJF; Pós Graduado em Direito Constitucional, Processual, Previdenciário e Penal; Servidor da Justiça Federal, Oficial de Gabinete na 5ª Vara da Subseção Judiciária de Juiz de Fora-MG; Coordenador Geral do SITRAEMG; Professor e Conselheiro Pedagógico no IMEPREP- Instituto Multidisciplinar de Ensino Preparatório.

 


In initio

A dualidade entre o papel representativo dos Poderes Legislativo, na figura Congresso Nacional, do Poder Executivo, na figura da Presidência da República e a do Poder Judiciário, representado pelo Supremo Tribunal Federal na interpretação da Constituição Federal, é uma das substâncias para as Teorias da Supremacia judicial e dos Diálogos Constitucionais.

 

Os defensores de que o STF é a “razão sem voto” sustentam que, em razão das inúmeras situações que paralisam o processo político majoritário, cabe ao Guardião da Constituição zelar pela igual dignidade dos seus cidadãos e, com isso, assegurar a manutenção do governo da maioria. Afirmam que a política majoritária (aquela que é conduzida pelos representantes eleitos pelo povo) é essencial para manutenção e progresso da Democracia e, por isso, tem o dever de assegurá-la.

 

Foi na leitura das obras: “ A razão sem voto: O Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria”   de Luis Roberto Barroso, Professor Titular de Direito Constitucional da UERJ e, atualmente, Ministro do STF e “ Supremacia Judicial  versus Diálogos Constitucionais” de Rodrigo Brandão, Procurador do Município do RJ e Professor de Direito Constitucional na UERJ, FGV e EMERJ, que extraí substrato para este texto, o qual não pretende se apresentar como um artigo acadêmico e não se atentará às normas técnicas pertinentes. Tentarei, aqui, apenas expor os pontos convergentes e divergentes daquelas obras, emitindo minha opinião sobre o assunto.

 

O objetivo é apenas trazer à reflexão importantes temas relacionados ao Direito Constitucional e resumir de forma interpretativa os conteúdos extraídos das obras acima citadas.

 

INTRÓITO

Na introdução de sua obra, Luis Roberto Barroso faz uma referência a um diálogo entre dois professores sobre a preferência na atuação Constitucional dos Poderes Legislativo e Judiciário.

 

O primeiro professor dizia que, no decorrer do tempo, as pessoas, através do Poder Legislativo, fariam escolhas acertadas, sem que fosse preciso a intervenção do Poder Judiciário. Dizia que era só uma questão de se aguardar o momento certo.

 

O segundo professor, em contraposição ao primeiro, afirmava que “o momento certo” era uma abstração que não podia ser admitida pelo Direito. O Judiciário teria o papel de resolver o problema quando o legislativo se omitisse em regulá-lo.

 

De acordo com o professor Barroso, emitindo parecer para o deslinde da questão discutida pelos professores personificados em seu texto, colocou: em alguns cenários, em razão das múltiplas circunstâncias que paralisam o processo político majoritário, cabe ao Supremo Tribunal Federal assegurar o governo da maioria e a igual dignidade de todos os cidadãos.”

 

Também entendo que, na omissão do Poder Legislativo, o Poder Judiciário deve atuar ativamente.

 

Tal como abordado no texto de Barroso, como dizer para as mulheres que pretendem abortar os seus filhos anencefálicos, em gestação que lhes causam grande sofrimento, que só o tempo dará solução para esse impasse?  Como dizer para um negro que quer ser incluído socialmente através do sistema de quotas que o processo histórico que causou a exclusão será revertido ao longo de algumas décadas e que ele deve esperar?

 

Concordo com o professor Barroso quando sugeriu que não podíamos dizer àquelas pessoas, simplesmente:  “ Desculpe, a história está um pouco atrasada; volte daqui a uma ou duas gerações[1]

 

No contexto de atribuições e competências do Poder Legislativo e Poder Judiciário, há de se verificar que, apesar de serem autônomos e independentes entre si, devem dialogar de forma a encontrar a solução adequada sob o viés de não deixarem os direitos fundamentais à margem da insegurança.

 

O conceito de democracia vai muito além da mera representação pela vontade da maioria. Sua dimensão substantiva contempla a preservação de valores, princípios e direitos fundamentais. Nesse contexto, o professor Barroso com eloquência diz que: “ A democracia contemporânea, portanto, exige votos, direitos e razões. ”

 

Dada a introdução às questões de fundo levantadas no texto do Professor Luis Roberto Barroso, passemos à abordagem dos diálogos constitucionais e a supremacia judicial levantados por Rodrigo Brandão em sua obra, ora estudada.

 

Brandão faz uma abordagem tendendo para afirmação de que a teoria da supremacia judicial, ou seja, a de que o STF teria a última palavra em matéria constitucional não era a mais acertada e que a teoria dos diálogos constitucionais, em que o Poder Legislativo e Judiciário poderiam reinterpretar suas posições ao longo do tempo, seria a mais coerente.

 

Dobro-me a alguns argumentos de Rodrigo Brandão, não a todos, senão veja-se algo defendido por aquele autor o que, a meu ver, destoa da realidade que, hoje, observamos:

 

“ A observação da jurisprudência contemporânea do STF nos dá sinais contraditórios: por um lado, a pequena aderência ao texto e aos seus precedentes parece veicular o STF ao modelo atitudinal; por outro, a circunstância de o STF ter assistido a transições de coalizões partid[arias no controle do governo federal sem alterar, significativamente, a forma da sua atuação ( agindo de forma mais ou menos ativista), depõe a favor de uma postura de independência e de vinculação ao Direito ( e não a preferências político-ideológicas do partido dominante).” (Grifos meus)

 

Durante algum tempo e, ao observar alguns votos no decorrer das últimas décadas, podemos até extrair a interpretação de que os julgados são suficientemente técnicos e isentos politicamente. Em outros casos, no entanto, com a devida vênia, observamos, com clareza, lastros de politização da Corte Suprema.

 

Ao admitir que, em certos casos, o direito é clarividente, mas motivar a improcedência do pedido em razões de ordem econômica que podem prejudicar o país (efeito cascata; crises econômicas; rombo na previdência etc), fica, a mim evidenciado, que há, em alguns casos, sim, preferências político-ideológicas do partido dominante.

 

 Rodrigo Brandão, nesse sentido, cita, inclusive, Luis Roberto Barroso, sustentando que:

 

“ Já no âmbito no âmbito das ações coletivas, por serem dotadas de efeitos  erga omnes, naturalmente que o fato de a prestação solicitada se direcionar a todos que dela necessitem implicará maior impacto financeiro que uma ação individual, e o juiz será obrigado a considerar a repercussão orçamentária da medida, e , via de consequência, a realizar o necessário juízo sobre a possibilidade da sua razoável universalização.[2]Portanto, parece evidente que nas ações coletivas tenderá a ser mais cauteloso do que nas ações individuais, fomentando uma postura de deferência judicial a escolhas financeiras feitas por órgãos democraticamente legitimadas em um contexto de escassez de recursos, sem prejuízo do controle residual da proporcionalidade da decisão política”.

 

As afirmações de Barroso, citadas por Brandão, ilustram bem o que penso, mas, data vênia, em sentido diametralmente oposto. Vejamos a sua abordagem sobre a insatisfação de parcela acadêmica ( a qual me filio em certas ocasiões):

 

“ A preocupação com abusos por parte de juízes e tribunais não é infundada, e é preciso estar preparado para evitar que ocorram. Porém, no mundo real, são muito limitadas as decisões do Supremo Tribunal Federal as quais se possa imputar a pecha de haverem ultrapassado a fronteira aceitável. E, nos poucos casos em que isso ocorreu, o próprio Tribunal cuidou de remediar. Portanto, não se deve desprezar por um temor imaginário, as potencialidades democráticas e civilizatórias de uma corte constitucional. A crítica a atuação do STF, desejável e legítima em uma sociedade plural e aberta, provém mais de atores insatisfeitos com alguns resultados e de um nicho acadêmico minoritário que opera sobre premissas teóricas diversas das que vão aqui enunciadas. A propósito, cabe formular uma pergunta crucial feita por Eduardo Mendonça em sua tese de doutorado já citada: o argumento de que a jurisdição constitucional tem atuado em padrões antidemocráticos não deveria vir acompanhado de uma insatisfação popular com o papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal? O que dizer, então, se ocorre exatamente o contrário: no Brasil e no mundo, os índices de aprovação que ostenta a corte constitucional costuma a estar bem acima do Legislativo. ”  (Grifos meus)

              

Tal assertiva, com todo o respeito, não pode ser cotejada no contexto brasileiro de maioria alienada e massa de manobra de governos ainda muito distantes do verdadeiro desejo de democracia inclusiva. A rechaça ao argumento do professor Barroso está contida em trecho da obra de Rodrigo Brandão, tal como a seguir se transcreve:

 

“ Em que se pese o aumento da publicização das decisões do STF na internet, o conhecimento das decisões do STF pelo público em geral ainda é intermediado, via de regra, pela imprensa, e, naturalmente, só uma pequena parte das decisões judiciais gera mídiaAdemais, a peculiar linguagem jurídica não é de fácil compreensão àqueles não versados em Direito. Além disso, a influência da processualística convencional- no sentido de que somente o dispositivo da decisão faz coisa julgada (art. 469 do CPC)- conduz a que a presidência do STF tenha como tradição colher votos dos ministros somente em relação ao pedido formulado nas ações de controle abstrato de constitucionalidade ( declaração da constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos dispositivos arrolados na inicial, ou ainda a aplicação de técnica intermediária da decisão). Portanto, não são colhidos votos em relação aos fundamentos, sendo frequentemente difícil extrair a tese jurídica perfilhada pela composição majoritária do Tribunal a partir dos diversos votos acostados no processo. ”

 

                        No mesmo sentido, Brandão aduz:

 

“ Por outro lado, a baixa saliência política da maioria das decisões de uma Corte Suprema, o hermetismo da linguagem jurídica, faz com que boa parte das decisões constitucionais não seja conhecida pelo grande público, e, portanto, não desempenhe a plenitude dos seus efeitos erga omnes e vinculantes, pois, naturalmente, não se pode cumprir o que não se conhece. ” ( grifos meus)

 

O professor Barroso argumenta em seu texto a crise de representatividade do Poder Legislativo e, com isso, coloca o STF com um papel de representatividade contramajoritária. É certo que as premissas que baseiam a atuação de freios e contrapesos entre os poderes desejam que isso realmente ocorra; que o STF atue como garantidor de direitos fundamentais esquecidos pelos representantes da vontade das maiorias.

 

Ocorre que, nos últimos tempos, não são poucos os casos em que se vê a atuação da Corte Suprema como um longa manus do Poder Executivo, quando ao invés de garantir a fruição total de Direitos assegurados pela Constituição, inviabiliza seu usufruto, sob fundamentos de proteção da economia e do orçamento do país.

 

Será que a população realmente aprova a atuação do STF quando este julga constitucional a Lei que cria o “ fator previdenciário”? Será que realmente o povo aprovou a desindexação do salário mínimo com a interpretação sumulada no enunciado vinculante nº 4?  Será que aqueles que contribuíram durante uma vida sob 10 salários mínimos e, hoje, recebendo apenas 1 salário de contraprestação na sua aposentadoria, realmente se sentem amparados pela atuação do STF? Será que os servidores públicos aprovam as atitudes do STF, quando alguns dos seus ministros (inclusive o Professor Barroso), ao interpretar o art. 37, X, da CF, que prevê a revisão geral anual dos seus vencimentos, diz que tal ordenamento não obriga o Estado a revisar os salários dos seus servidores em notória proteção do Estado- administrador em detrimento do Direito fundamental assegurado pelo Constituinte?

 

A temática abordada por Rodrigo Brandão em consonância com a exposição do Professor Luis Roberto Barroso trouxe-me questões novas e perturbadoras:  devemos confiar plenamente na isenção do Poder Judiciário, representado pelo STF, e outorgar-lhe a última palavra sobre a Constituição ou seria mais prudente para a democracia permitir o diálogo constitucional a deferir que os Poderes constituídos revisem seus argumentos e retomem o debate através de reinterpretações normativas? É melhor a segurança jurídica de decisões incorretas ou a insegurança jurídica que permita a correção de erros que vilipendiam a vontade da maioria ao longo dos tempos?

 

1.    A necessidade de se continuar na busca de um direito constitucional democrático através da efetividade do conteúdo jurídico da Constituição

 

Há de se  concordar que a nossa democracia ainda é muito jovem e necessita de aperfeiçoamento em todas as estruturas dos Poderes Estatais Constituídos. Por tal constatação é que se vislumbram as inúmeras propostas de reforma política.

 

O professor Barroso, ao descrever período anterior à Carta Magna de 1988, faz a seguinte abordagem:

 

“ Além das complexidades e sutilezas inerentes à concretização de qualquer ordem jurídica, havia no país uma patologia persistente, representada pela insinceridade constitucional. A Constituição, nesse contexto, tornava-se mistificação, instrumento de dominação ideológica, repleta de promessas que seriam honradasNela se buscava, não o caminho, mas o desvio; não a verdade, mas o disfarce.” ( grifei)

 

Barroso foi um dos precursores da luta ideológica pela conquista da efetividade das normas constitucionais. Diversos foram os seus textos abordando tal temática.

 

Os anos de ouro do Constitucionalismo no Brasil foram aqueles primeiros anos da vigência da Constituição Democrática de 1988 e envolveu um grande esforço dos teóricos constitucionais para que o Poder Judiciário assumisse o papel de concretização dos princípios, regras e diretrizes inscritos na Carta Magna.

 

Foi a partir do ano de 2000, que começaram a aparecer as decisões mais importante do STF no sentido de demonstrar o seu verdadeiro papel de assegurador das normas expressas e impressas na Constituição Federal.

 

Barroso afirma que ao longo do tempo, as decisões do STF foram se aperfeiçoando a superar o positivismo normativista e descrer que a decisão judicial era um ato de escolha política.

 

Nesse ponto é que divirjo do Professor Barroso. Entendo que, em muitos casos, o STF continua atuando e decidindo através de escolhas políticas e, com isso, não entendo superada a fase de construção de um direito constitucional democrático.

 

A proposta de Emenda Constitucional 52/2015 (http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=121043 ), de autoria do Senador Reguffe, para que o processo de nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal se dê através de concurso de provas e títulos, é uma clara demonstração de que o processo de democratização ainda está a se aperfeiçoar a permitir que os processos sejam transparentes, imaculados e realmente garantidores da ordem democrática.

 

Não se pode negar que, no Brasil, o processo de nomeação de Juízes da Suprema Corte gera dúvidas quanto a sua atuação judicante desatrelada do ideário político que permitiu a sua escolha.

 

O autor Rodrigo Brandão afirmou em sua obra, ora estudada que: “ (...) o processo de nomeação dos juízes consiste no mais visível e tradicional mecanismo de influência dos poderes políticos da Suprema Corte”.

 

Será que o mecanismo que concede ao Presidente, que tende a atuar como líder da coalisão parlamentar majoritária, o poder de nomear ministros do Supremo Tribunal Federal privilegiam, realmente, a independência judicial?

 

De acordo com Rodrigo Brandão: “ os candidatos da Suprema Corte são homens públicos, que expressam as suas opiniões sobre questões politicamente relevantes e controvertidas, e, naturalmente, o Presidente da República optará por escolher alguém que seja, concomitantemente, alinhado à sua visão constitucional e palatável ao Senado. Desta forma, o processo de nomeação pelo Presidente e de confirmação pelo Senado conferiria uma sintonia entre as preferências políticas na Suprema Corte e nos poderes políticos, não sendo factível que o Tribunal se mantenha, por longo período, contrário a maiorias legislativas”.

 

É nesse contexto que nos encontramos. O poder político de um só partido, por mais de década, se mantém no poder e nomeia a maioria dos ministros da Suprema Corte. Será o resultado disso bom para a democracia? Será que a independência judicial se perfaz nas entrelinhas dos votos ministeriais ou o que se verifica é uma tendência de proteção Estatal na sua atividade de administrador das finanças e do orçamento público? Se o Estado administrador administra mal as suas finanças e coloca o país em situação de carência de recursos, deve o Estado-Juiz “ passar a mão na sua cabeça” e, em detrimento dos direitos constitucionalmente assegurados, zelar pela recomposição econômica do país? É esse o seu papel?

 

Para mim, a garantia de efetividade da Constituição se dá com o aperfeiçoamento da independência judicial e o seu total desatrelamento das questões político-econômicas do país.

 

Isso por que, eventual decisão que condene o Estado a cumprir, na íntegra, dispositivo constitucional, colocando-o em situação de “ apuros econômicos”, não serve para ajudar o pais a “falir”, mas tem caráter pedagógico para que o Estado administrador aprenda a administrar melhor os seus recursos; a optar por gastar o que tem, prioritariamente, com os direitos fundamentais e, só depois disso, pensar em investimentos e outras políticas de risco (na maioria das vezes com caráter eleitoreiro).

 

Por que gastar com “ copa do mundo” se o país passa fome? Por que garantir benefícios de cunho assistencial pela previdência (enquanto deveria usar recursos do Tesouro Nacional) e depois alegar déficit no RGPS? E os recursos esvaídos com a corrupção? A conta tem que sobrar sempre para o cidadão quando em questão os seus direitos fundamentais? Poderá o STF permitir tal abuso em defesa da economia do país? Lindos são os votos do Ministro Marco Aurélio que, com maestria, afirma que o Estado não pode se valer da sua própria torpeza para negar a fruição de direitos fundamentais.

 

1.1   A ascensão do Poder Judiciário a partir da constitucionalização do Direito

 

No contexto histórico, foi a partir do final da Segunda Grande Guerra Mundial que o Direito Constitucional ampliou sua dimensão e eficácia no cenário jurídico. Novas constituições foram promulgadas e ocorreu o fenômeno de centralização da Constituição ao invés da lei. A criação dos Tribunais Constitucionais foi a pedra angular para ascensão do Poder Judiciário como, efetivamente, freio e contrapeso dos demais poderes.

 

O modelo de constitucionalismo pós-guerra ficou conhecido como neoconstitucionalismo (um novo modelo de constitucionalismo), o qual teve o papel de identificar uma gama de transformações ocorridas no Estado e iniciar uma fase de pós-positivismo jurídico. Nas palavras de Barroso, não se tratou “apenas de uma forma de escrever o direito atual, mas também de deseja-lo.”

 

Parte do processo de constitucionalização no Brasil, a partir da carta de 1988, realmente se mostrou com uma grande esperança de aplicação de um direito desejado pelo Povo, livre de inferências políticas. Ocorre que, de um tempo para cá, o fenômeno de politização do poder judiciário vem atrapalhando aquilo que se idealizou para o constitucionalismo brasileiro.

 

Observe-se a fala do Professor Barroso, quando em sua obra disse: “ (...) o judiciário, paulatinamente, deixou de ser um departamento técnico especializado do governo para se tornar um verdadeiro poder político. ”

 

Concordo apenas em parte. Na seara formal, realmente o Poder Judiciário é autônomo e independente dos demais Poderes. Na realidade, entretanto temos observado que o Poder Judiciário tem, a cada dia, se transformado em um departamento especializado do governo e um poder mais político do que técnico.

 

Podem até me classificar, tal como fez o professor Barroso em sua obra, de “minoria acadêmica insatisfeita com algumas decisões do Supremo Tribunal Federal”. Prefiro, ainda assim, pertencer a uma minoria crítica do que a uma maioria alienada.

 

O que vejo é que, infelizmente, algumas decisões realmente têm demonstrado proteção excessiva do Estado que, invariavelmente, administra mal os seus recursos e, em seguida, legisla retroagindo progressivamente quanto aos direitos sociais conquistados a duras penas pelo povo. Tal fenômeno não é observável apenas no âmbito do STF, mas também em outros Tribunais Superiores.

 

Veja-se, como exemplo, a jurisprudência do STJ que, à revelia do princípio da “irrepetibilidade de verbas alimentares recebidas de boa-fé”, pacificado pela jurisprudência no decorrer de anos a fio, reinterpreta o conteúdo jurídico do tema e diz que, em qualquer caso, a parte deve devolver ao Estado os alimentos que recebeu.

 

O Estado-Juiz tutela a parte em seu direito pretendido e a responsabilidade disso passa a ser da própria parte e não do Estado. Nos casos em que a pessoa recebe um benefício de um salário mínimo, suficiente (em alguns casos) apenas para se alimentar, pela via da tutela antecipada, terá que guardá-lo numa poupança e pedir esmolas para sobreviver até que sobrevenha uma decisão definitiva? Diante de tal interpretação, podemos dizer que o Poder Judiciário está sendo isento, ou está se demonstrando um “ departamento especializado do Estado Administrador”?

 

E o pior, quando a questão nuclear constitucional é posta ao STF para revisão, ou seja, quando se alega o ataque ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, aquela Corte Suprema diz que é caso de incidência oblíqua da Constituição e que a questão é de natureza infraconstitucional, escusando-se de resolver o mérito. Será esse o Poder Judiciário idealizado para um correto Estado Democrático de Direito?

 

Vale a pena citar trecho da obra do Professor Barroso no que concerne ao aspecto pós-positivista, que se adequa bem ao que aqui defendo:

 

“ Se a solução não está toda na norma, é preciso procura-la em outro lugar. E, assim, supera-se a separação profunda que o positivismo jurídico havia imposto entre o Direito e a Moral, entre o Direito e outros domínios do conhecimento. Para construir a solução que não está pronta na norma, o Direito precisa se aproximar da filosofia moral- da realização de fins públicos que promovam o bem comum e, de certa forma, também das ciências sociais aplicadas, como a economia e a psicologia. (...) A doutrina pós-positivista se inspira na revalorização da razão prática, na teoria da justiça e na legitimação democrática. Nesse contexto, busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral da Constituição e das leis, mas sem recorrer a categorias metafísicas.” (grifos meus)

 

1.2- Dos casos difíceis

 

Num cenário em que tudo, mas cedo ou mais tarde, se judicializa, alguns fenômenos se apresentam ao Poder judiciário e com difícil solução apenas nas normas técnicas que amparam a decisão. Vale a pena citar algumas questões colocadas na Obra do Professor Barroso, que ilustram tal situação:

 

“ a) pode um casal surdo-mudo utilizar a engenharia genética para gerar um filho surdo-mudo e, assim, habitar o mesmo universo existencial dos pais?

 

b) uma pessoa que se encontrava no primeiro lugar da fila, submeteu-se a um transplante de fígado. Quando surgiu um novo fígado, destinado ao paciente seguinte, o paciente que se submetera ao transplante anterior sofreu uma rejeição e reivindicava o novo fígado. Quem deveria recebê-lo?

 

c) pode um adepto da religião Testemunha de Jeová recursar terminantemente uma transfusão de sangue, mesmo que indispensável para salvar-lhe a vida, por ser tal procedimento contrário à sua convicção religiosa? ” (grifos meus)

 

O Professor Barroso chama as hipóteses acima exemplificadas de “ casos difíceis” , ou seja, aqueles para os quais não há respostas prontas à disposição do intérprete constitucional.

 

Nesses casos, Barroso explica que a solução deverá ser construída de forma argumentativa, racional  e equitativa pelo juiz, utilizando-se parâmetros fixados pelas normas e até em aspectos externos ao ordenamento jurídico.

 

Realmente, para lidar com uma sociedade tão complexa como a nossa em que casos difíceis são tão cotidianos, há de se procurar soluções em categorias jurídicas diversas, tais como: “ normatividade dos princípios”; “ colisão de normas constitucionais”; “ técnica de ponderação” “ reabilitação da argumentação jurídica”[3]

 

Interessante, também, é a abordagem de Barroso referindo-se a PERELMAN (1996) em relação ao resultado da atuação do intérprete nos casos difíceis:

 

“ Como o juiz se tornou coparticipante da criação do Direito, a legitimação de sua decisão passará para a argumentação jurídica, para sua capacidade de demonstrar a racionalidade, a justiça e a adequação constitucional da solução que construiu. Surge, nessa perspectiva, o conceito interessante de auditório.[4] A legitimidade da decisão vai depender da capacidade do intérprete convencer o auditório a que se dirige de que a aquela é a solução correta e justa.”  (grifei)

           

1.3. O Juiz boca da Lei e a necessidade de discricionariedade judicial para a correta resposta

 

O juiz de hoje não pode ser mais uma “ boca da lei” ou um mero exegeta que ratifica operações formais. É necessário que o Juiz, principalmente o constitucional, desenvolva sua argumentação num cenário de discricionariedade judicial, ou seja, em ambiente de interpretação normativa superando as meras subsunções dos fatos às normas.

 

De acordo com Robert Alexy[5], o Direito deve ser informado por uma pretensão de correção moral, pelo alcance da justiça e da solução constitucional adequada para o caso concreto. É necessário, para isso, pautar sua interpretação nas peculiaridades de cada caso (equidade), na segurança jurídica que deve ser gerada por sua decisão e, principalmente, pela dignidade da pessoa humana.

 

Tal como o professor Barroso, discordo de Ronald Dworkin quando sustentou que existe apenas uma única resposta correta. Entendo que, em certos, casos, dependendo dos pontos de vista, há várias respostas corretas.

 

Nesse sentido, vale apena transcrever trecho da obra de Barroso:

 

Dependendo de onde se encontre o intérprete, do seu ponto de observação, será noite ou será dia, haverá sol ou haverá sombra. É preciso conjurar o risco do stalinismo jurídico, em que algum “ faro dos povos” de ocasião venha a ser o portador da verdade revelada, com direito a promover o expurgo dos que pensam diferentemente.”  (Grifei)

 

O que não pode haver é juízo sem solução.  Nesse caso, portanto, não se trata de uma única resposta correta, mas quem tem autoridade para proclamar a resposta, ou seja, quem seria o dono da relativa verdade. É nesse ponto que se encontram as doutrinas da Supremacia Judicial e do Diálogo Constitucional.

 

1.4. Supremo Tribunal Federal e suas funções contramajoritária e majoritária/representativa

 

Do ponto de vista material, o STF não exerce apenas a função contramajoritária, ou seja, aquela em que tem o dever democrático e ir contra os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo (Poder com representação das maiorias) quando viciados constitucionalmente. Em certos casos, sua atuação é representativa, ou seja, majoritária.

 

O STF exerce controle de constitucionalidade dos atos emanados do Poder Legislativo e do Poder executivo. Nesse mister, os 11 ministros da Suprema Corte podem desmandar aquilo que foi validado pelos representantes eleitos por centenas de milhões de votos. O sistema de freios e contrapesos outorgou ao Supremo Tribunal esse poder, sendo esta função denominada de “ contramajoritária”.

 

Mesmo havendo resistência pontuais, muitas delas por parte de agentes do Poder Legislativo, o papel contramajoritária do STF tornou-se, no Brasil, bem aceito. Isso por que a Corte Suprema se legitimou na democracia a parir da sua função de proteção dos direitos fundamentais sob o prisma da ética e da independência de interesses político-partidários (apesar de, hoje em dia, tal paradigma estar sendo transformado).

 

Não se nega a importância do STF no cenário democrático, sendo a suprema corte a sentinela contra o risco da tirania das maiorias.[6] Nesse ponto concordo com Barroso: “ há razoável consenso, nos dias atuais, de que o conceito de democracia transcende a ideia de governo da maioria, exigindo a incorporação de outros valores fundamentais”.

 

Ocorre que qualquer observância de desvios dessa missão tão importante do Poder Judiciário deve ser olhada com muita atenção por aqueles que tiveram acesso ao conhecimento e podem controlar as nuances observadas no fenômeno de politização do Poder Judiciário num sistema de dominação de poder.

 

Não é sério afirmar que, no Brasil, atualmente, os índices de aprovação do Poder Judiciário são mais altos do que os dos demais Poderes. Grande parte dos cidadãos encontram-se alienados e desconhecem as próprias questões políticas do país, que dirá a interpretação nas entrelinhas das decisões judiciais.

 

Há muito se observa no Brasil que os interesses político-partidários representam, na maior parte das vezes, os interesses de “ quem pode pagar mais” (geralmente os financiadores de campanhas). Tal fenômeno se perfaz na “crise de representação política”.

 

Ocorre que, nos últimos tempos, o Poder Executivo (de mãos dadas com o Legislativo) silencia a voz do povo dando-lhes “ pão e circo”. Além disso, políticas assistencialistas, que pouco contribuem para o progresso verdadeiro do país, são os grandes troféus daquelas que dizem estar distribuindo as riquezas e gerando igualdade social.

 

Nesse momento é que mais se precisa da atuação da Corte Suprema na sua função atípica “ majoritária e representativa”.

 

O professor Barroso explicou com muita propriedade que:

 

“ Por numerosas razões, o Legislativo nem sempre expressa o sentimento da maioria. Além do já mencionado déficit democrático resultante das falhas do sistema eleitoral e partidário, é possível apontar algumas outras. Em primeiro lugar, minorias parlamentares podem funcionar como veto players[7], obstruindo o processamento da vontade da própria maioria parlamentar. Em outros casos, o autointeresse da Casa Legislativa leva-a a decisões que frustram o sentimento popular. Além disso, parlamentos em todo o mundo estão sujeitos à captura eventual por interesses especiais, eufemismo que identifica o atendimento a interesses de certos agentes influentes do ponto de vista político ou econômico, ainda quando em conflito com o interesse coletivo.[8] Por outro lado, não é incomum nem surpreendente que o Judiciário, em certos contextos, seja melhor intérprete do sentimento majoritário. (...) Juízes são recrutados na primeira instância, mediante concurso público. Isso significa que pessoas vindas de diferentes origens sociais, desde que tenham cursado uma Faculdade de Direito e tenham feito um estudo sistemático aplicado, podem ingressar na magistratura. Essa ordem de coisas produziu, ao longo dos anos, drástico efeito democratizador do Judiciário. Por outro lado, o acesso a uma vaga no Congresso Nacional envolve um custo financeiro elevado, que obriga o candidato, com frequência, a buscar financiamentos e parcerias com diferentes atores econômicos e empresariais. Esse fato produz inevitável aliança com alguns interesses particulares. Por essa razão, em algumas circunstâncias, juízes são capazes de representar melhor- ou com mais independência- a vontade da sociedade.”

 

Daí a minha defesa pela PEC 52/2015 de autoria do Senador Reguffe que exige concurso de provas e títulos para acesso ao Supremo Tribunal Federal. A retórica do Professor Barrroso acima copiada justifica com clareza a necessidade de reforma no Poder Judiciário. Não é crível que um Juiz da Suprema Corte fique suscetível a devolver favores a quem o nomeou. Não é razoável que o Presidente possa escolher o Ministro que melhor se adeque ao seu ideal político-partidário e possa representar melhor os interesses do Governo nos julgamentos contra o Estado. Apesar das decisões precisarem ser motivadas, são inúmeros os fundamentos (alguns até eloquentes) que podem ser usados para amparar situações moralmente ilegítimas.

 

O próprio professor Barroso admite em sua obra que o juiz constitucional pode ficar suscetível a agradar plateias ( penso que pode ser o governo ou mesmo a sociedade, conforme o caso). Veja-se o que ele disse sobre isso:

 

“ (...) Juízes eram menos suscetíveis a tentações populistas. Isso não significa que estejam imunes a essa disfunção. Notadamente em uma época de julgamentos televisados, cobertura da imprensa e reflexos na opinião pública, o impulso de agradar a plateia é um risco que não pode ser descartado.

 

Vejam, não estou, aqui, a somente atirar pedras na atuação do STF. Muitas foram as suas decisões que demonstraram o seu desatrelamento em relação ao Estado, bem como em relação aos reclames populistas da sociedade. Decisões como a que chancelou a proibição do nepotismo nos três poderes; decisão que conferiu a legitimidade do CNJ para controlar o Poder Judiciário; decisão que previu a equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis convencionais, foram grandes exemplos de imparcialidade.

 

No entanto, com a maioria da composição atual do STF nomeada por apenas um núcleo do Poder Político, começou-se a perceber certa tendência de proteção Estatal e, como nossa Democracia ainda é jovem (experimental), precisamos corrigir alguns desacertos para o seu aperfeiçoamento.

 

2.0 Diálogos institucionais entre os Poderes Constituídos

2.1. Comportamento Judicial- Modelo atitudinal

 

De acordo com o modelo atitudinal de comportamento judicial, os juízes decidiriam questões morais controvertidas com base em sua própria ideologia e desvinculados de textos normativos, precedentes e ou doutrinas. Tal modelo, óbvio acarretaria sério constrangimento à função jurisdicional.

 

Os autores Jefrey Segal e Harold Spaeth dedicaram anos de suas vidas à pesquisa sobre o modelo atitudinal. Compararam votos dos juízes da Suprema Corte Americana com suas manifestações anteriores que revelassem a sua preferência ideológica, se liberal ou conservadora.

 

Ao contrário do modelo atitudinal, revela-se o modelo legalista, no qual o juiz aplicaria o Direito de forma imparcial, sem apego à ideologias.

 

                        Interessante a abordagem de Rodrigo Brandão, em sua obra, que  diz que ambos os modelos são equivocados. Vale a pena transcrever trecho que faz tal argumentação: “ o modelo atitudinal se equivoca em desconsiderar absolutamente a vinculação do juiz ao Direito, porém está correto em supor que esse liame não é tão forte como sustentam os defensores de teorias legalistas; já as teorias legalistas acertam em destacar que o ethos profissional dos juízes lhes direciona para aplicação imparcial do Direito, porém erram ao desconsiderar completamente a influência da ideologia e de outros fatores extrajurídicos, sobretudo quando são analisadas decisões de uma Suprema Corte em questões moral e politicamente controvertidas.[9]  (grifos meus).

 

2.2. Ataques Institucionais às Cortes Supremas

 

Rodrigo Brandão aborda o tema com muita propriedade em sua obra, ora analisada. São inúmeras as formas de ataques institucionais às Supremas Cortes, entre as quais destaca: manipulação das suas competências; alteração do número de membros e impeachment de juízes para fins não disciplinares (em alguns casos para realinhamento da sua jurisprudência às preferencias políticas de maiorias ou de elites econômicas)[10]

 

Um trecho da obra de Brandão que vale a pena transcrever, demonstra um exemplo concreto do direito comparado de ataque direto à Suprema Corte americana:

 

“ A eleição consagradora de Roosevelt em 1936 pavimentou o caminho para a sua reação à jurisprudência conservadora da Suprema Corte. Após rejeitar várias soluções, Roosevelt optou por apresentar ao Congresso projeto de lei que lhe autorizaria a nomear um novo juiz para cada juiz da Suprema Corte que contasse com mais de 70 anos no momento da aprovação da reforma e se recusasse a se aposentar. No momento do seu envio (05/02/1937), a proposição, se aprovada, lhe garantiria a nomeação de seis novos juízes, e, seguramente, a reversão da jurisprudência conservadora contra a qual se opunha. O comitê judiciário do Senado rejeitou duramente a medida, que, a seu ver, tinha um único propósito: aplicar força ao judiciário. Vale a pena ser transcrita expressiva passagem do pronunciamento do Comitê: Essa é a primeira vez na história da nossa Nação que uma proposta de alterar a jurisprudência da Corte pelo aumento do seu pessoal é feita de forma tão corajosa. Vamos apreciá-la. Vamos agora fixar um precedente salutar para que nunca seja violado. Vamos, o septuagésimo sétimo Congresso, em palavras que nunca serão negligenciadas por legislaturas futuras, declarar que nós preferimos uma Corte independente, uma corte destemida, uma Corte que ousará proferir a decisão que acredita proteger as liberdades, do que uma Corte que, por medo ou senso de obrigação com o poder que lhe investiu no cargo, ou por espírito de facção, aprove qualquer medida que ele editar. Nós não somos os juízes dos juízes. Nós não estamos acima da Constituição.[11]  ( grifos meus)

 

A questão de proteção da Corte Suprema a ataques institucionais é de primeira ordem para manutenção do Estado Democrático de Direito. O processo atual de nomeação de Ministros do Supremo Tribunal Federal no Brasil pelo Presidente da República, de certa forma, é um tipo de ataque institucional à independência da Corte Suprema (mesmo que de forma velada). As propostas de revisão nesse sentido merecem atenção da sociedade e da comunidade jurídica em geral.

 

Uma excelente parábola descrita por Rodrigo Brandão em sua obra destaca a importância de um Judiciário independente e merece transcrição:

 

“ O vínculo entre independência judicial e Estado de Direito é singularmente ilustrado por uma história apócrifa sobre Frederico, o Grande: incomodado com o barulho incessante de um moinho de vento localizado em um milharal vizinho à sua residência de verão ( palácio de Sanssouci, em Potsdam), o rei da antiga Prússia formulou uma proposta de compra do terreno, e o seu proprietário prontamente a recusou. Irresignado, Frederico teria lhe dito: Você não sabe que posso usar meus poderes para tomar o seu milharal sem lhe pagar nada?  Ao que o proprietário retrucou: Com todo respeito, Vossa Majestade poderia fazê-lo, senão houvesse juízes em Berlim[12]Com efeito, a noção de que Cortes devem ter a sua independência garantida para controlar abusos dos governos, especialmente quando resvalarem sobre os direitos humanos, ocupa papel central no pensamento constitucional ocidental contemporâneo.[13]

 

2.3.  O Poder do Executivo e do Legislativo sobre os salários dos Juizes e de seus servidores.

 

     Muito bem colocado por Rodrigo Brandão que:

“ É natural que tal competência venha sendo um dos pontos de maior conflito entre o Poder Judiciário e o Legislativo, notadamente porque os juízes fazem parte de um poder independente, e, portanto, costumam se ressentir da interferência do Congresso Nacional em suas finanças.(...) Cuidando-se de instrumentos inerentes aos mecanismos de freios e contrapesos, o Congresso pode usar tais poderes para mandar recados ao Judiciário. (...) No plano descritivo, parece inegável que o uso do poder do Congresso Nacional para decidir sobre o orçamento dos Tribunais e sobre os salários dos juízes pode dar azo a barganhas e retaliações ao Judiciário- como no exemplo anteriormente relatado-, inclusive pela inexistência de instrumentos jurídicos que lhe vinculem aos valores sugeridos pelos Tribunais. (...) Por outro lado, o processo de nomeação dos juízes consiste no mais visível e tradicional mecanismo de influência dos poderes políticos na Suprema Corte.”

 

No Brasil, a questão acima apontada ficou menos preocupante para os juízes, mas não para os servidores do Poder Judiciário. No caso dos Juízes, sendo o Salário dos Ministros da Suprema Corte o Teto no serviço Público, interessa sempre aos membros do Poder Executivo e Legislativo que haja constante revisão nos salários dos Ministros do STF. Isso por que, sempre que há aumento nos seus salários, há um permissivo tácito para o reajuste dos salários dos Membros dos demais poderes.

 

De acordo com VANBERG[14], o poder Judiciário é o poder menos perigoso, por não ter “ a chave do cofre” (poder orçamentário, como o Legislativo), nem a “espada” (poder de polícia, como o Executivo).

 

2.4. Fórmulas usadas pelo Poder Legislativo para superação de decisões da Corte Suprema

 

Na abordagem de Rodrigo Brandão, verifica-se a racionalidade da defesa pelo sistema de diálogos institucionais ao revés da Supremacia Judicial. Nas palavras de Brandão, independente do “ acerto” do Parlamento ou do Poder Judiciário ou do Parlamento nas suas funções representativa e contramajoritária, a interação entre as instituições se perfaz num caráter deliberativo, ou seja, com o aprendizado mútuo a partir das suas próprias perspectivas.

 

Um interessante caso concreto trazido na obra de Brandão é utilizado para demonstrar que, nem sempre, a decisão judicial é mais acertada que a opção parlamentar ou vice e versa. Vejam-se:

 

“ Cite-se, por emxplo, os casos O’Connor e Mills. No primeiro, o Bispo Hubert O’ Connor era acusado de estuprar quatro estudantes aborígenes em uma escola dirigida por ele. Em sua defesa, O’ Connor solicitou o acesso a registros dos tratamentos médico e psicológico das vítimas. A Suprema Corte atribuiu aos juízes competentes  dever de sopesar os direitos à ampla defesa do acusado  e à privacidade da vítima, para definir se tais informações deveriam, ou não, ser disponibilizadas aos acusados. Todavia, expigua maioria ( cinco juízes) afirmou que não se pdoeria exigir do acusado a comprovação da relevância dos dados antes de ele tomar conhecimento do seu teor, de maneira que a sua não disponibilização à defesa poderia causar condenação de inocentes. Desta forma, todas as informações disponíveis para a acusação deveriam ser repassadas à defesa, e os dados sob a guarda de terceiros (médicos, psicólogos etc) também deveriam lhe ser repassados desde que o juiz do caso considerasse que eles poderiam ter alguma utilidade para a defesa. Já a minoria ( quatro juízes) se mostrou cética quanto à utilidade dessas informações para a defesa, e, por outro lado, revelou preocupação quanto à abertura do seu sigilo desestimular denúncias de crimes sexuais e perpetuar a vulnerabilidade das mulheres a violências sexuais. Portanto, enquanto a maioria priorizou o direito do acusado à ampla defesa, a minoria deu preeminência ao direito da vítima à privacidade e ao interesse social em punir eficazmente crimes sexuais.Dois anos após a decisão, o Parlamento reagiu mediante aprovação de lei destinada a fazer prevalecer a solução acolhida pela minoria da Suprema Corte, precisamente para tornar mais difícil a utilização em juízo das informações em apreço, e, assim, estimular comunicações de crimes sexuais pelas vítimas. Mais do que isso, a lei usava as mesmas palavras do voto minoritário da juíza L’ Hereay Dubeau, superando, ponto a ponto, a solução acolhida pela maioria da Corte. Portanto, o Parlamento não buscou uma solução intermediária que incorporasse a visão da Corte, antes a reputou inaceitável e simplesmente a reverteuA lei que superava frontalmente o seu precedente foi julgada constitucional pela Suprema Corte em Mills, que baseou sua decisão na doutrina dos diálogos constitucionais.” ( grifos meus)

 

A validade de determinada lei que restabelece o sentido da lei anteriormente declarada inconstitucional pela Corte Suprema nos Estados Unidos é objeto de intenso debate não só naquele país, mas em muitos Estados que guardam semelhança quanto ao sistema político vigente.

 

Um exemplo de controvérsia foi quando se entendeu que o Religous Freedom Restoration Act,  ao determinar a sujeição das leis gerais que promovessem restrições na liberdade religiosa ao controle de constitucionalidade, representaria exercício abusivo do Poder pelo Parlamento. Tal interpretação se deu pois se o Parlamento pudesse não só regulamentar os direitos previstos na Constituição, mas também definir a sua exegese em contraposição à interpretação da Suprema Corte, as leis iriam se sobrepor à Constituição e o Legislativo teria um Poder ilimitado.

 

Ocorre que o efeito inverso já foi verificado nos EUA. Em algumas oportunidades, a Suprema Corte americana admitiu a constitucionalidade de lei que, nas suas bases, restabelecia o sentido de lei anteriormente declarada inconstitucional.

Nos EUA, o processo de alteração formal da Constituição é muito difícil, de forma que se sustentarem a tese de que as decisões tomadas pela Corte Suprema só podem ser revertidas por Emenda Constitucional é o mesmo que se atribuir a última palavra sobre o sentido da Constituição à Suprema Corte.

 

Concordo com Rodrigo Brandão quando faz a seguinte colocação:

 

“ A aprovação de norma idêntica à anteriormente declarada inconstitucional tem claras vantagens sobre a sua não implementação. Com efeito, por se tratar de uma reação expressa à decisão judicial, todos terão a oportunidade de conhece-la, o que evidentemente não ocorre caso se optar por mecanismos sub-reptícios de não implementação. Inclusive terá a Suprema Corte a possibilidade de examinar a constitucionalidade do conteúdo reproduzido pela ‘norma superadaora”- se ela for impugnada judicialmente, o que é altamente provável que ocorra-, voltando a declarar o respectivo conteúdo inconstitucional, caso não reste convencida das novas razões trazidas pelo legislador. Apesar das vantagens da “ superação normativa” sobre os demais mecanismos de reação política a decisões judiciais indesejadas, deve se reconhecer que, se o Congresso Nacional puder reverter decisão constitucional da Suprema Corte pelo processo legislativo ordinário, o regime se aproximará de um modelo de flexibilidade constitucional e de supremacia parlamentar. (...) Se por outro lado, o único instrumento legítimo de reversão de decisão da Suprema Corte for emenda constitucional dificílima de ser aprovada, haverá supremacia judicial em sentido material.”

 

2.5.  A metodologia de autorrestrição pela Suprema Corte Brasileira

 

De acordo com Brandão, logo após o advento da Constituição Federal brasileira de 1988, observaram-se alguns precedentes que indicam uma metodologia de “ autorrestrição” pelo Supremo Tribunal Federal.

 

A autorrestrição significa que o Supremo se autorrestringe para não ser ativista de mais e invadir a autonomia de outro Poder. Tal metodologia é um tanto incoerente quando se está evidente que o núcleo do direito discutido é de natureza constitucional e, com isso, necessária sua intervenção como guardião da Constituição. Diante dessa constatação é que se retoma o tema sobre a politização do STF e sua atuação temerária quando a favor do Estado nas suas preferências políticas.

Rodrigo Brandão trouxe dois exemplos do fenômeno ora comentado, na sua obra, os quais vale a pena transcrever:

 

“ A medida provisória nº 173/90 vedou ao Judiciário a possibilidade de concessão de liminares decorrentes de anteriores medidas provisórias que haviam promovido a retenção de recursos depositados em instituições financeiras no âmbito do chamado Plano Collor. Proposta a ADI 223-6/DF[15], na qual se questionou a sua constitucionalidade, sobretudo à luz da cláusula da inafastabilidade da tutela judicial ( segundo a qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito- art. 5º, inc, XXXV, da CF/1988), o STF indeferiu a liminar encarecida na referida ADI, com base na admissibilidade de condições e limitações ao poder de cautela do juiz. (...) o STF demitiu-se de suspender a eficácia da Medida Provisória n. 173/1990, sem prejuízo do exame judicial em cada caso concreto da sua constitucionalidade.[16]  ( grifos meus)

 

“(...) O programa Nacional de Desestatização promovido pelo governo Fernando Henrique Cardoso, embora tenha gerado uma avalanche de processos judiciais que causaram atrasos e embaraços pontuais aos leilões de privatização, teve no Supremo Tribunal Federal um importante aliado no sentido da sua viabilização. Com efeito, o STF não invalidou nenhum leilão de privatização de antiga empresa estatal, nem julgou procedente nenhuma das 39 Ações Diretas de Inconstitucionalidade referentes às privatizações.[17] ( grifos meus)

 

De acordo com Brandão, se o STF não se autorrestringir em certas situações, há um risco à manutenção da confiança e legitimidade da atuação da Corte. Aquele autor traz uma didática comparativa a um jogo de preferências: “ (...)  Assim, antes do início do ‘jogo de separação de poderes’, cada jogador tem uma preferência ( dita crua) que pode ser posicionada em um determinado ponto de uma linha (...) A tendência natural do jogo é o resultado se situar em um ponto de indiferença, onde há equilíbrio entre as preferências dos jogadores. Veja-se o seguinte exemplo: se a preferência da Suprema Corte se situa em um ponto intermediário entre as preferências do legislador médio e do Presidente, essa tendência é a Corte aplicar a sua preferência nua e cura sem medo de reação política, pois para o legislador e para o Presidente da República, a preferência da Corte é mais aceitável do que a preferência de outro adversário. Por outro lado, se a preferência do Judiciário estiver em uma extremidade desta linha, a do legislador médio em ponto intermediário, e a do Presidente no polo oposto, a tendência é a adoção de postura de autorrestrição judicial, pois há fundado receio de uma postura ativista do judiciário gerar comunhão de esforços dos Poderes Legislativo e Executivo para superá-la. ”

 

Eu, particularmente, acho que esse “jogo de temor” não deve fazer parte das rotinas dos Poderes, já que o sistema predeterminado é o de “ freios e contrapesos” e as regras do jogo são pré-estabelecidas. Assim, num Estado democrático de Direito sério, com as bases fundadas nos princípios Constitucionais que o regem, o Supremo Tribunal Federal deve fazer a sua parte sem receio algum.

 

2.7. A constatação da Inexistência de supremacia judicial em sentido material e amplo no Brasil

 

Antes da promulgação da Carta Magna de 1988, diversas foram os mecanismos de reação às decisões da Corte Suprema. Um exemplo disse foi trazido por Rodrigo Brandão, em sua obra: ‘ Diante do deferimento pelo STF de salvo-conduto em favor de estrangeiros envolvidos na Revolta da Armada para impedir que eles fossem expulsos do Brasil, o governo Floriano Peixoto usou de expediente ardiloso: expedição de Decreto de expulsão com data retroativa. Por fim, destaque-se o não preenchimento por longo espaço de tempo das cadeiras vagas no STF, o que dificultou bastante o seu funcionamento, e posteriormente a indicação pelo Presidente de um médico e de dois generais para os cargos vagos.”

 

Após a promulgação da CF/88, verificou-se a consolidação formal da democracia brasileira e, de certa forma, o apoio popular à independência do Poder Judiciário em relação aos demais poderes. Tais fenômenos impediram os mecanismos de ataque institucional à Suprema Corte, tal como acontecia outrora. O que hoje se pode observar em casos extremos é a atuação do Legislativo na reedição de conteúdo de norma declarada inconstitucional, mas quando nos casos de atuação do STF desviante das maiorias políticas e da opinião pública. No entanto, isso não quer dizer que tal norma não vá ter sua constitucionalidade apreciada novamente pela Corte Suprema.

 

De acordo com Brandão, a ordem Jurídica Brasileira refletiu a influência desses fatores políticos, na medida em que foram positivados instrumentos que expandiram a possibilidade de o Judiciário controlar os atos praticados pelos demais Poderes.[18]

 

Ocorre que, mesmo com a democratização do país e todas as tentativas para que as decisões judiciais tivessem eficácia moralizante, ainda encontramos lastros de inexistência de supremacia judicial em sentido amplo. Veja-se o exemplo citado por Brandão em seu livro:

 

“ (...) a dificuldade de implementação das decisões da Suprema Corte é um sério limite à implantação da supremacia judicial em sentido material no Brasil. Note-se, inicialmente, que o Brasil apresenta exemplos expressivos sobre a questão. Cite-se a ADI 3.853, proposta em face da Emenda n.35 à Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul, que instituíra subsídio mensal e vitalício aos ex-governadores daquele Estado, de natureza idêntica ao percebido pelo atual chefe do Poder Executivo estadual e pensão ao cônjuge supérstite, na metade do valor percebido em vida pelo titular. A fixação de pensões a ex-governadores e a seus parentes, sem a estipulação de um tempo mínimo de contribuição para o sistema previdenciário dos servidores estaduais ou mesmo de um período razoável de permanência no cargo, pareceu ao STF afrontar o equilíbrio federativo e os princípios da igualdade, da impessoalidade, da moralidade pública e da responsabilidade com os gastos públicos, visto que no vigente ordenamento republicano e democrático brasileiro, os cargos políticos de chefia do Poder Executivo não são exercidos nem ocupados “ em caráter permanente” , por serem os mandatos temporários e seus ocupantes , transitórios. Todavia, as manchetes dos principais jornais brasileiros nos dão notícia de que, apesar do STF ter proferido tal decisão em 2007, atualmente se mantém proventos e pensões em favor de ex-governadores e parentes, inclusive em favor de indivíduos que ocuparam o cargo por período ínfimo de tempo, em substituição eventual ao titular do cargo.” ( grifei)

 

Diante do efeito erga omnes de espécies de decisões do STF, o uso da reclamação”[19] como instrumento de adequação da conduta dos Juízes e administradores ao entendimento constitucional do STF ainda é muito pouco usado.  Boa parte dos intérpretes ainda se encontra alienada e impossibilitada de acompanhar com a celeridade e eficiência necessárias as interpretações constitucionais dadas pelo Supremo Tribunal Federal.

 

Some-se a isso o fato da influência processualística convencional no sentido de que apenas o dispositivo da decisão faz coisa julgada, levando à presidência do STF à tradição de colher votos dos ministros somente em relação ao pedido nas ações de controle abstrato de constitucionalidade, não sendo, colhidos, portanto, os votos em relação aos fundamentos da decisão.

 

Enfim, a conclusão sobre a inexistência de supremacia judicial em sentido material foi bem perfilhada nas palavras de Brandão e que vale a pena transcrever:

 

“ Por fim, a relativa facilidade do processo de emenda constitucional no Brasil estimula que se responda ao ativismo judicial com ativismo legislativo. De fato, em pouco mais de 20 anos de vigência da Constituição de 1988 já se contabilizou um número expressivo de emendas constitucionais superadoras de decisões de inconstitucionalidade do STF(...) Resta, porém, analisar se afirgura compatível com o Estado Democrático de Direito a superaçaosuperaçãoas decisões constitucionais do STF pelo Congresso nacional. E, em caso positivo, se tal medida somente será legítima se veiculada por emenda constitucional, ou se lei ordinária poderá igualmente fazê-lo. ”

 

2.8. A Teoria dos Diálogos Constitucionais como melhor proposta ao Estado Democrático de Direito

 

Se partirmos da premissa que as maiorias legislativas podem reverter decisões constitucionais da Suprema Corte, a tese da dificuldade contramajoritária do controle de constitucionalidade fica mitigada.

 

De acordo com alguns doutrinadores norte-americanos, o uso de leis ordinárias como suporte à reação legislativa às decisões da Suprema Corte só seriam legítimos caso a Suprema Corte afirmasse que o legislador se valeu de um meio correto para conseguir um objetivo válido. Somente nesse caso, não haveria óbice para que o legislador aprovasse lei nova na qual previsse medida compatível com a jurisprudência da suprema corte. No entanto, caso a Corte Suprema reputasse inconstitucional o próprio objetivo perseguido pela lei, somente seria possível o uso da Emenda Constitucional a dar novo sentido à Constituição.

 

As teses de superação normativa da intepretação da Suprema Corte se dividem em quatro grandes blocos: a) o que acha legitima a superação normativa das decisões da Corte Suprema através de simples lei ordinária, mesmo que esta contraria conteúdo da interpretação dada outrora da inconstitucionalidade de lei anterior; b) A que defende que os efeitos da decisão de inconstitucionalidade pela Corte Suprema é apenas inter partes, de forma a rejeitar a vinculação dos órgãos estatais em casos furos; e c) Não vinculação dos poderes que não concordem com a decisão judicial; d) A que permite o diálogo constitucional de forma moderada, admitindo-se até a superação normativa da decisão da Suprema Corte por Lei ordinária ou Emenda Constitucional, mas quando a corte não reputasse inconstitucional o próprio objetivo perseguido pela lei.

 

Cristopher Manfredi defensor desse último bloco que defende os diálogos constitucionais que: “ não se trataria do restabelecimento da supremacia parlamentar, mas da implantação de um sistema de freios e contrapesos em que nenhuma instituição tem a última palavra. [20]

 

Concordo com o referido autor. Seria temerário demais à Democracia  inflexibilizar absolutamente a revisão de uma interpretação perpetuamente. A teoria dos diálogos constitucionais permite a reanálise do caso sob vários enfoques, perspectivas e periodicidade.

 

Nesse mesmo sentido, Rodrigo Brandão coloca em sua obra, ora estudada: “ Ademais, caso haja grande dificuldade de reversão das decisões de qualquer instituição política o sistema democrático perde, em boa medida, a sua capacidade de autocorreção, cristalizando decisões equivocadas, ou que, embora certas no momento de sua prolação, tornam-se com o tempo obsoletas ou geram consequências não antecipadas. Sobretudo se tal decisão “ definitiva’ for dada lavra de órgão não sujeito a processos periódicos de aprovação popular, há o risco de ela, ao invés de promover a estabilidade social, estimular a polarização das disputas plíticas. Por outro lado, a difusão do entendimento de que a ´´ultima palavra na interpretação constitucional é do Judiciário gera um desengajamento dos demais  poderes e atores privados no processo de interpretação constitucional.”

 

Entendo que o melhor modelo a ser aplicado no Brasil é o dos diálogos Constitucionais ao invés da Supremacia Judicial no qual é do Poder Judiciário a última palavra sobre o sentido da Constituição.

 

Acredito, ainda, que o meio mais adequado para superação normativa das decisões da Corte Suprema seja o processo de Emenda Constitucional. Isso por que, diante da semi- rigidez para aprovação de uma Emenda, verifica-se maior flexibilidade na superação normativa, mas também não se facilita tanto quanto pelo processo de Lei ordinária.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BARROSO, Luís Roberto. “ A razão sem voto: O Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria. ”

 

BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo, in O novo direito constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática da jurisdição constitucional no Brasil, 2012.

 

BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais.  Rio de Janeiro: Lumnen Juris, 2012.

 

MELLO, Celso Antônio Bandeira de Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social, tese apresentada à IX Conferência Nacional da OAB, 1982.

 


[1] Tal debate foi extraído na Univerdiade de Harvard entre o professor Mark Tushnet e o autor desse texto, realizado em 07/11/2011. Intitulado Politics and the Judiciary, encontra-se disponível em: < https://www.youtoube.com/watch?v=giC_vOBn-bc>.

 

[2] BARROSO, Luis Roberto.  Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para atuação judicial. In: SOUZA NETO, Claudio Pereira e SARMENTO, Daniel (org.). Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direios sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 875/905.

 

[3] BARROSO, Luis Roberto.  Curso de direito constitucional contemporâneo, São Paulo: Saraiva, 2013. P. 330.

 

[4] PERELMAN, Chain; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie.  Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1996.p.22. “ É por essa razão que, em matéria de retórica, parece preferível definir o auditório como  o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação.  Cada orador pensa, de uma forma mais ou menos consciente, naqueles que procuram persuadir e que constituem o auditóri ao qual se dirigem seus discuros.”.

 

[5]

 

[6] Expressão cunhada por MILL, Jonh Sutart.  On Liberty. Londres: Longmans, 1874m p.13. “ A tirania da maioria é agora geralmente incluída entre os males contra os quais a sociedade percisa ser protegida[...]”.

 

[7] Veto Players são atores individuais ou coletivos com capacidade de “ parar o jogo” ou impedir o avanço de uma agenda. Sobre o tema, v. ABRAMOVAY, Pedro Separação de Poderes e medidas provisórias, Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p.44.

 

[8] Para um resumo desses argumentos, Brandão, Rodrigo. Supremacia judicial versus diálogos Constitucionais: a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição. Rio de Janeiro: lumen Juris, 2012, p. 205.

 

[9] FRIEDMAN, Barry. The politics of judicial review. Op. Cit., p.272.

 

[10] Ver <http://www.supremecourt.gov/> .Acesso em: 14/08/2013 às 19:00

 

[11] Report n. 711, 75th Congress( 1937). Disponível em: < http://www.house.gov/>. Acesso em: 23/13/2010.

 

[12] VANGERG, Georg. Establishing and maintaining judicial Independence. Op. Cit. P 99.

 

[13] CAPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado.

 

[14] VANBERG, Georg. The politics of judicial review in Germany. Op. Cit,. P.6.

 

[15] STF, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Dj, 29/06/1990, julgamento: 05/04/1990. Posteriormente o STF reconheceu a perda do objeto da ação, tendo em vista a MP. N 173/1990 não mais se encontrar em vigor.

 

[16] Ver VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos fundamentais- uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 492/511.

 

[17] OLIVEIRA, Vanessa Elias. Judiciário e privatizações no Brasil. Existe uma judicialização da política? Dados Rio de Janeiro, jul./set. 2005, v.48, n.3, p.559/587

 

[18]Grife-se o alargamento do rol dos legitimados ativos para a propositura de ADI, a criação da ADC e a regulamentação da ADPF, a ampliação dos atos sujeitos ao controle abstratos e dos efeitos das respectivas decisões do STF, a criação da súmula vinculante e da repercussão geral etc.

 

[19] Reza o art. 102, Inciso, I, I da CF/88, competir originariamente ao STF julgar a “reclamação para preservação da sua competência e garantia da autoridade das suas decisões”.

 

[20] MANFREDI, Christopher P. The day the dialogue died: a comment on Dauvé v. Canada. In: Osgoode Hall Law Journal,, v.45, n.1,p.107/123, spring, 2007.

 

Informações sobre o texto

MACEDO, Alan. Os poderes da república e suas interpretações da constituição: teorias do diálogo constitucional e da supremacia judicial. Instituto de Estudos Previdenciários, Belo Horizonte, ano 20, n. 470, 18 ago. 2015. Disponível em: <http://www.ieprev.com.br/conteudo/id/38210/t/os-poderes-da-republica-e-suas-interpretacoes-da-constituicao:-teorias-do-dialogo-constitucional-e-da-supremacia-judicial >. Acesso em: . .