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Perícias médicas judiciais no âmbito dos juizados especiais federais- comentários portaria nº 01 COJEF/JFA de Juiz de Fora-MG

 


 

Alan da Costa Macedo, Bacharel em Direito pela UFJF; Pós Graduado em Direito Constitucional, Processual, Previdenciário e Penal; Servidor da Justiça Federal, Oficial de Gabinete na 5ª Vara da Subseção Judiciária de Juiz de Fora-MG; Coordenador Geral do SITRAEMG; Professor e Conselheiro Pedagógico no IMEPREP- Instituto Multidisciplinar de Ensino Preparatório; Professor convidado do IEPREV.

 


Algumas das questões mais debatidas nos congressos, fóruns de discussão, artigos acadêmicos, na seara das perícias médicas judiciais em benefícios por incapacidade, foram devidamente abordados na Portaria nº 01 da COJEF- Juiz de Fora.

 

Os advogados, estudantes, serventuários da justiça e, principalmente o jurisdicionado devem um sincero agradecimento à Dra. Maria Helena Carreira Alvim Ribeiro, Juíza Federal aposentada, ex-Coordenadora da COJEF da Subseção Judiciária de Juiz de Fora. Foi ela que, depois de intensa pesquisa sobre o tema, antes de se aposentar, deixou mais uma contribuição para o avanço do Direito Previdenciário em Minas Gerais e, esperamos, no Brasil.

 

Farei, aqui, um breve apanhado sobre as questões mais relevantes abordadas pelo ato administrativo ora estudado. Não tenho, no entanto, a pretensão de esgotar um estudo que ainda está em ampla expansão. Por isso, nossa abordagem tem a sincera intenção de convidar os operadores do direito para o debate.

 

DA IMPORTÂNCIA DA PROVA MÉDICO-PERICIAL

 

Como bem dito na exposição de motivos da Portaria ora estudada, “a produção antecipada de prova médico-pericial é indispensável à conciliação e ao julgamento das causas relativas aos benefícios previdenciários e assistenciais indeferidos ou cessados, em sede administrativa, por conclusão da perícia médica contrária, em face da presunção relativa de legitimidade de que gozam os atos administrativos.”

 

Apesar de entender a importância da Perícia Médica como forma de produção antecipada de prova, devo chamar a atenção dos operadores de direito para a necessidade de observância do real ponto controverso a ser levado à juízo. Não são poucas vezes que a controvérsia gira em torno apenas da qualidade de segurado ou da carência e a Inicial vem pedindo a prova pericial para constatar a incapacidade. Isso é um erro gravíssimo e que pode custar caro.

 

Tanto o advogado que distribui a ação e não faz tal análise quanto o Juízo na análise saneadora que não percebe tal questão devem ficar atentos. Isso por que, dependendo do caso, é um dispêndio totalmente desnecessário à solução do caso concreto.

 

Imaginemos um caso em que a parte verteu contribuições na condição de segurado facultativo “do lar” e suas contribuições não foram averbadas no CNIS. Quando vai fazer o pedido de benefício por incapacidade, tem parecer favorável da perícia administrativa do INSS, mas não recebe o benefício por falta de qualidade de segurada. Se o advogado não ficar atento a esse detalhe, vai pedir perícia judicial que pode, ao revés do parecer da própria autarquia, considera-la capaz para o serviço. Observaram a importância de tal análise?

 

DA NECESSIDADE DE CONHECIMENTO ESPECIALIZADO EM PERÍCIAS MÉDICAS PARA O CORRETO CUMPRIMENTO DO ENCARGO PELO PERITO

 

Uma das questões levantadas em âmbito nacional é a falta de preparo dos médicos nomeados pelo juízo para o encargo de serem peritos judiciais.

 

Muitos deles, desconhecem o conceito de incapacidade previdenciária; não sabem diferenciar incapacidade de deficiência; não sabem o que significa “profissiografia” etc. Com isso, ao invés de fornecer uma cognição perfeita ao juiz, o confunde, o que pode gerar graves danos à prestação jurisdicional.

 

Nesse caso, muito acertada a colocação de que “é dever do perito judicial apontar a evidência biológica e buscar nexo de causalidade e/ou identificar e qualificar danos corporais e psicossomáticos envolvidos; tudo com a finalidade de fornecer elementos precisos para o discernimento judicial” ,  bem como “a necessidade de que os peritos judiciais apliquem as técnicas periciais contidas nos Manuais de Perícias Médicas e atentem para as questões médico-periciais constantes nas normas do Conselho Federal e Regional de Medicina”.

 

Tal medida visa a resguardar o direito do jurisdicionado de ser bem examinado e que não sofra consequências nefastas de uma má interpretação do juízo. Imagine-se o quanto é desumano afirmar que alguém “incapaz” está capaz para o trabalho e fazê-la trabalhar a despeito de sua saúde, sentindo dores e amargando o dissabor de não ter visto a justiça se concretizar no seu caso?

 

Hoje em dia, no âmbito de muitos Juizados Especiais Federais, o médico que se propõe a fazer perícias para a Justiça se inscreve voluntariamente para compor a lista de peritos da Central de Pericias Judiciais. Aquilo que era um encargo de colaboração com a Justiça, passou a ser exclusivamente um ato voluntário, visando pagamento por prestação de serviços.

 

Assim, o que já se justificava por uma questão ético-jurídica, agora mais ainda por uma questão de obrigação civil na prestação de serviços: o médico deve ser escorreito em sua análise, deve avaliar cada caso com cuidado e diligência a fim de fornecer elementos precisos à cognição judicial.

 

Dirão: Mas se fizermos muitas exigências, teremos uma evasão de médicos das nossas listas. Diremos: muitos são os médicos que precisam de trabalho; muitos deles estão fechando seus consultórios para trabalhar só com perícias e, se isso acontece, é por que o negócio não é tão ruim assim.

 

Médico perito em requerimentos de benefícios por incapacidade lida com vidas, com a subsistência do segurado, o patrimônio jurídico fundamental de uma sociedade, sem o qual nenhuma instituição existiria. Assim, deve cumprir seu encargo com muita responsabilidade. Estudar os Manuais de perícia, se especializar na ciência “perícia médica” é mais do que uma necessidade, é uma obrigação moral para todos aqueles que se propõe voluntariamente a este tipo de trabalho. Suas omissões, certamente, poderão lhe gerar responsabilidade administrativa, civil e penal. Todos nós somos sujeitos de direitos e obrigações, inclusive os médicos.

 

DAS CONCLUSÕES PERICIAS DESCONEXAS, LACONICAS E INCOERENTES

 

Fato abordado em diversos Congressos de Direito Previdenciário no Brasil é a falta de detalhamento dos laudos médicos periciais. O não fornecimento de dados precisos e convincentes deixa à margem a cognição perfeita do juízo acerca da verdade real.

 

Na verdade, a busca incondicional pela celeridade acaba ferindo de morte o devido processo legal. Quando o laudo pericial é lacônico, há um notório favorecimento a inverdades. O perito tem o dever de detalhar e fundamentar suas respostas para que fique garantido o contraditório pleno no processo. Como se chamará a atenção do Juiz para eventual erro ou incoerência se a resposta é monossilábica?

 

Se a parte traz exames, atestados e receitas que servem como indícios da sua incapacidade e se aqueles médicos assistentes são responsáveis administrativa, civil e penalmente por suas declarações, quando o perito discordar daquelas conclusões, deve, no mínimo fundamentar.

 

Alguns nos dizem: mas é o Juiz o destinatário da prova, a ele incumbe verificar se o laudo foi suficientemente conclusivo ou não. Diremos: o destinatário da prova é a sociedade que tem o poder-dever de fiscalizar os atos do Juiz sob pena de se permitir o arbítrio. O Contraditório só se perfaz com a possibilidade de impugnar aquilo que não é correto, que não convence.

 

O Juiz tem o dever de fundamentar também quando acolhe um laudo lacônico, pois a afirmação de que “o perito é de confiança do juízo” configura um notório cerceamento de defesa.

 

Ora, muitos juízes sequer conhecem o perito pessoalmente; nunca verificaram suas vidas pregressas e não conhecem seu histórico laboral. Como dizer que aquele perito goza da sua confiança?

 

Por conseguinte, muito acertado o tópico da Portaria ora estudada que obriga o Perito a fundamentar o seu laudo de forma detalhada.

 

DA POSSIBILIDADE DE PRESENÇA DO ADVOGADO NO LOCAL DO EXAME PERICIAL

 

Como muito bem dito pela Juíza signatária da Portaria ora comentada, a perícia médica é, sim, um ato judicial, tendo a nota Técnica 44/2012 do Conselho Federal de Medicina concluído que aquele Conselho de Classe tem como admissível a presença de advogado durante o exame.

 

E qual foi o grande acerto da Portaria nº 1 COJEF/JFA nesse sentido?

 

Muitas eram as alegações dos periciados de que alguns peritos nem analisavam seus documentos, nem mesmo faziam o exame clinico necessário a constatação da incapacidade atual. A presença do advogado, mesmo que não possa fazer nenhuma alegação no momento da perícia, certamente, inibe esse tipo de conduta.

 

Se o advogado é legalmente o auxiliar da Justiça, por que não poderia ele estar acompanhando um ato médico pericial com o consentimento do seu cliente? A Administração pública não preza pela transparência dos atos? Não interessa ao Juiz a lisura de todos os procedimentos para que se alcance a verdade real dos fatos?

 

Alguns dirão: mas existe uma questão ética no exame médico pericial, qual seja: o sigilo profissional. Ora, quem é o principal destinatário desse sigilo?  Não é o periciando. Se ele abre mão disso, qual o problema?

 

A presença do advogado no ato pericial, com as ressalvas colocadas na Portaria, é. ao meu ver, ético, justo e cumpre o papel de auxiliar a justiça na fiscalização da moralidade administrativa.

 

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DOS DEVERES DO PERITO MÉDICO

 

O perito, tal como qualquer cidadão, é sujeito de direitos e deveres. E por que colocar esses deveres num ato administrativo regulamentar?

 

Mais uma vez temos que parabenizar o acerto da Portaria nesse sentido. Entendemos que colocar os deveres do perito no expediente administrativo é demonstrar a necessidade de lisura do procedimento. Se o perito conhece os seus deveres e as partes também, amplia-se a possibilidade de controle externo, dando maior transparência ao ato.

 

O art. 3º da  Portaria , da mesma forma, atentou para deixar claro as punições cabíveis no caso de descumprimento dos deveres funcionais do expert.  Tais punições já estão previstas na Lei, mas é importante relembrá-las a fim de que sejam respeitadas.

 

DA ESTRUTURA DO LAUDO MÉDICO PERICIAL

 

O artigo 4º da Portaria ora estudada elenca os requisitos que devem constar, necessariamente no laudo médico pericial.

 

Todas as questões ali colocadas são de imensa valia para análise do direito que foi invocado. Muitas vezes, as respostas do perito vão dizer se o procedimento foi feito com a devida diligência, visto que fica fácil perceber se houve alguma contradição nas respostas dadas.

 

Aspectos biopsicossociais devem ser verificados para a concessão do direito, não se resumindo a decisão judicial em aspectos exclusivamente médicos.

 

A verificação da invalidez não se resume, por conseguinte, em comprovação de ordem exclusivamente científica ou médica, compreendendo um juízo complexo, em que se deve avaliar a concreta possibilidade de o segurado conseguir retirar do labor renda suficiente para manter sua subsistência em condições, senão iguais, ao menos proporcionais àquelas que se apresentavam antes de sua incapacitação.

 

Nesse passo, o exame médico-pericial deve se amparar não somente na avaliação clínica, mas também na repercussão do estado psicossocial do segurado sobre a sua capacidade de trabalho em atividade que lhe possibilite um razoável nível de subsistência.

 

A adoção do critério biopsicossocial de incapacidade é uma feliz realidade na jurisprudência brasileira, hoje latente nos Tribunais Regionais  Federais, Tribunais de Justiça dos Estados e nas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais

 

Como bem citado pelo professor Rafael Machado de Oliveira em seu artigo “Incapacidade biopsicossocial no Direito Previdenciário[1],a incapacidade biopsicossocial é um consenso fundado nos princípios constitucionais explícitos e implícitos e em legislação aplicada por analogia.

 

CONCLUSÃO

 

Infelizmente, na prática, nos processos judiciais de benefícios por incapacidade, muitos juízes apoiam suas decisões quase que exclusivamente no conteúdo dos laudos periciais. Sabemos bem que o magistrado não está vinculado ao laudo, mas é inegável que o laudo como prova pericial acaba sendo considerada uma prova decisiva para a questão colocada à tutela judicial.

 

Nesse passo, é precípuo que o perito indicado pelo juízo realize um trabalho escorreito, seguro e idôneo. Vale a pena aqui transcrever as instruções do Professor José Antônio Savaris[2] quanto as condicionantes impostas pelo perito judicial:

 

“O perito judicial necessita saber o que faz. Isso significa que o perito deve dominar as condicionantes da ciência médica para que preste os esclarecimentos necessários e suficientes para a solução do processo previdenciário. Deve, além disso, ter ciência de que sua manifestação não terá sentido se desprezar o universo social e a história de vida da pessoa examinada. Só assim identificará as reais condições que uma pessoa tem de desempenhar uma atividade profissional digna e que não lhe custe o agravamento de seu quadro de saúde. (...) “(Grifos nossos)

 

“Ser o profissional de confiança do juiz não significa ter a capacidade de corresponder aos mais diversos e inesgotáveis problemas médico-jurídicos que a riqueza do mundo e da vida possa oferecer. Antes, significa recusar quando não tem a segurança necessária para, naquele caso específico, contribuir com a justiça. Essa é uma exigência ética e jurídica. Se o que se exige do perito é que diga a verdade, a primeira verdade que deve dar a conhecer ao juiz é se tem ou não reais condições técnicas de realizar a perícia judicial com destreza.  De outra parte, saber que pode não saber significa reconhecer eventuais equívocos em uma primeira apreciação do caso, significa estar aberto à reconsideração, poder voltar atrás. Em nenhuma hipótese, o expert perderá a confiança do juiz por tal coisa. Ao contrário, a confiança tende a ser perdida quando as afirmações do perito são desiludidas por outro profissional ou pela força de um conjunto de provas que apresenta uma realidade que já não pode ser ignorada. (...)” (Grifos nossos)

 

“Há casos nebulosos e que fazem brotar dúvidas que atormentam o especialista até dias depois do término da atividade pericial. Em casos tais, se a inspiração do perito for cartesiana, reputar-se-á próximo ao falso tudo quanto for apenas provável. O estar provavelmente incapaz não levará a conclusão pela incapacidade.”   (Grifos nossos)

 

Enfim, trago à reflexão a visão muito pertinente de François Jacob:

 

“Não é somente o interesse que leva os homens a se matarem. É também o dogmatismo. Nada há de tão perigoso quanto a certeza de ter razão. Nada causa tanta destruição quanto a obsessão de uma verdade considerada absoluta. Todos os crimes da história são consequências de algum fanatismo. Todos os massacres foram realizados por virtude, em nome da religião verdadeira, da politica idônea, do nacionalismo legítimo, da ideologia justa; numa palavra, em nome do combate contra a verdade do outro, do combate contra Satã.” [3]

 

Todos os operadores de direito, com senso de justiça e amor aos Direitos Sociais, principalmente os da Seguridade Social, devem agradecer à Dra. Maria Helena Carreira Alvim Ribeiro pela sobriedade e coragem de publicar uma Portaria com um conteúdo tão importante para as perícias médicas judiciais no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Eu, particularmente, desejo que essa boa prática se dissemine nas Seções e Subseções de todo o Judiciário Federal com seus aperfeiçoamentos e adequações.

 

LEIA O INTEIRO TEOR DA PORTARIA Nº 01 COJEF/JFA ASSINADA PELA JUÍZA FEDERAL MARIA HELENA


 

Notas: 

 

[1] OLIVEIRA, Rafael Machado de. Incapacidade biopsicossocial no Direito Previdenciário. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18n. 358828 abr. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/24284>. Acesso em: 25 maio 2015.

[2] Curso de Pericia Judicial previdenciária/coordenação de José Antonio Savaris- 2ª ed.- Curitiba. Alteridade Editora, 2014, pg 13/14.

[3] JACOB, François. Lejeu dês possibles. Fayard, 1981, p.12. Apud JAPIASSU, Hilton. As paixões das ciências: estudos de história das ciências. São Paulo: Letras & Letras, 1991. P.10.


 

Informações sobre o texto:

 

MACEDO, Alan da Costa. Perícias médicas judiciais no âmbito dos juizados especiais federais- comentários portaria nº 01 cojef/jfa de juiz de fora-mg. Instituto de Estudos Previdenciários, Belo Horizonte, 24 junho de 2015. Disponível em:<http://www.ieprev.com.br/conteudo/id/37857/t/pericias-medicas-judiciais-no-ambito-dos-juizados-especiais-federais--comentarios-portaria-no-01-cojef-jfa-de-juiz-de-fora-mg#_ftn2 >. Acesso em: