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Pericias médicas nos Juizados Especiais Federais: polemica em nível nacional

 


Alan da Costa Macedo, Bacharel em Direito pela UFJF; Pós Graduado em Direito Constitucional, Processual, Previdenciário e Penal; Servidor da Justiça Federal, Oficial de Gabinete na 5ª Vara da Subseção Judiciária de Juiz de Fora-MG; Coordenador Geral do SITRAEMG; Professor e Conselheiro Pedagógico no IMEPREP- Instituto Multidisciplinar de Ensino Preparatório


 

Infelizmente, temos observado no cotidiano dos operadores de direito e dos segurados do INSS um grande problema na análise técnica e processual das pericias em benefícios por incapacidade requeridos na via judicial.

 

A mazela que antes se restringia às perícias médicas realizadas a cargo do INSS, hoje se estende às perícias realizadas no âmbito judicial e  tem sido substrato para cursos de extensão; congressos; seminários e, ultimamente, permeia intensos debates nos grupos de estudos das redes sociais.

 

Quando vi o renomado professor, Juiz Federal e Doutrinador José Antonio Savaris levantar o debate no facebook fiz a seguinte reflexão: a polêmica, realmente, não se restringe à Central de Pericias Judiciais na Subseção Judiciária de Juiz de Fora como observei nos cursos práticos que tenho ministrado. A demanda é nacional e merece total atenção dos órgãos correcionais de Justiça, da OAB, dos Tribunais Superiores, do Conselho Nacional de Justiça e até do Ministério Público Federal.

 

No dia 09 de maio de 2015, o citado professor Savaris fez as seguintes indagações na rede social facebook, especificamente no Grupo de Recursos nos Juizados Especiais Federais Previdenciários:

 

“Caros, o que lhes parece a seguinte sustentação: - Para que encarar como complexo o que deve ser simples se é possível simplificar o problema? As ações de benefícios por incapacidade constituem o reino dos mitos, das ficções e das formas. Não será um mito este de que os processos são simples, porque a decisão é mais médica do que jurídica? Não será uma mera ficção pericial a fixação da DII na data da realização da perícia? Não será uma ficção também a alegação de incapacidade nova quando o CNIS aponta ingresso ou reingresso tardio no RGPS, isto é, a causa fundada nas 4 contribuições? Não seria uma primazia da forma recusar produção de prova ou mesmo o direito fundamental pleiteado ao argumento de que a patologia alegada não restou formalmente analisada pelo INSS? ATENÇÃO: Não vale reclamar da vida ou expressar que nada funciona no Brasil etc etc.”

 

Colocado o debate, extraí os seguintes comentários que me pareceram mais pertinentes com o que verifico na prática diária como Oficial de Gabinete, bem como das informações que recebo de advogados alunos nos cursos em que leciono:

 

Cesar Kato 5.3.20 – A Data do Início da Incapacidade (DII) deve ser obrigatória e corretamente fixada nas mesmas situações assinaladas para a DID. É a data em que as manifestações da doença provocaram um volume de alterações morfopsicofisiológicas que impedem o d... “

 

Alexandre Mendes Lima de Oliveira Depende muito do juiz. Se ele não quiser trabalhar, quiser levar uma vida fácil, tudo fica tudo muito simples, os mitos e ficções resolvem o problema (o problema do juiz folgado, não do cidadão). Agora se o juiz for realmente comprometido com princípios de justiça, com a Constituição Federal e especialmente com o devido processo legal, o processo judicial previdenciário assume contornos de densa complexidade.”

 

Vanessa Xavier Àqueles peritos judiciais que se negam a responder os quesitos da parte autora pois acham que o advogado é um mero cidadão de segundo plano no processo de benefício por incapacidade, na minha humilde opinião deveriam ser destituídos da função de perito. Os quesitos do INSS são sempre respondidos a contento.”

 

Guilherme Portanova Mestre, só por estas indagações, já se denota por si só, porque és o Grã Mestre. Depois de ler o comentário do amigo Alexandre Mendes Lima de Oliveira, nada mais tenho a declarar, ele foi conciso e perfeito. Um grande abraço ao pai do Milo e ao senhor.”

 

Andrea Juliana Lopes Bem colocado pelos colegas Alexandre Mendes eGuilherme Portanova !!!De qualquer forma, o método socrático é perfeito!!!”

 

Denise Scarpel O que nós advogados temos visto constantemente é o perito judicial sendo o "senhor do processo". Sua verdade é tão absoluta que os demais atores passam a ser meros figurantes...uma lástima.”

 

Everson Salem Acredito que as delimitações de DII e DID não se tratam de mera ficção, pois para encontrá-las há parâmetros a serem seguidos, assim como o colega Cesar Kato mencionou
O problema é tornar o perito o grande protagonista do processo e desconsiderar tan...”

 

Marisa Lima É muito comum (mas não é normal ) ver o juiz se esquivar do bom trabalho se valendo de um perito ruim.”

 

Gus Kasaoka Penso que essa discussão se assemelha muito à própria discussão sobre a verdade; até por isso, sinto que as indagações tiveram contornos muito mais filosóficos do que jurídicos, propriamente. A perícia é meio de prova técnico, tendo por requisito: prof... “

 

Emanoel Lucimar Na minha opinião atualmente o perito de confiança do juizo é o verdadeiro juiz do processo dos benefícios por incapacidade, são poucos os juizes que avaliam todo conjunto probatório.”

 

Raquel M. Medeiros Acho impressionante quando o perito fixa a DII no dia da perícia e juiz acata tal decisão. Será que ele lê o processo?”

 

Márcia Oliveira Boa tarde! 1) As inteiradas decisões que foram proferidas sem base no conjunto probatório deixa evidente que não se trata de mito. É claro que temos julgadores que analisam as condições pessoais, mas o que impera é a rapidez de um decisão pautada somen..”.

 

Teka Garcia Cavalcanti De Albuquerque Olha!!! Já vi casos horríveis, e injustos. O perito não avalia a doença, a parte interna da pessoa, feridas que não se fecham, não se curam. O perito avalia a aparência, a beleza, a parte externa. Como diz o ditado por fora bela viola, por dentro pão bolorento. A pessoa não pode ser bonita, educada, nem estudada.” ( Grifos meus)

 

O que podemos extrair das respostas dos colegas acima? Será que a questão é só técnica ou ganha contornos políticos? Será que o Judiciário tem feito realmente o seu papel de freio e contrapeso do Poder Executivo ou se tornou o seu longa manus? Será que a imposição de metas para Juízes resulta na melhor prestação jurisdicional ou os leva a dar decisões injustas?

 

Tais questões devem ser discutidas pelos órgãos protetores dos Direitos Sociais, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública e por todos os demais organismos nacionais que ainda acreditam na Justiça.

 

Em relação aos quesitos formulados pelo Dr. José Antônio Savaris, tenho as minhas próprias respostas, as quais resumo abaixo:

 

a) Não será um mito este de que os processos são simples, porque a decisão é mais médica do que jurídica?

 

O princípio da simplicidade no âmbito dos Juizados Especiais Federais vem se tornando uma arma contra o que se idealizou para o jurisdicionado carente, cujas causas de pedir não ultrapassassem os 60 salários mínimos.

 

Certa feita, disse a uma amiga que trabalha no gabinete de uma juíza Federal: “ Não acho correto julgar improcedente os pedidos de desaposentaçao pelo 285-A do CPC, já que o STJ já pacificou que o 285-A só pode ser usado quando a decisão de primeiro grau estiver em consonância com a dos Tribunais Superiores. Se o STJ já julgou , no rito dos recursos repetitivos, a possibilidade da desaposentação, o juiz pode até julgar improcedente, pois não está vinculado, mas não pelo 285-A. “

 

Esta foi a resposta da colega: “Alan, isso aqui é JEF, se pauta pelo princípio da simplicidade e informalidade. Essas questões que você levanta valem muito para processo das Varas Federais”.

 

Daí se observa o descalabro interpretativo de juízes e servidores no que tange ao principio da simplicidade e informalidade.

 

Os princípios da simplicidade e da informalidade foram atribuídos aos Juizados Especiais para garantir que as demandas se desdobrariam de forma mais simples e informal em relação ao rito ordinário, como forma de possibilitar o eficácia do direito pleiteado com maior celeridade à parte hipossuficiente.

 

Ocorre que, hoje em dia, tais princípios vem sendo utilizados  por alguns magistrados em  total afronta ao devido processo legal.

 

O que fazer, por exemplo, quando um perito redige um laudo lacônico, sem fundamentação razoável e  conclui pela capacidade laboral do requerente, quando está mais do que evidente que a pessoa está realmente incapacitada? E quando se faz a segunda perícia e o médico (com o corporativismo que lhe é peculiar)  confirma a capacidade para o trabalho a despeito de vasta documentação constante nos autos demonstrando o contrário ? Qual o papel do Juiz nesse caso?

 

A ideia de colaboração no processo visa reforçar a comunicação dos sujeitos processuais e viabiliza o alcance da verdade real. É o juiz, portanto, o sujeito processual capaz de possibilitar este diálogo.

 

Ao revés, verificam-se traços de autoritarismo quando o juiz coloca-se acima das partes, não sendo obrigado a dialogar com os outros sujeitos processuais, que só vão reconhecer o caminho de seu pensamento na sentença.

 

Se, por um lado, cabe ao magistrado conduzir o processo, guiado pelo espírito do diálogo, por outro lado, não se deve ser ingênuo a ponto de acreditar que sempre as partes estarão dispostas a cooperar. O importante é que o magistrado facilite a cooperação, informação e possibilidade de reação das partes. É na realização do processo justo que deve ser fundamentada hoje a ideia de cooperação.

 

Em quase todos os casos, em matéria de perícia médica judicial, aplicam-se as disposições do CPC.  Nesse caso, o perito além de possuir conhecimentos técnico-científicos necessários ao encargo assumido deve ser de extrema confiança do julgador.

 

Ocorre que, na prática, o que observamos são magistrados dizendo “O perito goza da confiança do Juízo” sem ao menos conhecê-lo pessoalmente ou ter feito uma análise do currículo profissional do médico. A questão é individual ou se deve fazer uma discussão geral em nível dos órgãos de controle?

 

O perito como auxiliar da justiça deve cumprir com empenho e imparcialidade seu encargo. A palavra escrúpulo é um substantivo masculino e significa hesitação ou dúvida de consciência[1].

 

“Art. 422. O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso. Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição. (Redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.8.1992).”

 

O juiz tem, inclusive,  a possibilidade substituir o perito quando este demonstrar que carece de conhecimentos técnicos. Apesar de isso, em regra, não acontecer, tal disposição está claramente expressa no CPC:

 

Art. 424. O perito pode ser substituído quando: (Redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.8.1992).

 

I - carecer de conhecimento técnico ou científico;

 

II - sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado. (Redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.8.1992).

 

Parágrafo único. No caso previsto no inciso II, o juiz comunicará a ocorrência à corporação profissional respectiva, podendo, ainda, impor multa ao perito, fixada tendo em vista o valor da causa e o possível prejuízo decorrente do atraso no processo. (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 8.455, de 24.8.1992).” ( grifamos)

 

A prova pericial é destinada ao convencimento do julgador e ao mesmo cabe indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias. No entanto, tal indeferimento deve ser motivado e razoável, sob pena de estar configurado o cerceamento de defesa, capaz de anular a decisão judicial.

 

O juiz como um dos destinatários da prova ( a sociedade também é) incumbe estabelecer seus limites e finalidades. Estando ele convencido da veracidade das alegações, sendo as provas que instruem o processo suficientemente convincentes, pode certamente dispensar a perícia ou mesmo inadmiti-la na formação do seu convencimento (art. 436 do CPC).

 

O CPC prevê a possibilidade de ser requerer “esclarecimento”, ao perito, ou seja, o expert  e ou o assistente técnico devem se manifestar  sobre respostas já apresentadas no laudo e ou  no parecer, para  melhor elucidarem, esclarecerem  as respostas já concedidas. Podem até responder questões novas, quando intrínsecas àqueles quesitos já ofertados.

 

“Art. 435. A parte, que desejar esclarecimento do perito e do assistente técnico, requererá ao juiz que mande intimá-lo a comparecer à audiência, formulando desde logo as perguntas, sob forma de quesitos.

 

Parágrafo único. O perito e o assistente técnico só estarão obrigados a prestar os esclarecimentos a que se refere este artigo, quando intimados 5 (cinco) dias antes da audiência.”

 

O legislador previu, ainda, hipótese de formação do convencimento do juiz, independentemente do laudo pericial. A regra do livre convencimento na valoração do material probatório projeta-se no poder que se dá ao juiz de não ficar adstrito aos laudos  periciais, podendo, para o seu juízo, valer-se de outros elementos de prova existente nos autos. Tal disposição normativa decorre da máxima Judex peritus peritorum que diz: “ O Juiz é o perito dos peritos”.

 

 Muitas vezes os laudos periciais são tão inconclusivos, que o Juiz, baseado nas regras de experiência, bem como em outros elementos informadores do processo julga a despeito do laudo pericial.

 

“Art. 436. O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.” (grifamos)

 

O juiz deve deixar de ser um mero espectador inerte da batalha judicial, passando a assumir uma posição ativa, que lhe permita, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça com imparcialidade, resguardando sempre o princípio do contraditório.

 

Alguns dizem que o juiz é o único destinatário da prova, cabendo somente a ele aferir sobre a necessidade  ou não de sua realização. A meu sentir, em sentido lato, o destinatário da prova é a sociedade, uma vez que até mesmo a jurisdição está sob a fiscalização e controle de eventuais arbitrariedades.

 

Enfim, as regras processuais relativas às perícias judiciais existem, a Constituição Federal permeia toda interpretação atinente ao direito material e processual relacionado, o que impõe o dever do magistrado proferir a decisão com base na interpretação sistemática das normas conforme os fins sociais a que se dirigem.

 

Respondendo ao questionamento do Dr. Savaris, entendo que se o Juiz fundamenta sua decisão exclusivamente no laudo pericial sem confrontá-lo com os documentos trazidos aos autos, com as argumentações trazidas pelo requerente e com a análise coerente da conclusão pericial, certamente estará transformando o conceito de “justiça” num mito e não apenas a simplicidade dos processos.

 

b) Não será uma mera ficção pericial a fixação da DII na data da realização da perícia?

 

Nesse caso, entendo que o perito quando fixa da data do início da incapacidade na data da perícia, o juiz é o responsável por corrigir tal equívoco.

 

Quase todas as perícias judiciais em benefícios por incapacidade tem como fundamento analisar questão controvertida relacionada à perícia médica administrativa feita pelo INSS. O requerimento administrativo e os documentos médicos contemporâneos ao pedido que são os parâmetros para que o perito possa dizer se, com base naqueles documentos apresentados por ocasião da perícia médica administrativa, é possível precisar se o requerente estava incapaz para o serviço, naquele tempo.

 

O perito também fica confuso com quesitos mal formulados. As partes e o Juiz deveriam perguntar:

 

Tendo se tornado controversa a questão da incapacidade para o trabalho a partir do requerimento administrativo, com base nos documentos juntados pelo requerente no P.A em anexo, bem como os documentos atuais juntados pelo autor nesses autos, é possível dizer se naquela época o autor estava incapaz para o trabalho?

 

Se o perito disser que não é possível dar tal resposta exclusivamente com base em documentos, baseando-se apenas na análise clínica que fez por ocasião da perícia, quem deve retroagir a data é o juiz com fundamento no art. 436 do CPC.

 

O que se tem visto são peritos médicos judiciais se esquivando de retroagir da data de inicio da incapacidade ao requerimento administrativo, o que trás sérias desconfianças por parte do jurisdicionado e dos operadores de direito. Alguns sugerem que tais peritos têm sido persuadidos pelo assistente técnico do INSS e que recebem recomendações para somente retroagir a data em último caso. (Por quem são dadas tais orientações não se sabe).

 

Quem tem o dever de corrigir tal injustiça? O Juiz, é claro. Não pode o magistrado, na dúvida, prejudicar a parte mais frágil da relação processual. Por óbvio, a fixação da data de inicio da incapacidade na realização da perícia é uma ficção absurda que deve ser rechaçada e averiguada pelos órgãos de controle.

 

Sugiro, inclusive, que a Justiça Federal ofereça curso de formação em perícia médica judicial para os peritos judiciais como condição  sine qua non para seu ingresso e permanência nas listas de peritos a disposição da Justiça.

 

c) Não será uma ficção também a alegação de incapacidade nova quando o CNIS aponta ingresso ou reingresso tardio no RGPS, isto é, a causa fundada nas 4 contribuições?

 

Certa feita ouvi o professor Savaris dizer em um Congresso que considerava errado o caso de segurados que tem doenças patentemente pregressas à qualidade de segurado ou à carência procurarem o direito aos benefícios por incapacidade. Disse que as mazelas sociais relacionadas à pobreza e ao desemprego deviam ser resolvidas por outros meios e não pela previdência social.

 

Na mesma hora pensei: Discordo. Mas como discordar de um Doutrinador e professor a quem recorro nos momentos de dúvida? Como dizer que não aceito isso se a maior parte do que aprendi foi extraído dos seus livros e dos seus julgados?

 

Depois de muito refletir, mantive-me adequado aos meus próprios valores: não aceito que o Estado, com toda sua logística, com seu aparato de procuradores e sua notória superioridade processual em relação aos segurados se utilize dessas artimanhas para denegar benefícios àqueles que se encontram nessas hipóteses, digo: “causa fundada nas 4 contribuições”.

 

Ora, se o filiado ao RGPS ingressa no regime quando estava trabalhando, ou seja, quando podia contribuir e, por razões sociais diversas: desemprego; inflação que lhe diminuiu o poder de compras para subsistência etc, perde sua qualidade de segurado, deixou ele de ser filiado ao RGPS ou se tornou um inadimplente do sistema?

 

Penso que se tornou apenas um inadimplente. Isso por que o nosso seguro é social e não privado. Se o Estado prevê a “solidariedade” como princípio básico da seguridade social, deve se preparar para tais hipóteses.

 

Se o equilíbrio atuarial previsto na lei em vigor pressupõe, para reaquisição da qualidade de segurado, as quatro contribuições, qualquer interpretação que imponha mais restrições do que esta é claramente ilegal e inconstitucional.

 

Se formos avaliar todos os aspectos éticos relacionados á concessão ou não de benefícios previdenciários, o INSS deveria ser condenado, em muitos casos, por dano moral. Em todas as hipóteses  que a autarquia previdenciária deixa de conceder, administrativamente, um benefício e coloca o segurado na marginalidade social durante meses e até anos e, em seguida, o poder judiciário verifica o erro da autarquia, deveria aquela reparar o dano moral sofrido durante todo tempo em que o segurado deixou de pagar as suas contas e foi submetido à humilhação social. Isso , no entanto, não ocorre.

 

Ao revés, em relação ao segurado que, acometido de alguma doença (que pode ou não tornar-lhe incapaz naquele momento), regulariza sua situação conforme exigência legal, pagando as 4 contribuições necessárias á reaquisição da qualidade de segurado, podemos presumir a sua má-fé em todos os casos?  Por que esses dois pesos e duas medidas?

 

O Juiz pode até intuir que a doença da pessoa era preexistente com base na verificação do CNIS do segurado, mas não fundamentar decisões com base em intuição. Se o INSS não trouxer aos autos documentos que demonstrem a preexistência da doença incapacitante, o Juiz, a meu ver, deve se ater ao que está nos autos e não julgar com base em ilações. Não existe uma máquina do tempo capaz de dizer a data em que tal doença começou ou a data em que tal doença tornou o segurado incapaz. Somente os documentos juntados aos autos serão o parâmetro para tal constatação.

 

Nesse passo, só haverá ficção na alegação de doença nova, quando ficar provado que o requerente realmente tinha a “incapacidade” no período em que não tinha a carência e/ou a qualidade de segurado. Isso tem que ser apurado com a garantia do devido processo legal.

 

Aqui se aplica a primazia da forma, legitimamente, pois tal interpretação seria in dúbio pro misero.  Se é o INSS que alega a doença preexistente, ou seja, fato desconstitutivo do direito do autor, é seu o ônus de produzir tal prova.

 

d) Não seria uma primazia da forma recusar produção de prova ou mesmo o direito fundamental pleiteado ao argumento de que a patologia alegada não restou formalmente analisada pelo INSS?

 

Nesse caso, entendo que , quando o INSS analisa uma situação de incapacidade, deve verificar todas as doenças que são suscetíveis de tal constatação. Não só aquelas que estiverem documentadas no P.A, mas todas as descritas pelo segurado e cuja sintomatologia se apresente em seu relato e no exame clínico.

 

Veja-se o que diz o próprio Manual de Perícias Médicas do INSS em relação aos procedimentos técnicos para um correto diagnóstico das patologias apresentadas e o seu grau de incapacidade:

 

“5.3.11 – Os sintomas ou doenças informados como sendo a causa do afastamento do trabalho devem ser minuciosamente caracterizados, pois a simples listagem dos mesmos não permite, na maioria das vezes, chegar a uma hipótese diagnóstica fidedigna. Os sintomas devem ser caracterizados com respeito à localização, intensidade, freqüência, fatores de exacerbação ou atenuantes. Deve-se registrar, ainda, a evolução da doença, tratamentos realizados, internações hospitalares, etc. As informações documentais, além de anotadas, devem ser anexadas aos antecedentes médico-periciais.

 

5.3.12 – Registrar todos os antecedentes mórbidos pessoais que tenham significado para a abordagem Médico-Pericial situando-os no tempo/evolução.

 

5.3.13 – A pressão arterial, pulso, peso e altura devem ser registrados em campo

 

próprio, bem como o aspecto geral, com termos claros e objetivos.

 

5.3.14 – Devem ser descritos os dados pertinentes à observação por palpação,percussão e ausculta referentes aos aparelhos e sistemas afetados. Sempre que possível esses dados devem ser qualificados/quantificados. Deve ser dada a ênfase principalmente aos elementos que guardam relação direta com a atividade laborativa.

 

5.3.15 – Ao término de um exame clínico cuidadoso e bem conduzido, o profissional da área médico-pericial, quase sempre tem condições de firmar um diagnóstico provável, pelo menos genérico ou sindrômico, de modo a lhe permitir uma avaliação de capacidade funcional e de capacidade laborativa. Quando o resultado do exame clínico não for convincente e as dúvidas puderem ser aclaradas por exames subsidiários, poderão estes ser requisitados, mas restritos ao mínimo indispensável à avaliação da capacidade laborativa. (...)

 

5.3.18 – A capacidade laborativa deve ser definida o mais precisamente possível,considerando-se os dados clínicos da história, exame físico apresentado e a atividade exercida.

 

O Manual de Perícias médicas do INSS indica que o perito deve pedir exames complementares quando suspeitar de alguma patologia que não pôde ser verificada ao exame clínico, senão veja-se:

 

“8 – REQUISIÇÃO DE EXAMES

 

8.1 – Antes de proferir a conclusão médico-pericial é facultado à perícia médica a requisição de exames complementares e especializados que julgar indispensáveis, de acordo com as normas técnicas.

 

8.2 – A requisição só deverá ser efetuada quando seu resultado for indispensável para avaliação da incapacidade ou de sua duração.”

 

Observe-se que, ao contrário do que entendem alguns juízes (quando indeferem pedidos de segunda perícia), até mesmo o INSS, em seu manual de perícias, admite a possibilidade de re-análise do laudo pericial:

 

“11 – RE- ANÁLISE

 

11.1 – Re-análise é o ato médico-pericial que visa à re-apreciação do exame médico pericial, principalmente da sua conclusão, por iniciativa da Instituição ou a pedido do segurado.

 

11.2 – A re-análise por iniciativa da Instituição - revisão analítica - refere-se à conclusão que já produziu seus efeitos; tem por finalidade propiciar supervisão, controle e correção de acordo com as necessidades e por determinação da Chefia do Serviço/Seção de Gerenciamento de Benefícios por Incapacidade.

 

11.3 – A manutenção ou alteração de conclusão poderá ocorrer por meio de Revisões Analíticas, que poderão ser:

 

a) antecipadas, inclusive transformadas em DCB, com convocação do segurado para nova perícia.

 

b) prorrogadas, inclusive com limite indefinido (LI);

 

c) confirmadas, simplesmente ou com indicação de exames complementares no limite ou indicação de reabilitação profissional.”

 

11.5 – A revisão a pedido processar-se-á por solicitação escrita do segurado (Pedido de Antecipação de Limite e Alta Antecipada - fase 5). A revisão a pedido será, obrigatoriamente, instruída por novo exame médico-pericial.

 

11.6 – A revisão deve abranger o aspecto formal e técnico com especial atenção à coerência entre os dados registrados no laudo médico, os resultados dos exames subsidiários e a conclusão médico-pericial.

 

Pelo exposto, diante do princípio da informalidade nos Juizados Especiais Federais, bem como no dever da autarquia de apurar todas as circunstancias (verbalizadas) apresentadas na ocasião da perícia administrativa, seria realmente uma primazia da forma (ilegítima) recusar produção de prova pleiteada ao argumento de que a patologia alegada não restou formalmente analisada pelo INSS.

 

Nota:

1. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Editora Positivo, pág. 796.

 

Informações sobre o texto:

 

MACEDO, Alan da Costa. Pericias médicas nos Juizados Especiais Federais Especiais: polemica em nível nacional. Instituto de Estudos Previdenciários, Belo Horizonte, ano 9, n. 353, 13 mai. 2015. Disponível em<http://www.ieprev.com.br/conteudo/id/37428/t/pericias-medicas-nos-juizados-especiais-federais-especiais:-polemica-em-nivel-nacional > Acesso em: _._.