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Proposta do IEPREV, entidades que representam os servidores públicos e aposentados do Brasil e juristas sobre a MP 664/2014, que alterou regras sobre o cálculo de auxílio-doença e pensão por morte

Exmo. Sr. Deputado da Câmara Federal da República Federativa do Brasil

Exmo. Sr. Senador Federal da Republica Federativa do Brasil

Tema: Medida Provisória n. 664/2014

 

Requerentes:

IEPREV – INSTITUTO DE ESTUDOS PREVIDENCIÁRIOS, inscrito no CNPJ n. 08.429.802/0001-23, representado pelo seu Presidente Roberto de Carvalho Santos, inscrito na OAB-MG sob o n. 92298, com sede em Belo Horizonte-MG, na Rua Timbiras n 1940, salas 510/511/512/810/811/1016/1017/1218, Lourdes, CEP 30330-240; SITRAEMG- SINDICATO DOS TRABALHADORES DO PODER JUDICIÁRIO FEDERAL NO ESTADO DE MINAS GERAIS, representado por Alan da Costa Macedo – Coordenador Geral do SITRAEMGFAP/MG – FEDERAÇÃO DAS ENTIDADES DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS DE MINAS GERAIS, representada por Robson de Souza Bittencourt – Presidentecomissão especial de Direito Previdenciário e assistência social da oab/CErepresentada por Alessandra Elice Lopes Crescêncio Pereira, inscrita na OAB-CE sob o nº 18.949COMISSÃO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL DA OAB/Niterói-RJ, representada por Ignez Maria de Lemos Lyra – Vice-Presidente; ROBERTO DE CARVALHO SANTOS SOCIEDADE DE ADVOGADOS, representada por Roberto de Carvalho Santos – Sócio-FundadorMALCON ROBERT LIMA GOMES, RG 1.059.522/PI; MARCO TÚLIO DE CASTRO – OAB/MG 91.448; FERNANDA CARVALHO CAMPOS E MACEDO – OAB/MG 126.544; DIEGO FRANCO GONÇALVES – OAB/MG 124.196; SIBELE BARONY BUENO – OAB/MG 90.416; FRANCISCO JOSÉ CRESCÊNCIO PEREIRA – OAB/CE 3.784; ANDRÉ LUÍS RODRIGUES – OAB/MG 138.423; KÁTHIA WALÊSKA LOPES CRESCÊNCIO PEREIRA – OAB/CE 20.432; PATRÍCIA CARNEIRO DO NASCIMENTO RODRIGUES – OAB/CE 31.006; PEDRO SAGLIONI DE FARIA FONSECA – OAB/MG 121.669; THIAGO GONÇALVES DE ARAÚJO – OAB/MG 129.279; NAIARA MARTINS FREITAS – OAB/MG 148.521; LUIZ FELIPE PEREIRA VERÍSSIMO – OAB/MG 150.122; PEDRO HENRIQUE LUCAS SANTOS – OAB/MG 156.991

 

O documento abaixo é resultado de estudo realizado por várias entidades e juristas que lidam com a temática previdenciária sobre as inovações introduzidas pela Medida Provisória nº 664/2014, que alterou diversos dispositivos da Lei nº 8.213/1991 (Lei que regula o Plano de Benefícios do RGPS) e da Lei nº 8.112/1990 (Lei que regula o Regime Próprio de Previdência Social dos servidores públicos federais).

 

O primeiro objetivo do presente requerimento é evitar a conversão em lei da inconstitucional Medida Provisória por não atender aos requisitos de admissibilidade expressamente tipificados no texto constitucional, motivo pelo qual entendemos que a MP sequer deverá ser apreciada em seu mérito pelo Congresso Nacional.

 

Infelizmente o Poder Executivo federal tem feito uso abusivo da medida provisória para modificar importantes matérias que deveriam ser debatidas no âmbito do Congresso Nacional. A MP é medida que deveria ser utilizada somente em casos excepcionalíssimos, eis que mitiga o princípio da separação dos poderes e interfere na normalidade institucional do Poder Legislativo.

 

Aliás, essa foi a argumentação apresentada pelo Presidente do Congresso Nacional ao rejeitar, de pronto, a MP n. 669/2015, que tratava de modificar a desoneração da folha de salários, tendo o Exmo. Sr.Senador Renan Calheiros entendido que o instrumento normativo adequado não seria a Medida Provisória e sim um projeto de lei. Infelizmente, no tocante à edição da MP n. 664/2014, o procedimento adotado não foi o mesmo, o que se impõe até mesmo em prestígio à congruência e coesão institucional e principiológica adotada pelo Congresso Nacional.

 

A famigerada MP n. 664/2014 constitui flagrante desrespeito à Constituição Federal por não restar configurado o requisito da urgência. O Poder Executivo se equivoca ao argumentar que é fundamental e urgente aprovar a MP para garantir o equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social.

 

Esse argumento é falacioso, conforme se comprovará abaixo, pois a Previdência Social, subsistema da Seguridade Social, encontra-se superavitária. De outra feita, essa discussão poderia ser feita, de forma democrática, por intermédio de um projeto de lei com pedido de urgência e não de forma açodada e subjugando o Poder Legislativo de forma abusiva e autoritária. Há de se ponderar, ainda, o disposto no art. 246 da Constituição Federal, que veda a adoção de MP na regulamentação de artigo constitucional com redação dada por Emenda Constitucional promulgada entre 1995 e 2001.

 

Esse artigo foi impiedosamente afrontado, porquanto o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, pilar sobre o qual a Presidência da República se baseia para alterar diversos dispositivos da legislação previdenciária, somente foi introduzido em 16 de dezembro de 1998 por força da EC n. 20/98.

 

Antes de mais nada, o que precisamos, em um momento de crise financeira, não é diminuir o poder aquisitivo de benefícios previdenciários. Isto agrava a retração da economia e prejudica pessoas hipossuficiente, afetando sua dignidade e sua sobrevivência.

 

Os argumentos pontuais apresentados pelo Poder Executivo federal traduzem-se em exceções alçados à categoria de regra geral. O teto do RGPS é de R$ 4.663,75, mas quando se pondera todos os valores pagos para mais de 30 milhões de segurados do RGPS, chega-se a uma média de R$ 1.144,70 (VALOR MÉDIO DOS BENEFÍCIOS), segundo o último anuário estatístico divulgado em março de 2015 pelo MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Vejam que a maior parte dos brasileiros recebem benefícios próximos de um salário mínimo e as modificações previstas pelo Poder Executivo federal diminuirá, ainda mais, o poder de compra desses brasileiros, o que poderá agravar a crise econômica atualmente em vigor.

 

Caso haja a admissão da MP, o que se apenas cogita em atenção ao princípio da eventualidade, apresentamos neste documento considerações acerca das questões de fundo das alterações normativas e sugestões de mudanças, baseando-se, inclusive, em emendas já apresentadas pelos doutos parlamentares.Tendo em vista a extensão do documento, apresentamos, de forma sintética e didática, uma tabela constando os argumentos e principais pedidos formulados.

 

Ressalte-se que o relatório elaborado pelo Dep. Federal Carlos Zarattini, que versa sobre a MP 664/2014, apesar de menos gravoso aos direitos dos segurados e seus dependentes em alguns aspectos, ainda representa um indubitável retrocesso social.

 

O referido relatório do eminente relator sugere uma carência, a ser cumprida pelo segurado, de 18 contribuições mensais (ao invés de 24 contribuições) para a pensão por morte e auxílio reclusão e, lamentavelmente, mantém o prazo de 24 meses de casamento ou união estável como requisito para a concessão dos referidos benefícios previdenciários em relação aos cônjuges/companheiros. O relatório apresenta uma proposta de alteração no sentido de que, caso não sejam cumpridos os requisitos mencionados, a pensão será paga por apenas 04 meses. Não há também qualquer sugestão de alteração, no bojo do relatório aduzido, sobre a modificação da draconiana regra de cálculo do salário de benefício do auxílio-doença.

 

O relatório do Dep. Federal Carlos Zarattini merece, contudo, aprovação ao excluir a previsão de coeficientes de cálculo da pensão e auxílio reclusão a partir do percentual de 50%, sob o argumento de que tal alteração afrontaria o princípio da isonomia em relação ao tratamento normativo conferido aos servidores públicos vinculados ao RPPS, o que também configuraria incontroverso retrocesso social.

 

O entendimento míope de que o Regime Geral da Previdência Social é deficitário desconsidera que esse subsistema integra a Seguridade Social (art. 194 da CF), bem como o princípio inscrito no parágrafo único do mesmo art. 194 que trata da diversidade da base de financiamento.

 

As contribuições sociais elencadas no art. 195 são tributos vinculados cuja receita deve ser destinada exclusivamente ao financiamento dos três sistemas de proteção social: saúde, assistência social e previdência social. A CF autoriza, ainda, a instituição de novas fontes de custeio (§4º do art. 195 da CF) destinadas a garantir a expansão ou manutenção da seguridade social, desde que haja a publicação de lei complementar emanada da União Federal.

 

Não obstante o comando constitucional expresso, foi instituída a famigerada DRU – Desvinculação das Receitas da União, que permite ao governo federal desvincular até 20% das receitas das contribuições sociais, excetuando as previdenciárias. No ano de 2012, conforme informações divulgadas pelo Senado Federal, a DRU representou o valor de R$ 60 bilhões desviados do Orçamento da Seguridade Social.

 

A Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, em parceria com a Fundação de Estudos da Seguridade Social, divulgou um estudo chamado Análise da Seguridade Social – 2013, apresentando, em suas conclusões, a situação de superávit do Orçamento da Seguridade Social nos anos de 2012 e 2013, in verbis:

 

Em 2013, o Orçamento da Seguridade Social apresentou um resultado positivo de R$ 76,2 bilhões. Inferior aos R$ 82,7 bilhões de 2012,mas um surpreendente superávit. Foram R$ 651,0 bilhões em receitas, onde  R$634,2 bilhões em contribuições sociais.”

 

Com efeito, exatamente para efetivar o postulado da universalidade da cobertura e do atendimento, é que a Constituição Federal concebeu a diversidade da base de financiamento da Seguridade Social (parágrafo único, inciso VI, do art. 194, da CF), de maneira que a busca pela concretização do princípio do equilíbrio financeiro do regime previdenciário não pode desconsiderar outras receitas a título de contribuições sociais, devendo-se evitar a ótica estreita que analisa o panorama do RGPS somente sob o viés da arrecadação das contribuições previdenciárias.

 

O objetivo da universalidade da cobertura e do atendimento, combinado com o princípio da solidariedade - viga mestra do sistema de Seguridade Social -é a expansão da cobertura da rede de proteção social e não sua mitigação, devendo ser encontrados mecanismos, que não representem retrocesso na aquisição de direitos sociais fundamentais, capazes de tornar a proteção cada vez mais ampla, sem prejuízo da constatação de que existem limites subjetivos e objetivos razoáveis que impedem que esse postulado se efetive em toda a sua inteireza.

 

O ex-Ministro do STF, Eros Roberto Grau,  bem destaca nessa linha:

 

“Se a Constituição é, toda ela, norma jurídica, todos os direitos nela contemplados têm aplicabilidade direta, vinculando tanto o Judiciário, quanto o Executivo e o Legislativo. Assim as normas programáticas, sobretudo as atributivas de direitos sociais econômicos, devem ser entendidas como diretamente aplicáveis e imediatamente vinculantes de todos os órgãos do Poder”.  GRAU, Eros Roberto. A Constituição Brasileira e as Normas Programáticas. RDC⁄04. Rio de Janeiro: Forense.

 

Daí a existência, no mesmo parágrafo único do art. 194 da CF, de outro princípio que é a seletividade que deverá ser ponderado com o da distributividade, não se admitindo que o legislador, ao seu alvedrio, crie requisitos e limitações que sejam incompatíveis com a harmonia do regime protetivo constitucional e nem mesmo estabeleça antinomias no sistema previdenciário atualmente em vigor, alijando a dignidade da pessoa humana e desnaturando a solidariedade do arcabouço normativo.

 

Dizer que o número de concessão de pensão por morte está aumentando é algo perfeitamente plausível considerando o aumento da expectativa de sobrevida da população brasileira e o aumento da cobertura previdenciária, ou seja, mais pessoas estão sob o manto protetivo da Previdência Social, seja em razão de programas como o SIMPLES, MEI, diminuição de alíquotas para contribuintes individuais e facultativos etc. -políticas públicas que aumentam o número de pessoas protegidas -, tornando-as menos dependentes das políticas de assistência social.

 

Certamente o aumento do número de concessões desses benefícios não decorre da inexistência do prazo de carência, regra que vigora desde a Lei n. 8.213/91, já que situações caracterizadoras de fraude ou simulação constituem exceções que devem ser combatidas com veemência pelos órgãos de controle. Da mesma forma, o aumento de concessão de auxílio doença decorre das próprias explicações apresentadas na Exposição de Motivos da MP, ou seja, a constatação do aumento do grau de cronicidade das doenças, além da ineficácia dos programas públicos de assistência à saúde e a inoperância do programa de reabilitação profissional.

 

De outra banda, medidas pontuais adotadas nos últimos anos – visando a desonerar a folha de salários de alguns setores da economia – representou no ano de 2015 uma perda de R$ 25 bilhões para os cofres da Previdência Social.

 

Segundo amplamente divulgado na mídia, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que o governo não está eliminando, mas reduzindo o benefício tributário. "Essa brincadeira [desoneração da folha] nos custa R$ 25 bilhões por ano e vários estudos nos mostram que isso não tem protegido o emprego. Tem que saber ajustar quando não está dando resultado. Não deu os resultados que se imaginava e se mostrou extremamente caro", declarou.

 

 (http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/02/governo-aumenta-tributo-sobre-desoneracao-da-folha-de-pagamentos.html)

 

O Governo Federal enviou ao Congresso Nacional a MP n. 669/2015 sob a mesma alegação de que era preciso urgentemente rever a política de desoneração em face dos impactos no equilíbrio financeiro do RGPS, o mesmo motivo invocado para a publicação da MP 664/2015. O Presidente do Congresso Nacional devolveu ao Executivo Federal a MP 669/2015 no dia 27 de fevereiro de 2015 entendendo que o instrumento da medida provisória não poderia ser utilizado para tratar de tal sistemática, muito embora não tenha havido o mesmo posicionamento institucional no tocante a MP 664/2014. Eis o que foi anunciado na mídia:

 

“O Poder Executivo,ao abusar das medidas provisórias, que deveriam ser medidas excepcionais, deturpa o conceito de separação de Poderes, invertendo os papeis constitucionalmente talhados a cada um dos Poderes da República.Assim, o excesso de medidas provisórias configura desrespeito à prerrogativa principal deste Senado Federal — observou Renan, ressaltando que o Regimento do Senado dá ao presidente da Casa a prerrogativa de barrar propostas contrárias à Constituição ou às leis.

 

Outro argumento apresentado por Renan foi que a mudança na desoneração poderia ter sido proposta por meio de um projeto de lei com possibilidade de urgência constitucional. Ele argumentou ainda que a medida provisória afronta o princípio da segurança jurídica.”

 

O que se pede aos doutos parlamentares é que adotem o mesmo posicionamento manifestado quando da edição da MP n. 242, de 24 de março de 2005, que foi rejeitada pelo Senado por não cumprir os requisitos de admissibilidade e também a postura adotada em relação a MP que visava a redução da desoneração da folha de salário, a fim de que o governo federal, de forma democrática e em respeito ao princípio da separação dos poderes, possa apresentar suas propostas no bojo de um projeto de lei, com pedido de urgência se for o caso.

 

Outra questão correlatada ao tema aqui abordado diz respeito ao pagamento de benefícios previdenciários para algumas categorias de trabalhadores rurais sem qualquer contrapartida previdenciária.

 

Obviamente, para o custeio desses benefícios previdenciários, não se pode ter apenas como foco a arrecadação das contribuições previdenciárias, praticamente inexpressiva no segmento rural, diante da própria isenção da contribuição previdenciária patronal (CPP) para os produtores rurais e da inexigibilidade de contribuição previdenciária para o segurado especial fazer jus a diversos benefícios do RGPS.

 

Nessa hipótese, impõe-se, conforme determina a própria Constituição Federal (diversidade da base de financiamento), a utilização de outras receitas do Orçamento da Seguridade Social para o financiamento das aposentadorias dos trabalhadores rurais, especialmente os chamados segurados especiais (art. 39 da Lei n. 8.213/91), para a promoção da transferência de renda da área urbana para a área rural. Existem, portanto, diversas outras fontes de custeio constitucionalmente previstas para a manutenção do equilíbrio financeiro do sistema (COFINS, CSLL, concurso de prognóstico etc.)

 

O que é importante repudiar é a edição de normas jurídicas que suprimem direitos sociais previdenciários, sobretudo dos trabalhadores urbanos sob o pretexto de que é preciso diminuir o grau de proteção social daqueles que exercem atividades urbanas para o financiamento das aposentadorias não contributivas dos trabalhadores rurais. Nesse sentido, eis o que foi anunciado pelo próprio MPS em seu site:

 

”Em julho de 2014, o saldo entre arrecadação e despesa de benefícios do setor urbano foi de R$ 1,9 bilhão – é o sétimo superávit mensal do ano. A arrecadação foi de R$ 26,3 bilhões (aumento de 2,2% em relação ao mesmo mês do ano passado). Já a despesa com pagamento de benefícios cresceu 6,3% e foi de cerca de R$ 24,3 bilhões. Os valores levam em conta o pagamento de sentenças judiciais e a Compensação Previdenciária (Comprev) entre o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) de estados e municípios.

 

No acumulado do ano, a arrecadação, em valores reais, soma R$ 180,4 bilhões – aumento de 4,6% em relação ao mesmo período de 2013. A despesa foi de R$ 164,5 bilhões. O resultado urbano, a preços de julho de 2014, corrigidos pelo INPC, é um superávit de R$ 15,9 bilhões – 42% maior que o registrado no mesmo período do ano passado.

 

Rural – A arrecadação no setor rural, em julho de 2014, cresceu 1,7% se comparada ao mesmo mês de 2013 e somou R$ 548,6 milhões. A despesa com o pagamento de benefícios foi de R$ 7,5 bilhões. A diferença entre arrecadação e despesa gerou necessidade de financiamento para o setor de R$ 6,9 bilhões.”

 

Não há dúvida de que medidas provisórias como esta somente geram crescente perda do poder aquisitivo da população urbana, sem qualquer justificativa sob o viés do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, que, aliás, jamais poderia ser regulamentado por força de Medida Provisória, nos termos do art. 246 da CF, sob pena de aniquilar o necessário debate democrático essencial para a construção de um consenso entre os representantes da população brasileira.

 

Não obstante o princípio do retrocesso social tem sido alvo de interpretações ambíguas e contraditórias, quando se trata das políticas de Seguridade Social, esse postulado ganha um contorno mais robusto quando ficam evidentes que os pressupostos que pretensamente justificam a supressão de direitos sociais fundamentais estão desconexos com as estatísticas apresentadas pelo próprio Governo Federal e se fundam, de forma odiosa, em uma presunção de má-fé praticamente absoluta dos segurados do RGPS, conspurcando a própria dignidade da pessoa humana.

 

A Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo, ainda que implicitamente, o princípio da proibição de retrocesso social. Tal princípio almeja a vedação da supressão ou da redução de direitos fundamentais sociais, em níveis já alcançados e garantidos aos brasileiros.

 

O princípio de proibição ao retrocesso social é, portanto, inerente ao Estado Democrático de Direito (artigo 3º, inciso II c/c § 2º do artigo 5º da CR/88) e que tem por essência efetivar promessas modernas para o desenvolvimento social, vocacionadaspor uma Constituição Dirigente, tal como a Constituição Federal de 1988, o qual estabelece orientações para a atuação futura dos órgãos do Estado, com suas normas programáticas (argumentos apresentados pela DPU no RE 826572-DF).

 

A chamada reserva do possível somente pode ser invocada em situações excepcionalíssimas em matéria de direitos sociais quando existe prova inequívoca acerca da inexistência de recursos financeiros para a concretização das prestações positivas estatais, situação que não se configura no caso em apreço diante da clara constatação de que a Seguridade Social é superavitária e ainda convivemos com a teratológica DRU em nosso ordenamento jurídico pátrio, sem, ainda, desconsiderar a adoção de renúncias fiscais açodadasque comprometem a arrecadação previdenciária, conforme o próprio Governo Federal tem reconhecido diuturnamente.

 

O que precisamos é aumentar a cobertura previdenciária brasileira, o que se faz também com maiores investimentos na educação previdenciária da população. Segundo dados do IBGE, o nível de cobertura previdenciária, embora tenha se expandido nos últimos anos, ainda é insuficiente: apenas 23% dos empregados domésticos estão cobertos pelo INSS; 41% dos trabalhadores autônomos estão vinculados ao INSS; e apenas 2% da população não economicamente ativa recolhem como segurados facultativos ao INSS. Aumentar essa cobertura previdenciária em níveis significativos, resultará em maior arrecadação para os cofres da Previdência Social.

 

O Ministro Celso de Mello, ao comentar sobre as prestações positivas relacionadas à Seguridade Social, assim asseverou no julgamento do ARE 745745 AgR, julgado em 02/12/2014, DJe-250 DIVULG 18-12-2014 PUBLIC 19-12-2014):

 

“(...) Refiro-me ao princípio da proibição do retrocesso , que, em tema de direitos fundamentais de caráter social, impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive, consoante adverte autorizado magistério doutrinário (GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais”, 1ª ed./2ª tir., p. 127/128, 2002, Brasília Jurídica; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 320/322, item n. 03, 1998, Almedina; ANDREAS JOACHIM KRELL, “Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha”,

 

p. 40, 2002, Sergio Antonio Fabris Editor; INGO W. SARLET, “Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988”, “in

 

” Interesse Público, p. 91/107, n. 12, 2001, Notadez; THAIS MARIA RIEDEL DE RESENDE ZUBA, “O Direito Previdenciário e o Princípio da Vedação do Retrocesso”, p. 107/139, itens ns. 3.1 a 3.4, 2013, LTr, v.g.).” 

 

1.                 PRELIMINARMENTE – DO NÃO CABIMENTO DE MEDIDA PROVISÓRIA PARA PROMOVER ALTERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA

 

A edição da Medida Provisória 664/2014, que altera, sobretudo, diversos dispositivos da Lei nº 8.213/1991 e Lei nº 8.112/1990, carece dos requisitos de admissibilidade previstos na Constituição Federal.

 

Primeiramente, verifica-se afronta ao art. 246 da Constituição Federal, que veda a adoção de MP na regulamentação de artigo constitucional com redação dada por Emenda Constitucional promulgada entre 1995 e 2001.

 

O principal argumento sobre o qual o Poder Executivo Federal menciona para a edição da MP 664/2014 é o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial introduzido nos artigos 40 e 201 da Constituição Federal. Conforme se infere da exposição de motivos apresentada, tal princípio é invocado em diversos trechos do texto apresentado (itens 2 e 15). Também as modificações previstas afetam a eficácia normativa do art. 201, §11 da Constituição Federal, que trata do caráter retributivo do sistema previdenciário em face das contribuições vertidas pelos trabalhadores, preceito veiculado pela EC nº 20/1998.

 

O Supremo Tribunal Federal - STF, nos autos da Medida Cautelar na ADI nº 2.111, quando do exame da constitucionalidade do fator previdenciário, instituído pela Lei nº 9.876/1999, bem como a criação de nova regra de cálculo dos benefícios previdenciários, somente entendeu constitucionais as alterações normativas em função da existência expressa do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial por força da EC nº 20/1998. Transcreve-se abaixo trecho da ementa do julgado do STF:

 

“Aliás, com essa nova redação, não deixaram de ser adotados, na Lei, critérios destinados a preservar o equilíbrio financeiro e atuarial, como determinado no “caput” do novo art. 201.

 

O equilíbrio financeiro é o previsto no orçamento geral da União.

 

E o equilíbrio atuarial foi buscado, pela Lei, com critérios relacionados com a expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria, com o tempo de contribuição e com a idade, até esse momento, e, ainda, com a alíquota de contribuição correspondente a 0,31.”

 

Com efeito, quaisquer alterações que envolvam a edição de normas fundamentadas no princípio do equilíbrio financeiro e atuarial não podem ser veiculadas por força de medida provisória.

 

De outra feita, o requisito da urgência previsto no art. 62 da Constituição Federal não se encontra consubstanciado no caso em tela, eis que o alegado e falacioso déficit nas contas da Previdência Social já tem sido decantado há anos pelo Poder Executivo, não sendo concebível que tal matéria seja tratada por força de medida provisória, especialmente porque o Governo Federal possui mecanismos institucionais previstos na própria Constituição Federal (§ 1º do art. 64)para solicitar urgência na apreciação de projetos de lei de iniciativa do Poder Executivo.

 

Eis a lição de Carrazza (MAIA, Cleusa Aparecida da Costa. Medida Provisória: controle jurisdicional dos pressupostos que a legitimam – relevância e urgência. Revista Imes – Direito, Ano 7, n. 12, jan. dez. 2006. p. 137-172., p. 159), assim se manifesta sobre o pressuposto urgência:

 

“[...] só há urgência, a autorizar a edição de medidas provisórias, quando, comprovadamente, inexistir tempo hábil para que uma dada matéria, sem grandes inilidíveis prejuízos à Nação venha a ser disciplina por meio de lei ordinária. Ora, é perfeitamente possível, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 64 da CF, aprovar-se uma lei ordinária no prazo de 45 dias contados da apresentação do projeto. Logo, em nosso direito positivo só há urgência se realmente não se puder aguardar 45 dias para que uma lei ordinária venha a ser aprovada, regulando o assunto [...].”

 

O STF, quando do julgamento da ADI 3.467/DF, analisando a edição da MP 242, de 24 de março de 2005, que alterou especialmente regras de cálculo de benefícios previdenciários, rejeitou a utilização da MP para esse propósito no bojo da medida cautelar deferida pelo Ministro Marco Aurélio. A mencionada ADI perdeu o seu objeto em face do Ato Declaratório nº 01 do Senado Federal, que também entendeu pela inexistência das condições de admissibilidade da MP.

 

Transcreve-se abaixo trecho do voto do Ministro Marco Aurélio sobre o não cabimento da MP 242:

 

“Os preceitos constantes da medida provisória são conducentes a concluir-se pela modificação dos parâmetros alusivos à aquisição do benefício – auxílio-doença. Em síntese, acionou-se permissivo, a encerrar exceção, da Lei Fundamental - o instrumento, ao primeiro passo e sem prejuízo da normatividade, monocrático da Medida Provisória -, para mudar as balizas do sistema de benefício. Vislumbrou-se relevância e urgência na restrição do auxílio-doença. Desprezou-se a necessidade de as alterações, antes de surtirem efeito, passarem pelo crivo dos representantes do povo – deputados federais - e dos representantes dos Estados – senadores da República. Entendeu-se possível prescindir da lei em sentido formal e material, olvidando-se, até mesmo, a possibilidade de se encaminhar projeto de lei, requerendo, o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, a urgência disciplinada no artigo 64 da Constituição Federal. Tudo foi feito considerada a quadra deficitária da Previdência Social - que não é de hoje e que tem origem não na outorga do benefício auxílio-doença a trabalhadores que a ele tivessem jus, de acordo com a Lei nº 8.213/91, mas em distorções de toda a ordem, sem levar em conta as fraudes que custam a ser coibidas.

 

Vejo a situação revelada por estas ações diretas de inconstitucionalidade como emblemática, a demonstrar, a mais não poder, o uso abusivo da medida provisória.

 

2.3.      Da violência ao artigo 246 da Constituição Federal.

 

Relembre-se o teor do dispositivo, que teve a redação alterada pelas Emendas Constitucionais nºs 6/95, 7/95 e, por último, 32/2001:

 

Art. 246. É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive. (EC nº6/95, EC nº 7/95 e EC nº 32/2001)

 

            O período apanhado, como está no texto do artigo, vai de 1º de janeiro de 1995 até a promulgação da Emenda Constitucional nº 32/2001. Argumenta-se que se acabou por reger tema previdenciário após alteração da Carta da República introduzida pela Emenda Constitucional nº 20/98. Na própria exposição de motivos referente à medida provisória, do Ministro de Estado da Previdência Social, ficou explicitada a origem do que nela se contém. Eis o trecho respectivo:

 

A Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, expressou a vontade de regulamentar, mediante lei ordinária, alteração do cálculo do benefício, suprimindo assim o texto constitucional referente à média dos 36 últimos salários de contribuição que eram então considerados para o cálculo do benefício.

 

            Realmente, de acordo com o texto primitivo do artigo 201, os planos de previdência social mediante contribuição deveriam atender, nos termos da lei, a certos objetivos, sendo que o artigo 202, ainda na redação primitiva, dispunha sobre a problemática do cálculo de benefício de aposentadoria, aludindo à média dos 36 últimos salários-de-contribuição. Com a nova disciplina, deu-se ao legislador – e, entenda-se, para versar o tema sob o ângulo formal e material - campo maior de atuação. Difícil mesmo é imaginar que a medida provisória haja surgido em face dos termos primitivos do sistema constitucional de benefícios que gerou, isso sim, a Lei nº 8.213/91. Também sob esse ângulo procede o pleito formulado.”

 

2.                 DO MÉRITO

2.1 DA SISTEMÁTICA DE CÁLCULO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO DO AUXÍLIO DOENÇA – LIMITAÇÃO DO BENEFÍCIO À MÉDIA DOS ÚLTIMOS DOZE SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO

 

O advento da Medida Provisória 664/2014em vigor desde 1 de março de 2015 no tocante ao tema objeto da presente petição, despertou uma preocupação na comunidade jurídica previdenciária quanto ao alcance de suas inovações normativas na restrição de direitos sociais fundamentais.

 

O objetivo de equilibrar as contas da Previdência Social não pode servir como argumento precípuo para introduzir normas que não guardam conformidade com o ordenamento jurídico constitucional.

 

Por outro lado, há de se ponderar que eventuais alterações no texto legal não podem suprimir ou mitigar o propósito do seguro social que é exatamente garantir a dignidade do segurado (art. 1º, inciso III, da CF) em momentos de vulnerabilidade ou pessoas acometidas pelos riscos sociais constitucionalmente contemplados.

 

O inciso I do art. 201 da Constituição Federal preceitua que o Regime Geral de Previdência Social atenderá, nos termos da lei, a cobertura dos eventos da doença, invalidez, morte e idade avançada, dentre outros tipificados nos incisos posteriores.

 

Daí a relevância crucial desse subsistema de proteção social que se insere no âmbito da Seguridade Social (art. 194 da CF), porquanto visa a garantir condições econômicas para aqueles que contribuem para a Previdência Social quando são acometidos por riscos sociais que submetem os titulares dos direitos sociais (os previdentes) a contingências que alijam o seu bem-estar, comprometem sua subsistência e, por via de consequência, repercutem em toda a coletividade caso a prestação disponibilizada pelo poder público não se faça a contento.

 

O Regime Geral de Previdência Social – RGPS possui peculiaridades que precisam ser destacadas; exatamente por abarcar categorias bem distintas de segurados sob o seu espectro protetivo abrange profissionais autônomos, empresários, membros de cooperativa de trabalho e de produção, trabalhadores avulsos, profissionais liberais, desempregados, donas-de-casa, estudantes, empregados, microempreendedores individuais, empregados domésticos, além de outros trabalhadores ou pessoas físicas que não são amparados pelos regimes próprios de previdência social.

 

Essa diversidade profícua de trabalhadores e pessoas físicas que, mesmo sem exercerem atividades remuneradas, optam por contribuir para a Previdência Social (segurados facultativos), decorre do postulado da universalidade da cobertura e do atendimento (inciso I do parágrafo único do art. 194 da CF), norma programática que impõe ao legislador e ao intérprete o comando de expandir a cobertura previdenciária – não obstante o caráter contributivo do sistema previdenciário - a um número mais expressivo de pessoas físicas, garantindo-lhes uma proteção capaz de substituir sua renda especialmente em sua fase não laborativa.

 

De outra feita, a fluidez e percalços do mercado de trabalho não assegura, de forma generalizada, ao trabalhador a percepção - durante anos a fio - de uma remuneração linear, sendo usual o segurado do RGPS ser submetido a variações abruptas em seu padrão contributivo por razões variadas desde o desemprego – voluntário e involuntário - ou até mesmo uma perda ou diminuiçãotemporária da renda auferida em face do labor desempenhado por trabalhadores que não possuem vínculo empregatício.

 

É por essa razão que a comunidade jurídica previdenciária alerta acerca da importância em lançar luzes sobre a pluralidade de situações fáticas que estão sob o manto protetivo do RGPS.

 

Ao contrário dos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos vinculados ao RPPS – Regimes Próprios de Previdência Social (art. 40 da CF) que, após três anos de efetivo exercício de serviço público, adquirem a condição de estáveis, assegurando-lhes um arcabouço normativo capaz de lhes permitir a mantença de um padrão contributivo ascendente às unidades gestoras dos regimes previdenciários, os segurados amparados pela Lei n. 8.213/91, mormente aqueles que não são empregados ou trabalhadores avulsos,invariavelmente não conseguem manter uma linearidade contributiva durante toda a sua vida laboral.

 

Uma das inovações reputadas mais coerentes no sistema previdenciário nacional, por força da Lei n. 9.876/99, foi a abolição da chamada média curta (salário de benefício calculado com base nos últimos trinta e seis salários de contribuição) e a instituição da média longa (80% do período contributivo considerando os maiores salários de contribuição após julho de 1994). A referida mutação normativa objetivou simultaneamente a efetivação do equilíbrio financeiro do RGPS (sistemática também aplicada aos regimes próprios para os servidores públicos efetivos que não fazem jus ao instituto da integralidade, consoante a Lei n. 10.887/2004), buscou também abolir situações anômalas que permitiam a segurados a auferir benefícios previdenciários bem superiores ou inferiores aos salários de contribuição de sua vida funcional.

 

Ao se modificar esse parâmetro legal, a legislação mitigou, de certa forma, uma insegurança jurídica que existia no regime jurídico anterior, notadamente para os chamados benefícios não programados (pensão por morte, auxílio doença, auxílio reclusão e aposentadoria por invalidez), já que, pessoas que, temporariamente diminuíram seu patamar contributivo para a Previdência Social em face de circunstâncias ocasionais, corriam o risco de ter seus benefícios calculados de acordo com a média apenas dos últimos trinta e seis salários de contribuição.

 

Essa lógica, perversa para alguns e generosa para outros, partia da premissa errônea de que a Previdência Social estaria cumprindo seu papel fundamental ao garantir uma renda substitutiva ao trabalhador baseando-se em seus últimos salários de contribuição. Não há dúvida de que a sistemática pregressa poderia ser mais favorável para os chamados benefícios programados, permitindo ao segurado planejar suas contribuições de modo a alcançar o melhor patamar possível nos últimos meses antes de requerer a aposentadoria por tempo de contribuição ou aposentadoria por idade; já para os benefícios de risco a metodologia de cálculo adotada gerava injustiças flagrantes diante da imprevisibilidade dos eventos de incapacidade laborativa e morte.

 

A Medida Provisória n. 664, de 30 de dezembro de 2014, inovou novamente na sistemática de cálculo do benefício de auxílio-doença e fez introduzir na Lei n. 8.213/91 um dispositivo legal que poderá dar ensejo a injustiças sociais de toda a ordem e comprometer os escopos perseguidos pela Previdência Social, eis que criou uma modalidade de cálculo do mencionado benefício que combina a modulagem de cálculo da média longa com um limitador baseado na média de apenas os últimos doze salários de contribuição do segurado, reintroduzindo no ordenamento jurídico previdenciário uma perversidade ainda maior do que a fórmula em vigor antes da Lei n. 9.876/99.

 

Transcreve-se abaixo o parágrafo 10º que adveio com a superveniência da MP 664/2014:

 

“Art. 29 (...)

 

§ 10.  O auxílio-doença não poderá exceder a média aritmética simples dos últimos doze salários-de-contribuição, inclusive no caso de remuneração variável, ou, se não alcançado o número de doze, a média aritmética simples dos salários-de-contribuição existentes.”

 

O Brasil hoje enfrenta um processo de estagnação da economia e retração das atividades produtivas. O IBGE divulgou, no dia 28 de maio de 2015,dadosrevelando que a taxa de desemprego do País aumentou para 6,2%. Outra estatística preocupante foi a constatação de que houve uma perda real de 2,8% do rendimento médio do trabalhador brasileiro. Na análise dos tipos de atividade, a maior queda no rendimento médio em relação a fevereiro foi em construção (-5,6%); comprando-se a março de 2014, a maior redução ocorreu em comércio, reparação de veículos automotores e de objetos pessoais e domésticos e comércio a varejo de combustíveis (-5,2%).

 

Diante do cenário que se vislumbra para os próximos anos, a mudança na legislação previdenciária revela-se ainda mais draconiana e lesiva aos segurados amparados pela Previdência Social.

 

O segurado que se encontra em situação de desemprego, exatamente por não estar auferindo renda em face do seu labor, não poderá ficar sem contribuir para a Previdência Social após os prazos fixados no art. 15 da Lei n. 8.213/91, sob pena de perder seu vínculo jurídico com o RGPS. Também é importante ressaltar que o período de gozo do seguro-desemprego não é computado nem como carência e nem como tempo de contribuição.

 

Em razão desses fatores, é usual o segurado, enquanto mantiver sua condição de desempregado, passar a recolher como segurado facultativo sobre um salário mínimo (considerando a sua ausência temporária de capacidade contributiva), seja para não perder a qualidade de segurado, seja para computar tempo de contribuição e carência para auferir benefícios previdenciários futuros.

 

O benefício de auxílio doença, como se sabe, é um benefício não programado, eis que o risco da incapacidade temporária para o labor não pode ser previsto pelo segurado.

 

Se o segurado sofre um acidente ou é acometido de alguma doença que lhe incapacite de exercer suas atividades habituais seu benefício estará atrelado à média dos últimos doze salários de contribuição, regra que poderá produzir teratologias. Cite-se como exemplo um trabalhador que desde julho de 1994 recolhe sobre o teto do RGPS (atualmente R$ 4.663,75) e, em face de um desemprego involuntário, recolheu como segurado facultativo nos últimos doze meses sobre um salário mínimo. Nessa hipótese, o benefício de auxílio doença será de apenas um salário mínimo, não cumprindo a Previdência Social seu papel precípuo que é a manutenção do padrão de vida do segurado com base em seus salários de contribuição considerados no percentual de 80% de sua vida contributiva.

 

De semelhante forma, tal excrescência poderá afetar o trabalhador autônomo que, em face de uma crise financeira temporária ou diminuição abruta de sua renda, passa a recolher para a Previdência Social um valor inferior ao que sempre vertera para o INSS, fato que também lhe causará prejuízos financeiros substanciais na hipótese da ocorrência do risco social ora em comento.

 

Se partirmos da premissa equivocada de que o auxílio doença é um benefício em geral pago por poucos meses, poder-se-ia vislumbrar pouco prejuízo ao segurado do RGPS. A realidade nacional, contudo, revela que o benefício de auxílio doença pode durar anos a fio em razão de fatores que vão desde as características de determinadas patologias; ineficiência do Sistema Único de Saúde em diversas localidades para realização de exames, fornecimento de medicamentos, consultas e procedimentos cirúrgicos eletivos; ineficácia do serviço de reabilitação profissional a cargo da Previdência Social etc.

 

O Poder Executivo federal optou, com efeito, pela adoção de uma solução radical com a modificação na fórmula de cálculo do benefício de auxílio-doença para tentar diminuir o número de benefícios concedidos, partindo de uma ilação completamente absurda e que causa estupefação a todos os juristas e profissionais que lidam com a promoção dos direitos humanos. Eis o que foi apresentado pelo Poder Executivo em sua exposição de motivos:

 

“Em primeiro lugar, o cálculo do valor deste benefício temporário é feita da mesma forma que aqueles de caráter permanente como, por exemplo, as aposentadorias, ou seja, se utilizando da média dos 80% maiores salários-de-contribuição desde julho de 1994 até o momento atual. Contudo, essa regra vem criando situações em que o valor do benefício fica acima do último salário do segurado, gerando um desincentivo para volta ao trabalho. Nesse sentido, torna-se recomendável o estabelecimento de um teto para o valor de benefício, mais especificamente, a média dos 12 últimos salários-de-contribuição.”

 

A solução, portanto, de acordo com a ótica governamental, não é disponibilizar ao segurado um tratamento de saúde eficaz que lhe garanta o retorno ao mercado de trabalho em condições dignas e nem mesmo investir, de forma contundente, no serviço de reabilitação profissional que poderia recolocar o trabalhador em outra atividade profissional; infelizmente, na prática, esse serviço de responsabilidade do INSS - que poderia diminuir o prazo de concessão do auxílio doença e evitar a concessão de milhares de aposentadoria por invalidez - não tem recebido a devida atenção do poder público.

 

O governo federal escolheu a solução mais simplista: conceder um benefício de auxílio doença que não seja superior aos últimos salários do trabalhador, ou seja, estimulá-lo, no menor tempo possível, a retornar ao trabalho, ainda que não tenha à sua disposição um tratamento de saúde que lhe permita cumprir tal desiderato e nem mesmo efetivas condições médicas de retornar ao seu labor.

 

A premissa sobre a qual se baseia o raciocínio governamental é também desconexa com a pluralidade de segurados do RGPS, pois nem todos os segurados do RGPS auferem salário em razão de um vínculo empregatício e, portanto, ficarão à mercê da sorte para que um problema incapacitante não se consubstancie exatamente no momento em que se encontra desempregado ou recolhendo para a Previdência Social, em um curto espaço de tempo, contribuições bem inferiores ao que sempre verteu para o INSS decorrente de um problema financeiro momentâneo.

 

A perversidade da lógica governamental é ainda mais nítida quando se lê, no parágrafo posterior da exposição de motivos da Medida Provisória, a informação de que o poder público não tem sido eficaz no sentido de restabelecer o quadro de saúde do trabalhador em um curto período de tempo, constatando-se que as doenças tem se tornado mais longas ao longo dos anos. A própria exposição de motivos apresenta outros fatores que poderiam contribuir para o aumento do prazo de concessão do auxílio doença tais como “o processo produtivo, a reestruturação organizacional e novas práticas empresariais sofreram profundas e irreversíveis mudanças, notadamente com a forte expansão do setor terciário (prestação de serviços) da economia, bem como pelo impacto da tecnologia de informação nas corporações e das inéditas relações produtivas interpessoais.”

 

Esse raciocínio desenvolvido na exposição de motivos é utilizado, entretanto, como argumento para aumentar o prazo em que a empresa deverá pagar o salário em caso de afastamento em razão de afastamento temporário do trabalhador, que antes era de 15 dias e agora passa a ser 30 dias.

 

Constata-se, contudo, um paradoxo na linha argumentativa apresentada pelo Poder Executivo federal, já que primeiro é dito que o aumento do prazo de pagamento do auxílio doença se deve ao fato de que o trabalhador se sente desmotivado a retornar ao trabalho, preferindo permanecer no estado mórbido, pois sua remuneração seria superior ao seu último salário e, posteriormente, o governo apresenta dados estatísticos coesos que evidenciam que a maior duração do prazo de pagamento do auxílio doença não decorreria de uma “leniência do trabalhador” para ficar usufruindo, de forma desarrazoada, de um benefício pago pela Previdência Social e sim em razão do maior grau de cronicidade das doenças verificadas.

 

Transcrevem-se alguns trechos da exposição de motivos:

 

“Em alguns casos chega-se a 402 dias de afastamento, em média. As entidades mórbidas mais prevalentes, no painel das causas de afastamentos previdenciários, são atualmente, em sua maioria, crônicas e exigem atualização legislativa do pacto social firmado à época, no que se refere aos 15 dias como intervalo de tempo a ser suportado pela empresa empregadora, uma vez que esse intervalo de tempo hoje se configura inadequado do ponto de vista atuarial e financeiro para o sistema de Previdência Social. (....)

 

14.              Tabela 1 – Duração Média em dias dos Afastamentos Cobertos pelo INSS por incapacidade temporária 1997-2006 segundo Classificação Internacional das Doenças CID – Brasil.”

 

Ora, o que o País precisa, portanto, é adotar políticas públicas voltadas à prevenção e à melhoria do seu sistema de saúde para diminuir o prazo durante o qual o trabalhador fica afastado de suas atividades remuneradas. Em alguns casos, o que se faz imprescindível é reabilitá-lo para outra atividade profissional nas hipóteses em que, mesmo o tratamento de saúde mais eficaz não se mostra apto recuperar o quadro de saúde do trabalhador para que ele retorne a exercer sua atividade profissional anterior, devendo a Previdência Social, conforme determina o art. 89 da Lei n. 8.213/91, fornecer treinamento e qualificação (em alguns casos até mesmo próteses e órteses) para que o trabalhador retorne ao mercado de trabalhou em outra atividade profissional capaz de lhe oportunizar a manutenção de seu padrão de vida.

 

A solução preconizada pela MP 664/2014 não se mostra, portanto, coerente com os próprios argumentos apresentados pelo governo federal e nem mesmo sustentável sob o viés da regra da contrapartida da contribuição previdenciária que vai legitimar o cálculo do salário de benefício do segurado com esteio na regra geral prevista no art. 29 da Lei n. 8.213/91.

 

A Previdência Social é inequivocamente um seguro social baseado no caráter contributivo do sistema. A contribuição previdenciária vertida pelo segurado deve ser revertida em forma de benefícios (art. 201, parágrafo 11º, da Lei n. 8.213/91), ainda que, de forma excepcional, o valor do auxílio doença seja superior à última remuneração do trabalhador.

 

Essa lógica não tem aderência na generalidade das situações, pois, muito embora nesses primeiros meses de 2015 tenha sido constatada uma diminuição no ganho real salarial do trabalhador brasileiro, ao longo de décadas foi apurado um ganho acima da inflação nos salários pagos pelas empresas.

 

Considerando o princípio de que o auxílio doença é pago no percentual de 91% do salário de benefício, ou seja, a lei já prevê um redutor de 9% exatamente em função do caráter temporário do benefício previdenciário (art. 61 da Lei n. 8.213/91) e o fato de que os salários de contribuição são corrigidos tão-somente pela inflação (INPC), bem como a constatação de que o trabalhador tem obtido ganhos salariais acima da inflação,a regra geral é que o benefício seja inferior ao último salário do trabalhador.

 

Segundo o DIEESE, no ano de 2014, o aumento real médio dos salários dos trabalhadores foi de 1,39%, maior do que o de 1,22% registrado em 2013 e próximo ao patamar obtido nas negociações salariais de 2011 (1,33%). Em toda a série histórica, o porcentual só ficou abaixo do registrado em 2010 (1,66%) e 2012 (1,90%). O comércio foi o setor com melhor desempenho nas negociações de reajuste salarial em 2014, com 98,2% das unidades de negociação incorporando ganhos reais. Na indústria, 90,9% dos reajustes foram acima do INPC, enquanto no setor de serviços, 89,2%.

 

Não há dúvida, portanto, que a situação em que o segurado recebe a título de auxílio doença menos do que seu último salário decorre de situações anômalas em sua vida laboral e não seria razoável lhe impor a percepção de um benefício – em prazos cada vez maiores em razão dos fatores estruturais e conjunturais já mencionados – inferior ao que foi contribuído para a Previdência Social ao longo de diversos anos.

 

A sistemática de cálculo do auxílio doença se torna mais abusiva quando se percebe que o artigo alterado pela MP 664/2014 trata especificamente do cálculo do salário de benefício (art. 29 da Lei n. 8.213/91) e não da renda mensal inicial.

 

Os benefícios previdenciários são calculados de acordo com a seguinte lógica: o INSS apura a média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, reajustando-se antes pelo INPC todos os salários constantes do período básico de cálculo. No caso do auxílio-doença o salário de benefício será o valor correspondente a essa média, apurando-se a renda mensal inicial mediante a aplicação do coeficiente de 91% sobre o valor apurado.

 

A previsão do novo teto do salário de benefício do auxílio doença (e não da renda mensal inicial) de acordo com a média dos últimos doze salários de contribuição trará repercussões negativas em diversos benefícios previdenciários, pois a introdução do famigerado parágrafo 10º ocorreu no art. 29 da Lei n. 8.213/91 e não no art. 33 que trata do cálculo da renda mensal do benefício.

 

Ou seja, o dispositivo legal em questão, muito embora regule o cálculo do salário de benefício do auxílio doença, é indubitável que esse referencial é utilizado para calcular outros benefícios do RGPS, o que poderá gerar prejuízos irreversíveis para o segurado.

 

A Lei n. 8.213/91 dispõe:

 

“Art. 29. O salário-de-benefício consiste:

(....)

 

§ 5º Se, no período básico de cálculo, o segurado tiver recebido benefícios por incapacidade, sua duração será contada, considerando-se como salário-de-contribuição, no período, o salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal, reajustado nas mesmas épocas e bases dos benefícios em geral, não podendo ser inferior ao valor de 1 (um) salário mínimo.”

 

Assim sendo, se um segurado – que sempre recolheu sobre uma média salarial de R$ 2.800,00, por exemplo – auferiu nos últimos meses uma remuneração de um salário mínimo, este será o valor do salário de benefício do auxílio doença. Futuramente, quando esse mesmo segurado (que hipoteticamente auferiu durante quatro anos o benefício por incapacidade temporária) requerer sua aposentadoria por idade, por tempo de contribuição ou especial o valor do salário de benefício do auxílio doença será utilizado no cálculo dos respectivos benefícios e até mesmo terá repercussões no cálculo da pensão por morte, auxílio-acidente e demais benefícios previstos no RGPS.

 

A situação, contudo, mais grave que poderá se impor para esse infortunado segurado é se ele não conseguir retornar ao trabalho. Caso o problema que ensejou o auxílio doença não seja revertido ou mesmo o INSS não lhe disponibilize uma reabilitação profissional eficaz, a solução que se vislumbra é a concessão da aposentadoria por invalidez. De acordo com essa última hipótese, o segurado receberá um salário mínimo de aposentadoria por invalidez, porquanto o valor do salário de benefício do auxílio doença nos casos em que existe a transformação dessa espécie de benefício para aposentadoria por invalidez é que definirá o valor da aposentadoria. Nesse sentido, prevê o Decreto 3.048/99:

 

“Art. 29. O salário-de-benefício consiste:

(...)

§ 7º A renda mensal inicial da aposentadoria por invalidez concedida por transformação de auxílio-doença será de cem por cento do salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal inicial do auxílio doença, reajustado pelos mesmos índices de correção dos benefícios em geral.”

 

Com efeito, um segurado que durante toda sua vida laboral tenha contribuído sobre um valor bem mais alto para a Previdência Social e, eventualmente, recolheu valores mais baixos nos últimos meses antes da configuração de sua incapacidade laboral estará inexoravelmente atrelado ao valor desse benefício de forma vitalícia caso sua invalidez não seja revertida.

 

Ante o exposto, os subscritores do presente requerimento solicitam que seja suprimida a alteração no cálculo do auxílio doença a fim de que seja mantida a sistemática de cálculo anterior, determinando-se ao INSS que proceda ao recálculo de todos os benefícios concedidos durante a vigência da Medida Provisória até a sua conversão em lei com base na previsão anterior constante da Lei n. 8.213/91.

 

2.2 DA CARÊNCIA PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE E AUXÍLIORECLUSÃO

 

Outra alteração na legislação previdenciária instituída por meio da MP 664/2014 foi a introdução da carência para a concessão do benefício de pensão por morte e auxílio reclusão (para o RGPS e RPPS federal), benefícios que exigiam que o segurado ostentasse apenas a qualidade de segurado no momento da ocorrência do fato gerador (morte e reclusão).

 

Tal tratamento normativo decorre da peculiaridade do risco social coberto, sobretudo a morte, cuja imprevisibilidade e imponderabilidade do evento recomendavam a exclusão do requisito da carência, mas a exigência da condição de segurado, de maneira a não desfigurar o caráter contributivo do regime de previdência social, mas ao mesmo tempo dar efetividade ao postulado da solidariedade diante do evento que ceifa a vida de um ser humano e desequilibra, de forma abruta, as finanças do grupo familiar.

 

Com a inovação legislativa, o instituidor da pensão por morte deverá ter feito, no mínimo, 24 contribuições previdenciárias, dispensando-se a carência somente nas hipóteses de morte ocasionada por acidente de trabalho ou por doença profissional, ou nos casos em que o segurado estivesse, no momento da morte, em gozo de benefício por incapacidade.

 

Necessário destacar, primeiramente, que a implantação dessa carência acaba por ferir a proporcionalidade e a segurança jurídica, pois o escopo precípuo do regime previdenciário é exatamente amparar os previdentes que se planejam para ter o devido amparo garantido pelarede de proteção social de caráter contributivo.

 

Cumpre ressaltar, do mesmo modo, que a instituição dessa carência aqui discutida acaba por gerar uma incongruência no tratamento legal destinado aos diferentes benefícios previdenciários. Não há dúvidas acerca da imponderabilidade do evento morte, que supera a imprevisibilidade da ocorrência de enfermidades que possam vir a causar perda ou redução da capacidade laborativa do segurado, de maneira temporária ou permanente, de modo a legitimar a concessão de auxílio doença, aposentadoria por invalidez e auxílio acidente.

 

No entanto, a carência exigida para a concessão da pensão por morte supera a necessária para a concessão dos benefícios por incapacidade laborativa (12 contribuições mensais para o auxílio doença e aposentadoria por invalidez – art. 25, I, da Lei n. 8.213/91). Ora, é ilógico impor condições de acesso mais severas a um benefício cujo evento causador é absolutamente imprevisível.

 

O ordenamento jurídico precisa ter comandos coesos e razoáveis. Essa busca pela convivência harmônica dos preceitos legais não é um norte direcionado somente para o intérprete da norma legal, mas também para o legislador infraconstitucional.

 

Do quanto ficou escrito, pode-se inferir que temos como pretensão básica a consecução do objetivo exegético delineado por Carlos Maximiliano, no sentido de que o Direito deve ser interpretado inteligentemente, "não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que torne aquela sem efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo".(MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 9ª ed., 1979.)

 

Ainda que se considere que a exigência da carência para a pensão por morte é absolutamente necessária (tese essa com a qual não subscrevemos),impõe-se, como medida de prudência, a criação de regras de transição, de maneira que os segurados já inscritos nos regimes previdenciários não sofram diminuição tão severa e repentina na sua esfera de direitos.

 

Caso essa regra de transição não seja criada, inevitavelmente, segurados que ingressaram nos regimes previdenciários aqui discutidos (em momento anterior à edição da MP 664/2014, que possuíam, no mínimo, expectativa de direito de gerar em favor de seus dependentes pensão por morte em caso de falecimento) e que não tenham porventura preenchido a nova carência deixarão seus dependentes sem benefício algum, o que acabar por abalar a confiabilidade da população no sistema previdenciário brasileiro ante a evidente ausência de segurança jurídica.

 

O Ministro Gilmar Mendes do STF, ao apreciar as mudanças introduzidas nos regimes próprios de previdência social, por ocasião do julgamento da ADI n. 3.104/DF, ressaltou a importância de preservação da expectativa de direito no âmbito do Direito Previdenciário em consonância com o princípio da proporcionalidade, destacando a importância das regras de transição:

 

“Ora, será que não sabemos responder a isso? Claro que sabemos. Temos aqui, no próprio Plenário, consagrado a segurança jurídica como expressão do Estado de Direito. Em alguns sistemas jurídicos é muito comum dizer-se: esta norma é válida, porém, ela tem que ter uma cláusula de transição, porque senão desrespeita de forma arbitrária situações jurídicas que estavam em fieira, estavam se constituindo. Claro, vamos precisar de um conceito de razoabilidade e proporcionalidade.

 

(....) em se tratando da chamada não-existência do direito adquirido a um dado regime jurídico, podemos ter abusos notórios. Em regime de aposentadoria, é muito fácil imaginar. O indivíduo que esteja a inaugurar sua vida funcional, se altera o regime jurídico, pouco se lhe dá. Isso não tem nenhum reflexo em nenhum aspecto do seu patrimônio afetivo.

 

Outra é a situação para aquele que está em fim de carreira e, eventualmente, esperando cumprir os últimos dias, quando se dá a mudança do regime, eventualmente, acrescentando mais dez anos.

 

Daí ter o Ministro Carlos Britto chamado a atenção para a necessidade quase que imperativa de cláusula de transição.”

               
Outro ponto de extrema relevância é a exclusão da carência em caso da morte ocorrer em função de acidente de trabalho. Não há dúvidas de que a manutenção da inexigibilidade da carência na espécie é medida acertadaNo entanto, não é compreensível a exigência de carência quando a morte decorrer de acidente de qualquer natureza, tendo em vista que tais eventos possuem maior grau de imprevisibilidade no tocante a outros eventos. Aliás, quando a legislação previdenciária dispõe sobre os benefícios por incapacidade, o acidente de qualquer natureza é fator que isenta a exigibilidade da carência(art. 26, II, da Lei n. 8.213/91), sendo mister manter a razoabilidade do ordenamento jurídico previdenciário.

 

O tratamento mais justo nessa situação – caso o texto final exija a carência para pensão por morte e auxílio-reclusão, o que se admite apenas em atenção ao princípio da eventualidade - seria conferir o mesmo tratamento dispensado na concessão do auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e auxílioacidente, que não faz distinção em razão da natureza do acidente que causou o direito ao benefício previdenciário.

 

Tal situação gerará, inequivocamente, injustiças graves que repercutirão de maneira negativa na esfera pessoal dos dependentes dos segurados, atentando contra a dignidade da pessoa humana e ao direito social constitucionalmente assegurado à previdência social, além de ferir o princípio da isonomia no tratamento na medida em que será dispensado cuidado diferente para pessoas que se encontram exatamente na mesma situação fática, sobretudo diante das mudanças advindas após a Lei n. 9.032/95 que equiparam, em diversos dispositivos legais, o tratamento conferido ao acidente de trabalho e acidente de qualquer natureza (ambos, por exemplo, conferem direito ao auxílio-acidente ao empregado, trabalhador avulso e segurado especial).

 

De semelhante forma, atendendo aos princípios da solidariedade e dignidade da pessoa humana, impõe-se excluir a carência (para os benefícios de auxílio-reclusão e pensão por morte) para as doenças especificadas em lista do Poder Executivo federal, de acordo com os critérios de estigma, deformação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade que mereçam tratamento particularizado, desde que evidenciado que tais doenças foram diagnosticadas em data posterior ao ingresso do segurado ao RGPS. Caso não cumprida essa última condição legal, a carência, caso venha a ser convalidada, deverá ser exigida de acordo com a regra geral.

 

Aliás, é salutar que a lei seja clara no sentido de aclarar que a lista mencionada no inciso II do art. 26 da Lei n. 8.213/91 é meramente exemplificativa, já que a referida lista não poderia contemplar ou prever todas as doenças graves, devendo ser avaliado o caso concreto do segurado do RGPS.

 

Em que pesem os argumentos acima expendidos, entendemos que a exigência de carência para a pensão por morte e auxílio reclusão deverá ser extinta.

 

O argumento utilizado na exposição de motivos da MP 664/2014 para a implantação da carência de 24 meses para a concessão da pensão por morte e auxílio reclusão foi a possibilidade de utilização fraudulenta desse direito, conforme transcrição a seguir:

 

“6. Nesse sentido, o primeiro ponto de destaque é a inclusão de carência de 24 (vinte e quatro) meses para gozo do benefício da pensão por morte, ressalvadas, obviamente, algumas hipóteses, como a morte decorrente de acidente do trabalho ou doença profissional ou do trabalho e nos casos em que o segurado já estava em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Hoje o benefício não possui carência, o que tem permitido que o recolhimento da contribuição, pelos dependentes, em nome do segurado, possa ocorrer, até mesmo, após a morte do segurado, pois o prazo de pagamento da contribuição previdenciária ocorre somente no mês seguinte à competência que deu origem ao fato gerador tributário. O auxílio-reclusão, que atualmente não tem carência, também passaria a exigir dois anos de carência, pois sua regra de cálculo é idêntica ao cálculo do benefício da pensão por morte.”

 

Conforme a exposição de motivos, verifica-se que o objetivo dessa mudança écombatersituações excepcionais caracterizadas pelo ardil de algumas pessoas que, mesmo após a morte, vertem contribuições previdenciárias para autorizar o pagamento da pensão aos dependentes arrolados na Lei n. 8.213/91.

 

A fórmula normativa adotada pelo Poder Executivo, contudo, ofende a presunção de boa fé objetiva que orienta todas as relações jurídicas. Não se pode, de maneira alguma, tornar a exceção regra: má fé se comprova, não se presume. O que a nova legislação faz é inverter essa lógica e, assim, acaba por punir os dependentes dos segurados que sempre agiram de boa fé e que buscam somente a justa contraprestação previdenciária do Estado.

 

O argumento do governo se baseia em pessoas que vertem uma ou duas contribuições previdenciárias após a morte do segurado ou começam a contribuir quando percebem que um familiar está na iminência de falecer. Ora, nesse caso qual a razão de exigir uma carência de 24 contribuições mensais? Trata-se de um prazo que se mostra até mesmo irrazoável para legitimar a argumentação governamental, bastando-se para tanto, se fosse o caso, exigir uma carência, por exemplo, de 3 contribuições mensais, se fosse o caso, até mesmo porque o recolhimento em atraso do contribuinte individual não é computado como carência se não existia condição de segurado.

 

Essa exigência de 24 contribuições a título de carência para pensão por morte é mais draconiana do que aquela exigida na Lei n. 3.807/60, que foi revogada pela Lei n. 8.213/91, constituindo-se em evidente retrocesso social. Eis o que previa a revogada Lei Orgânica da Previdência Social que não era inspirada no postulado da solidariedade na dimensão que foi conferida pela Constituição Federal de 1988:

 

“Art. 36. A pensão garantirá aos dependentes do segurado, aposentado ou não, que falecer, após haver realizado 12 (doze) contribuições mensais, uma importância calculada na forma do art. 37.”

 

Aliás, a jurisprudência dos Tribunais tem sido rigorosa no que se refere aos recolhimentosprevidenciáriospost mortem, exatamente para coibir abusos de direito e fraudes, prestigiando a boa fé e dando primazia ao caráter contributivo do sistema previdenciário.

 

Eis o que preceitua a Súmula 52 da TNU:

 

“Para fins de concessão de pensão por morte, é incabível a regularização do recolhimento de contribuições de segurado contribuinte individual posteriormente a seu óbito, exceto quando as contribuições devam ser arrecadadas por empresa tomadora de serviços.”

 

É curioso o fato de que o governo federal não se preocupou em amparar - ainda que sem a garantia de benefícios integrais - dependentes de segurados que faleceram, mas perderam o vínculo com a Previdência Social antes do óbito(a regra geral é se o segurado ficar mais de 12 meses sem recolher para o INSS e vier a falecer os dependentes não fazem jus à pensão por morte – art. 15 da Lei n. 8.213/91; para os segurados facultativos, o período de graça é de 6 meses),

 

Trata-se de situação muito mais usual do que aquela cogitada pelo Poder Executivo federal – considerando a precária educação previdenciária da população brasileira – de segurados que verteram 10, 15 ou 20 anos de contribuições previdenciárias e se tornam desvinculados do sistema por terem deixado de contribuir além do período de graça, não gerando qualquer amparo aos seus dependentes.

 

Essa situação injusta deveria ser objeto de uma regulação normativa, pois a Previdência Social se enriquece de forma indevida e desproporcional, considerando, sobretudo, que sequer comunica o segurado que este perderá seu vínculo com o RGPS se continuar sem contribuir após um determinado lapso temporal, prática administrativa singela que é adotada pela maioria das seguradoras privadas no Brasil em relação aos contratos de longa duração.

 

Novamente o princípio da boa-fé objetiva é apequenado, pressupondo que caberia ao segurado – em sua maioria desprovida de tal conhecimento – de evitar a perda de sua condição de segurado. Não se cogitou também, conforme já mencionado, em estabelecer o pagamento de uma pensão por morte, ainda que o valor não seja equivalente ao quantum devido aos dependentes cujo instituidor de benefício não perdeu a qualidade de segurado.

 

Por outro lado, há de se ponderar a situação de desamparo que recairá sobre a criança e/ou adolescente e filhos/irmãos inválidos.

 

Por mais que o Poder Executivo federal tente adotar um prazo mínimo de carência sob o argumento insustentável de que as pessoas agem presumidamente, de forma maquiavélica, para fraudar o sistema previdenciário, essa assertiva genérica não pode preponderar sobre os interesses das crianças e adolescentes (filhos dos segurados falecidos) que poderão ficar à mercê de sua própria sorte caso um de seus progenitores (ou ambos) venham a falecer e não tenham cumprido o prazo mínimo de 24 contribuições mensais.

 

É absolutamente inconcebível admitir a hipótese de uma criança de poucos anos de vida - que venha a perder seu genitor - fique sem amparo financeiro do seguro social até os 21 anos com base no argumento de que o segurado falecido teria recolhido apenas 6 contribuições mensais por exemplo.

 

Eis o que preceitua a CF:

 

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

 

(...)

II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;”

 

2.3 DO PRAZO MÍNIMO DE UNIÃO ESTÁVEL E CASAMENTO PARA CONFIGURAR O DIREITO À PENSÃO POR MORTE E AUXÍLIORECLUSÃO

 

A mesma situação é verificada em face da nova exigência de prazo mínimo de casamento ou da união estável para que o cônjuge/companheiro sobrevivente faça jus à pensão por morte e auxílio-reclusão, regra esta que também será aplicada para os servidores públicos federais. Argumenta-se que tal dispositivo se faz necessário para coibir a formação de unidades familiares com o único objetivo de garantir o pagamento de um benefício previdenciário, conforme a seguinte transcrição de trecho da exposição de motivos da Medida Provisória a seguir:

 

“7. De igual maneira, é possível a formalização de relações afetivas, seja pelo casamento ou pela união estável, de pessoas mais idosas ou mesmo acometidas de doenças terminais, com o objetivo exclusivo de que o benefício previdenciário recebido pelo segurado em vida seja transferido a outra pessoa. Ocorre que a pensão por morte não tem a natureza de verba transmissível por herança e tais uniões desvirtuam a natureza da previdência social e a cobertura dos riscos determinados pela Constituição Federal, uma vez que a sua única finalidade é de garantir a perpetuação do benefício recebido em vida para outra pessoa, ainda que os laços afetivos não existissem em vida com intensidade de, se não fosse a questão previdenciária, justificar a formação de tal relação. Para corrigir tais distorções se propõe que formalização de casamento ou união estável só gerem o direito a pensão caso tais eventos tenham ocorrido 2 anos antes da morte do segurado, ressalvados o caso de invalidez do cônjuge, companheiro ou companheira após o início do casamento ou união estável, e a morte do segurado decorrente de acidente.”

 

Novamente a exceção é elevada à condição de regra. Não se duvida que, de fato, existam relações jurídicas que se constituem com o objetivo principal de deixar - como se herança fosse - um benefício previdenciário a outra pessoa física.

 

A aplicação de tal regra gerará, de maneira inevitável, prejuízo aos dependentes de segurados que com estes formaram vínculos familiares legítimos, sem o objetivo precípuo de se apropriarem de um benefício previdenciário. Há de se presumir a boa-fé (princípio da não culpabilidade). Cabe ao Estado, dessa forma, apurar e, se for comprovadaafraude, aplicar as penalidades cabíveis e até mesmo cancelar o benefício previdenciário após o devido processo legal, sem atingir direitos daqueles que procederam de forma ética e sem o cometimento do abuso de direito.

 

A engenhosa previsão legal conseguiu inserir os cônjuges e companheiros em uma condição de inferioridade normativa em relação aos demais integrantes do grupo familiar. O casamento ou união estável foi alçado a status normativo apriorístico de um ardil para locupletar os cofres públicos, salvo quando atingir o prazo de duração mínima de dois anos. Essa norma afronta impiedosamente a Constituição Federal e novamente consubstancia-se em evidente retrocesso social. Assim dispõe a CF:

 

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. 

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.”

O princípio da boa fé objetiva é postulado geral do direito e também se aplica ao legislador e tem fundamento no conceito de confiança (fidúcia), o qual seria aferível pelo comportamento esperado do homem médio.

 

É a famosa máxima: “os justos pagam pelos pecadores” que fora adotada, por exemplo, quando da edição da Medida Provisória n. 1.523/96, posteriormente convertida na Lei n. 9.528/97, que retirou a figura do menor sob guarda do rol de dependentes da legislação que regula o RGPS. A mesma previsão é contida na MP n. 664/2014 que, também em relação aos servidores públicos, exclui a previsão do menor sob guarda como titular do direito à pensão por morte.

 

A famigerada edição a MP n. 1.523/96 tem gerado inúmeras ações judiciais em face do INSS, sendo perceptível que tal cenário também se repetirá em relação aos servidores públicos caso a modificação normativa seja adotada.

 

O motivo, portanto, é sempre o mesmo: presumir a má-fé do segurado. A alegação de que a obtenção de guardas de menores fictícias estavam sendo formalizadas para garantir o pagamento de pensões por morte justificaria a extinção da figura do menor sob guarda do rol dos dependentes da Lei n. 8.213/91 e agora da Lei n. 8.112/90.

 

            Explica-nos o Ministro Arnaldo Esteves Lima:

 

“... Existem muitas [guardas] que não são legítimas, a pessoa obtém a guarda de um menor legitimamente, pois quer proteger, tem condições, acha que é justo e merecido. Mas, aquele menor que está legitimamente numa situação desta, será colocado numa vala comum porque existem fraudes? As fraudes devem ser combatidas pela fiscalização, pela polícia, pelo aparelho preventivo e repressivo que a legislação coloca à disposição da nossa sociedade.” (LIMA, Arnaldo Esteves. Embargos de Divergência em Recurso Especial nº. 844.598-PI de 17/02/2009).

 

            Eis o que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente:

 

“Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.

 

(...)

§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.”

 

A guarda é instituto de suma importância por versar sobre direitos da criança e do adolescente desamparado. Sabe-se ainda, que a família é a base da formação social, merecedora de atenção do constituinte originário. Por isso, encontra-se elencada no art. 227, da Constituição Federal.

 

2.4 DA INSTITUIÇÃO DOS COEFICIENTES DE CÁLCULO PARA PENSÃO E AUXÍLIO-RECLUSÃO

 

A MP n. 664/2014, corroborando outra hipótese de retrocesso social, modificou o art. 75 da Lei n. 8.213/91, para reinstituir o coeficiente de cálculo de 50% sobre o valor do salário de benefício da pensão por morte e auxílio-reclusão, agregando-se o percentual de 10% para cada dependente.

 

Essa previsão padece de vício de inconstitucionalidade material, conforme foi reconhecido pelo próprio relatório do Dep. Federal Carlos Zarattini, por violar o princípio da isonomia, eis que a Constituição Federal em seu § 7º do art. 40 da CF garante aos dependentes do servidor público federal, estadual, municipal ou distrital o direito a uma pensão no percentual de 100% até o teto do RGPS, aplicando-se um redutor no percentual de 30% sobre o valor que supera o mencionado teto.

 

Por outro lado, a previsão normativa em questão retroage aos mandamentos da Lei n. 3.807/60 que previa tal coeficiente de cálculo. A redação original da Lei n. 8.213/91 estabeleceu o coeficiente de 80%, além de 10% para cada dependente, preceito este que foi revogado após o advento da Lei n. 9.032/95 para prever o percentual de 100% a título de coeficiente de cálculo para a apuração da renda mensal inicial da pensão por morte.

 

Na época da edição da Lei n. 9.032/95, muitos pensionistas ingressaram em Juízo para requerer a majoração para a aplicação do percentual de 100% em relação aos óbitos ocorridos antes de 28 de abril de 1995. O STF entendeu que o novo regramento não poderia retroagir, amparando-se no argumento principal do princípio da precedência da fonte de custeio para garantir essa majoração do coeficiente para os óbitos ocorridos somente após abril de 1995. Ora, se o próprio legislador expandiu a proteção previdenciária, com base na existência de fonte de custeio para o pagamento do novo coeficiente de cálculo, não é razoável que haja o retrocesso para 1960, além de conferir ao segurado do RGPS um tratamento anti-isonômico em relação aos servidores públicos vinculados ao RPPS.

 

No que se refere à aplicação da tábua de expectativa de sobrevida do IBGEpara a definição do prazo de pagamento da pensão por morte para o cônjuge e companheiro, conforme também destacado no relatório do Deputado Federal Carlos Zarattini, tal sistemática causaria insidiosa insegurança jurídica para os dependentes dos segurados, bem como considerando o seu caráter ininteligível.

 

A própria fórmula do fator previdenciário, que adota a tábua de mortalidade do IBGE como uma de suas variáveis, incidente obrigatoriamente para a aposentadoria por tempo de contribuição do RGPS, releva a dificuldade do segurado em compreender as nuances do cálculo desse benefício e muitos acabam por antecipar sua aposentadoria com receio de um aumento abruto na tábua de expectativa de sobrevida, especialmente por ocasião dos censos demográficos.

 

A incidência da tábua de expectativa também acaba por penalizar os homens, pois possuem uma expectativa de sobrevida menor em relação às mulheres conforme as próprias estatísticas reveladas pelo IBGE, considerando que a aplicação da tábua é feita pela média de ambos os sexos.

 

3                    DOS PEDIDOS

3.1- Preliminarmente

Requer, preliminarmente, que a MP 664/2014 seja rejeitada in totum por não cumprir os requisitos de admissibilidade previstos na Constituição Federal e por violar o disposto no art. 246 da CF.

 

Caso não seja acolhido a preliminar acima deduzida, requer:

3.2.Que, em atenção aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade que tutelam a expectativa de direito, que todas as alterações introduzidas na MP n. 664/2014 sejam aplicadas somente para os servidores que ingressarem no serviço público e aos segurados que se filiarem ao RGPS após a vigência da norma legal, preservando-se o instituto da regra de transição diante das mudanças abrutas veiculadas;

 

3.3. Que qualquer alteração introduzida no texto da MP 664/2014 seja aplicada para todas as pessoas que porventura foram afetadas pelo período em que a norma jurídica vigorou, considerando o entendimento do STF segundo o qual a previsão normativa previdenciária não retroage caso inexista norma legal expressa nesse sentido;

 

3.4.Que seja afastada, no cálculo do salário de benefício do auxílio doença, a limitação à média das doze últimas contribuições mensais ou à média aritmética simples, caso não alcançado o número de doze;

 

3.5. Em caráter sucessivo, caso o item 3.4 não seja acolhido, que tal limitação seja aplicada tão-somente ao segurado empregado e trabalhador avulso, diante das considerações acima expendidas, observando, porém, o pedido constante do item 3.6 dos pedidos ora arrolados;

 

3.6.Em caráter sucessivo, caso o item 3.4 não seja acolhido, que a limitação no cálculo do salário de benefício do auxílio doença seja aplicada não sobre o valor do salário de benefício, evitando-se repercutir em outros benefícios previdenciários, mas somente no valor da renda mensal inicial do auxílio doença;

 

3.7. Que seja suprimida do ordenamento jurídico pátrio a exigência do preenchimento do requisito carência para a concessão de pensão por morte e auxílio reclusão;

 

3.8.Que, caso não acolhido o pedido constante do item 3.7, seja instituída uma carência de no máximo três meses ou, ainda, sucessivamente, 12 meses (equivalente à carência prevista para os benefícios de auxílio doença e aposentadoria por invalidez);

 

3.9. Que, caso não acolhido o pedido para isentar a carência para os benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão, que sejam incluídas outras hipóteses de isenção de carência: para os filhos menores de 21 anos ou inválidos; para os irmãos menores de 21 anos ou inválidos; para os enteados e tutelados menores de 21 anos ou inválidos; para os segurados que vierem a falecer em razão de doenças análogas àquelas previstas no ar. 26, II, da Lei n. 8.213/91 caso o diagnóstico da patologia ocorra após a vinculação ao RGPS ou RPPS e o óbito ocorra antes do cumprimento do período de carência; para acidentes de qualquer natureza;

 

3.10.Que seja expressamente consignado no art. 26, II, da Lei n. 8.213/91, que versa sobre a isenção para o cumprimento do prazo de carência, que as doenças ali consignadas são meramente exemplificativas;

 

3.11. Que seja abolido o coeficiente de cálculo de 50% para a pensão por morte e auxílio reclusão para os segurados do RGPS em face da clara violação ao princípio da isonomia e do postulado do retrocesso social, restabelecendo-se o percentual de 100% previsto por força da Lei n. 9.032/95;

 

3.12.Que seja garantida a vitaliciedade da pensão por morte, sobretudo no âmbito do RGPS,tal como consagrada na legislação pregressa, considerando a informação constante do Boletim Estatístico do Ministério da Previdência Social de março de 2015 que informa o valor médio das pensões concedidas pelo INSS é de R$ 952,63, não representando importância que desequilibra os cofres da Previdência Social e também considerando a postulado que veda o retrocesso social;

 

3.13. Caso não acolhido o pedido constante do item 3.12, requer ao menos que seja afastada a aplicação da tábua de mortalidade fixada pelo IBGE para a definição do período de pagamento da pensão por morte;

 

3.14. Requer seja abolido o prazo de duração mínimo de casamento de união estável (24 meses) como condição para gerar o direito à pensão por porte e auxílio-reclusão ou, sucessivamente, haja a diminuição do prazo de que cogita a MP n. 664 de 2014 para três meses.

 

3.15. Que seja mantido o menor sob guarda como dependente no art. 217 da Lei n. 8.112/90, bem como seja contemplado expressamente no art. 16 da Lei n. 8.213/91 a figura do menor sob guarda no rol dos dependentes.

 

Pede deferimento – 06 de maio de 2015.

 

Ante o exposto, submetemos às Vossas Excelências as considerações elaboradas pelas entidades, advogados e juristas subscritores do requerimento ora formulado, conforme documentos em anexo, a fim de que a aprovação da combatida Medida Provisória n. MP n. 664/2014 não se constitua instrumento para a veiculação de manifestas injustiças sociais para os segurados do RGPS e servidores públicos federais, bem como para se evitar a judicialização das questões eventualmente aprovadas, sobrecarregando-se ainda mais o Poder Judiciário nacional.

 

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SANTOS, Roberto de Carvalho. Proposta do IEPREV, entidades que representam os servidores públicos e aposentados do brasil e juristas sobre a mp 664/2014, que alterou regras sobre o cálculo de auxílio-doença e pensão por morte. Instituto de Estudos Previdenciários, Belo Horizonte, ano 9, n. 352, 04 mai. 2015. Disponível em<http://www.ieprev.com.br/conteudo/id/37407/t/proposta-do-ieprev,-entidades-que-representam-os-servidores-publicos-e-aposentados-do-brasil-e-juristas-sobre-a-mp-664-2014,-que-alterou-regras-sobre-o-calculo-de-auxilio-doenca-e-pensao-por-morte > Acesso em: _._.