Oscar Valente Cardoso
Juiz Federal Substituto na 4ª Região, exercendo o cargo de Juiz Auxiliar do Supremo Tribunal Federal, no Gabinete do Ministro Teori Zavascki. Doutorando em Direito (UFRGS). Mestre em Direito e Relações Internacionais (UFSC). Especialista em Direito Público, em Direito Constitucional, em Direito Processual Civil, em Comércio Internacional, e em Planejamento e Gestão Estratégica. Professor da Escola Superior da Magistratura Federal de Santa Catarina (ESMAFESC).
O STJ decidiu que não deve incidir contribuição previdenciária sobre o benefício de salário-maternidade e sobre o terço de férias.
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em decisão unânime proferida no REsp 1322945, no dia 27 de fevereiro de 2013, concluiu que não deve incidir contribuição previdenciária sobre o benefício de salário-maternidade e sobre o terço de férias.
Recorda-se que as contribuições previdenciárias são espécies de contribuições sociais, com a destinação específica de custear o pagamento dos benefícios previdenciários. A hipótese de incidência está apoiada em uma atuação do Poder Público indiretamente vinculada ao contribuinte: por meio do custeio da Seguridade Social ele terá direito a benefícios ou prestações da Saúde, da Assistência Social e da Previdência Social.
Ainda, no Direito Tributário incide o princípio da legalidade do Direito Administrativo (princípio da legalidade estrita), tendo em vista que as atividades relacionadas com a arrecadação de tributos são administrativas. Logo, o agente público só pode agir se essa ação estiver expressamente permitida ou determinada pela lei. Nesse sentido, o art. 150, I, da Constituição, proíbe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
Em consequência, a cobrança de contribuição previdenciária deve observar os limites legais.
O cálculo das contribuições previdenciárias tem como valor-base o salário-de-contribuição, que consiste na soma de determinadas verbas recebidas durante o mês pelo segurado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
O art. 28 da Lei nº 8.212/91 (e o art. 214 do Decreto nº 3.048/99) lista em quatro incisos os valores que estão compreendidos no salário-de-contribuição, variando de acordo com o segurado:
“Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
I - para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa;
II - para o empregado doméstico: a remuneração registrada na Carteira de Trabalho e Previdência Social, observadas as normas a serem estabelecidas em regulamento para comprovação do vínculo empregatício e do valor da remuneração;
III - para o contribuinte individual: a remuneração auferida em uma ou mais empresas ou pelo exercício de sua atividade por conta própria, durante o mês, observado o limite máximo a que se refere o § 5º;
IV - para o segurado facultativo: o valor por ele declarado, observado o limite máximo a que se refere o § 5º”.
Com as exceções do segurado facultativo (que não exerce atividade laborativa) e do segurado especial (que não tem a obrigação de recolher contribuições), o salário-de-contribuição dos segurados empregado, empregado doméstico, trabalhador avulso e contribuinte individual baseia-se na remuneração por eles recebida durante o mês, ou seja, os valores pagos com o objetivo de retribuir o trabalho.
De outro lado, o art. 28, § 9º, da Lei nº 8.212/91 (e o art. 214, § 9º, do Decreto nº 3.048/99), traz várias verbas que, por estarem excluídas do conceito de remuneração, não integram o salário-de-contribuição.
Entre elas, a primeira alínea do dispositivo legal sujeita expressamente o salário-maternidade à incidência de contribuição previdenciária: “a) os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, salvo o salário-maternidade”.
Em relação às férias, estão excluídas apenas na forma indenizada: “d) as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata o art. 137 da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT”. Ainda no § 9º do art. 28 da Lei nº 8.212/91, afasta-se o valor decorrente da conversão de parte das férias em abono pecuniário (diante de sua natureza indenizatória): “e) as importâncias: (...) 6. recebidas a título de abono de férias na forma dos arts. 143 e 144 da CLT”.
O entendimento até então consolidado na 1ª Seção (e nas 1ª e 2ª Turmas) do STJ, competentes em matéria tributária (art. 9º, § 1º, IX, do RISTJ), era o de que: (a) “o salário-maternidade possui natureza salarial e integra, consequentemente, a base de cálculo da contribuição previdenciária” (AgRg no REsp 957719/SC, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, j. 17/11/2009, DJe 02/12/2009); (b) e o terço constitucional de férias tem natureza remuneratória e sobre ele incide a contribuição previdenciária (EREsp 512848/RS, 1ª Seção, rel. Min. Castro Meira, j. 25/03/2009, DJe 20/04/2009).
Portanto, a decisão do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1322945 é, em princípio, contra legem, por ter afastado a incidência do art. 28, § 9º, ‘a’ e ‘e’.6, da Lei nº 8.212/91, que incluem o salário-maternidade no salário-de-contribuição e não excluem o 1/3 de férias gozadas pelo segurado.
Para afastar essa concepção, o principal argumento utilizado pelo relator do acórdão, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, acompanhado pelos demais oito ministros presentes à sessão, foi o de que referidas verbas não são pagas com o intuito de retribuir o trabalho: (a) o salário-maternidade é um benefício previdenciário pago à segurada gestante ou adotante durante o afastamento de suas atividades (arts. 71/73 da Lei nº 8.213/91); (b) e o terço de férias é pago no período de descanso do segurado empregado.
Em nenhum dos casos há prestação de atividade laboral, mas, ao contrario, são verbas pagas durante o afastamento do trabalho.
Sob esse raciocínio, não se trata de um entendimento contra legem, mas sim da resolução de uma antinomia aparente existente na própria Lei nº 8.212/91, que, nos quatro incisos listados no caput de seu art. 28 inclui apenas a remuneração no salário-de-contribuição, mas, em seu § 9º, contraditoriamente insere (ou não excepciona) verbas de natureza indenizatória. Nas palavras do relator do REsp 1322945:
“Tanto no salário-maternidade quanto nas férias gozadas, independentemente do título que lhes é conferido legalmente, não há efetiva prestação de serviço pelo empregado, razão pela qual não é possível caracterizá-los como contraprestação de um serviço a ser remunerado, mas sim, como compensação ou indenização legalmente previstas com o fim de proteger e auxiliar o trabalhador”.
A inovação principal diz respeito ao afastamento do salário-maternidade, considerando que, em outubro de 2009, a 1ª Seção do STJ já havia modificado sua orientação para excluir o terço de férias da incidência da contribuição previdenciária, em pedido de uniformização de jurisprudência de processo oriundo de Juizado Especial Federal:
“TRIBUTÁRIO E PREVIDENCIÁRIO - INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS - NATUREZA JURÍDICA - NÃO-INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO - ADEQUAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ AO ENTENDIMENTO FIRMADO NO PRETÓRIO EXCELSO.
1. A Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais firmou entendimento, com base em precedentes do Pretório Excelso, de que não incide contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias.
2. A Primeira Seção do STJ considera legítima a incidência da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias.
3. Realinhamento da jurisprudência do STJ à posição sedimentada no Pretório Excelso de que a contribuição previdenciária não incide sobre o terço constitucional de férias, verba que detém natureza indenizatória e que não se incorpora à remuneração do servidor para fins de aposentadoria.
4. Incidente de uniformização acolhido, para manter o entendimento da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, nos termos acima explicitados” (Pet 7296/PE, 1ª Seção, rel. Min. Eliana Calmon, j. 28/10/2009, DJe 10/11/2009).
Esse entendimento foi mantido em acórdãos posteriores: Pet 7522/SE, 1ª Seção, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 28/04/2010, DJe 12/05/2010; EAg 1200208/RS, 1ª Seção, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 13/10/2010, DJe 20/10/2010; AgRg nos EREsp 957719/SC, 1ª Seção, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 27/10/2010, DJe 16/11/2010; AgRg na Pet 7207/PE, 1ª Seção, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 25/08/2010, DJe 15/09/2010.
Portanto, a 1ª Seção do STJ deixou de considerar o salário-maternidade e as férias como verbas remuneratórias e passou a entender que têm conteúdo indenizatório (visto que não retribuem o trabalho), razão pela qual não integram o salário-de-contribuição e não deve incidir contribuição previdenciária sobre elas.