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Implicações da extinção do fator previdenciário

Thiago Faria Campos

Procurador da Fazenda Nacional


1. INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho se aterá a uma análise da extinção do fator previdenciário, fonte de diversas discussões entre estudiosos, em razão de sua controversa incidência no cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição e por idade.

 

Na maioria das aposentadorias requeridas por tempo de contribuição, nas quais ocorre a incidência do fator previdenciário, haverá a redução do valor do benefício, situação que vem embasando os apelos pela sua extinção.

 

Inicialmente, a título exemplificativo se fará uma breve elucidação do Projeto de Lei n° 296 de 23 de março de 2003, de autoria do Senador Paulo Paim, aprovado apenas no Senado Federal, e que prevê, dentre outras providências, a extinção do fator previdenciário.

 

Posteriormente, serão apontadas as conseqüências favoráveis e contrárias à extinção do fator, bem como a adoção da Regra 95/85, proposta alternativa que visa a instituição de um novo cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição.

 

A conclusão encerrará o trabalho e se aterá a todos os aspectos demonstrados, analisando e relacionando os aspectos pertinentes, em busca de uma posição final de aplicação prática e viável para o sistema previdenciário brasileiro, considerando a visão da Previdência Social e trabalhadores.

 


2. EXTINÇÃO DO FATOR PREVIDENCIÁRIO

 

A instituição do fator previdenciário decorreu com a Lei n° 9876/99, e desde já, gerou polêmicas acerca de sua implantação e manutenção no cenário previdenciário. No mundo jurídico há divergências quanto à extinção do fator previdenciário e suas possíveis consequências, bem como a introdução de uma nova medida condizente com o envelhecimento da população, mas apta a diminuir o impacto nas aposentadorias do contribuinte.

 

Dentre várias propostas legislativas que tratam de alterações e até mesmo da extirpação desse controverso índice, denominada Fator Previdenciário, o Projeto de Lei n° 296/2003 ganhou destaque por visar, entre suas alterações, à extinção desse índice, fato que será analisado a seguir, bem como seus efeitos e viabilidade.

 

2.1. PROJETO DE LEI N° 296 DE 2003

 

No ano de 2003 foi proposto o Projeto de Lei n° 296, de autoria do Senador do Rio Grande do Sul Paulo Paim, que buscava alterar a forma de cálculo dos benefícios previdenciários, incluindo a extinção do fator previdenciário.

 

Assim consta na redação do citado Projeto, que acaba com o complexo cálculo que embasa o fator previdenciário, determinando uma simples média aritmética entre as últimas contribuições para se encontrar o salário benefício na aposentadoria:

 

Art. 1º O art. 29 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, com a redação dada pela Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999, passa a vigorar com a seguinte redação:

 

Art. 29. O salário-de-benefício consiste na média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36 (trinta e seis), apurados em período não superior a 48 (quarenta e oito) meses.

 

................................................................................................................

§ 10. No caso do segurado especial, o salário-de-benefício, que não será inferior ao salário mínimo, contando o segurado com menos de 24 (vinte e quatro) contribuições no período máximo citado, consiste em 1/24 (um vinte e quatro avo) da soma dos salários-de-contribuição apurados.” (NR)

 

Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

Art. 3º Ficam revogados os arts. 3º, 5º, 6º e 7º da Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999.

 

O referido Projeto foi proposto no Senado Federal, obtendo aprovação em 09/04/2008 e sendo encaminhado para a Câmara dos Deputados, onde permanece paralisado até o presente momento, agora sob o número 3.299/2008.

 

Até o momento não houve votação do referido projeto na Câmara dos Deputados, havendo somente aprovações da Comissão de Seguridade Social e Família e Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, além um parecer favorável do relator da Comissão de Finanças e Tributação.

 

Inclusive houve a aprovação por unanimidade, em 25/04/2012, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Requerimento nº 5080/2012 que requer urgência para apreciação desse projeto de lei.

 

Insta salientar fragmentos do voto do Deputado Germano Bonow, relator da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados:

 

Em Audiência Pública realizada em 10 de julho do corrente ano, no âmbito desta Comissão de Seguridade Social e Família, debateu-se a modificação na forma de cálculo dos benefícios, prevista neste Projeto de Lei 3.299, de 2008, do Senado Federal. Foram ouvidos representantes do Instituto de Planejamento e Economia Aplicada - IPEA, do Ministério da Previdência Social-MPS, da Associação dos Fiscais da Previdência – ANFIP e da Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas da Previdência Social-COBAP.

 

Contrários à aprovação do Projeto de Lei nº 3.299, de 2008, manifestaram-se os representantes do IPEA e do MPS. Defenderam a manutenção da regra baseada na média mais longa para a apuração do salário-de-benefício, em detrimento da média curta proposta no projeto em apreciação, bem como a preservação do fator previdenciário como instrumento de contenção das aposentadoria precoces.

 

Favoráveis à aprovação do Projeto de Lei nº 3.299, de 2008, manifestaram-se os representantes da COBAP e da ANFIP, os quais reafirmaram que o fator constitui um instrumento que impede o trabalhador de se aposentar, mesmo que tenha cumprido as exigências da Constituição Federal quanto ao tempo de contribuição. Além disso, ressaltaram que o mesmo impõe perdas irrecuperáveis às aposentadorias.

 

Em razão do exposto e em que pese a consistência técnica das posições defendidas pelos representantes do IPEA e do MPS, haja vista a função econômica exercida pelo fator previdenciário, julgamos não ser defensável sua manutenção. Seus efeitos negativos sobre os valores das aposentadorias e, sobretudo, o grau de incerteza e insegurança que sua adoção impõe aos segurados, constituem razões mais que suficientes para que sejamos favoráveis à sua extinção.

 

Não é justificável que, em função das mudanças demográficas e deprogressivas atualizações das tábuas de expectativa de vida, um trabalhador seja impossibilitado de ter conhecimento do quanto ele, ao final de sua vida produtiva, poderá contar em termos de aposentadoria. O seguro social deve ter normas claras e acessíveis ao trabalhador comum. A decisão de aposentar-se requer o conhecimento prévio de todas as regras do jogo. É, pois, imperioso dar condições e transparência para que os segurados possam fazer a sua escolha.

 

Por esses motivos, decidimos seguir a mesma linha do Parecer da Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, concluindo, portanto, pela aprovação do Projeto de Lei nº 3.299, de 2008.1

 

Em que pese a posição favorável do relator, nota-se uma divisão de opiniões quanto à extinção ou manutenção do fator previdenciário, decorrente das alterações econômicas, sociais e políticas advindas da aprovação do projeto de lei. Não há dúvidas que à extinção aumentará o salário benefício de grande parte dos aposentados, porém questiona-se a liquidez das contas da previdência no futuro.

 

Não pairam dúvidas de que esse projeto de lei visa beneficiar os trabalhadores ao possibilitar uma aposentadoria antecipada sem obediência a qualquer critério de idade e redução em seu valor, visto que se estenderá o valor do benefício até o momento de sua morte. Entretanto, antes da individualidade do segurado, não se pode olvidar acerca da universalidade do fundo previdenciário, responsável pela concessão de benefícios e serviços a toda a sociedade que, muitas vezes, mantém as condições mínimas de sobrevivências de diversos cidadãos.

 


3. CONSEQUÊNCIAS DA EXTINÇÃO DO FATOR PREVIDENCIÁRIO

 

Tem-se que a instituição do fator previdenciário decorreu de uma tentativa política de estabelecer um limite mínimo de idade para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, se justificando pela tentativa em equilibrar as contas previdenciárias e diminuir a diferença existente entre os benefícios pagos e as contribuições vertidas para a Previdência Social.

 

Desse modo, no contexto atual de indiscutíveis avanços na qualidade de vida do povo brasileira, gerando o envelhecimento da população, entra em xeque a viabilidade de extinção do fator previdenciário, vez que referido índice impede que a Previdência Social mantenha benefícios da aposentadoria por um período maior, dentro de um sistema de repartição simples.

 

Contudo, deve-se também se levar em conta que a aposentadoria do cidadão, normalmente, ocorre no momento de incapacidade laborativa do contribuinte devido a sua idade avançada, tornando o seguro social à única renda do cidadão, numa fase da vida em que as necessidades básicas incluem maiores cuidados, como remédios, médicos, alimentação adequada, entre outras providências, sendo imprescindível a manuntenção real da sua renda mensal.

 

Diante dessas considerações, serão tecidos comentários acerca da extinção do fator previdenciário do ponto de vista da Previdência Social e dos seus contribuintes.

 

3.1. CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS DA EXTINÇÃO PARA A PREVIDÊNCIA SOCIAL

 

A perspectiva da Previdência Social quanto à manutenção do fator previdenciário é evidente, pois o considera elemento importante no equilíbrio de suas contas. Dados fornecidos pelo Ministério da Previdência Social demonstram a economia oriunda da aplicação do fator previdenciário, além da circunstância que sua utilização leva muitos contribuintes a retardar seue pedidos de aposentadorias, buscando não ver sua renda achatada.

 

De acordo com o Ministério da Previdência Social2, no ano de 2009, dos benefícios concedidos, a aposentadoria por tempo de contribuição corresponde a 10,8% e a aposentadoria por idade a 10,3%, possuindo as aposentadorias por tempo de contribuição o benefício com o maior valor médio. Ainda, no Anuário Estatístico da Previdência Social de 2009 a maior despesa decorre da aposentadoria por tempo de contribuição fechando num saldo total aproximado de 60 bilhões.

 

É pautando nas estatísticas anuais divulgados pelo Ministério da Previdência Social que diversos estudiosos defendem a manutenção do fator previdenciário, como fonte para retardar aposentadorias precoces e reduzir o seu valor, servindo de instrumento para diminuir o suposto déficit previdenciário.

 

Portanto, dentre os possíveis efeitos negativos da extinção do fator previdenciário tem-se o desequilíbrio das contas da Previdência, que já apresentam uma diferença entre os gastos com benefícios e as receitas advindas das contribuições dos trabalhadores. Com a análise das estatísticas previdenciárias resta evidente o alto gasto com as aposentadorias por tempo de contribuição, mesmo com a aplicação do fator previdenciário.

 

O fator previdenciário ao reduzir a aposentadoria de trabalhadores gera uma economia anual de milhões, mesmo que haja variação nesta porcentagem em função da idade e expectativa de vida. A importância dessa economia se potencializa por se tratar de um benefício de prestação continuada e por não se exigir uma idade mínima para a sua concessão, possibilitando uma aposentadoria precoce que se estenderá ao longo dos anos.

 

Especialistas afirmam a necessidade de controle atual das contas previdenciárias, a fim de evitar uma futura falência do fundo previdenciário, ocasionando um prejuízo imensurável, principalmente diante do envelhecimento populacional. Outro dado preocupante é o aumento dos benefícios previdenciários a cada ano, em razão, principalmente, do aumento gradativo do mercado formal de empregos e, via de conseqüência, dos contribuintes, como demonstra os dados fornecidos pelo Ministério da Previdência Social:

 

O valor total dos benefícios concedidos em 2009 atingiu R$ 3,18 bilhões, o que representou um acréscimo de 8,3% em relação ao ano anterior, com os benefícios urbanos crescendo 7,0% e os benefícios rurais 15,8%. Considerando o valor dos benefícios, as espécies mais concedidas foram todas previdenciárias: o auxílio-doença, a aposentadoria por tempo de contribuição e a aposentadoria por idade, cujas participações foram de 41,5%, 10,8% e 10,3%, respectivamente.3

 

Desse modo, há uma junção de motivos aptos a exigir uma política pública para o controle das contas previdenciárias, buscando a manutenção do seguro social por meio das contribuições e minorando a necessidade de subsídio ou intervenção do Estado, objetivando não deixar os contribuintes a mercê da vontade estatal.

 

Otavio Brito Lopes, Subprocurador-Geral do Trabalho, defende a constitucionalidade do fator previdenciário, e logo, a sua existência na legislação brasileira, afirmando a sua relação com um menor dispêndio de recursos estatais para a manutenção do sistema previdenciário e efetivação do princípio da isonomia e da justiça.

 

A introdução do fator previdenciário no cálculo do valor do benefício visa albergar, além do equilíbrio financeiro e atuarial, o princípio da isonomia e da justiça, conferindo benefício maior aos que contribuem por mais tempo para o Sistema. São beneficiados, também, aqueles que se aposentam com idade mais elevada, pois receberão o benefício por um tempo menor.

 

Outro mérito inegável do fator previdenciário é a eliminação de uma forma de subsídio com recursos provenientes do Tesouro Nacional, presente no sistema atual, e que é proporcional ao grau de desequilíbrio entre o tempo de contribuição e o tempo de percepção do benefício.4

 

A menção do referido autor ao princípio da isonomia, muito utilizado entre os defensores da manutenção do índice, advém da idéia de se conceder um benefício de aposentadoria diferente àqueles que tiverem o mesmo tempo de contribuição, mas possuírem idades diferentes, visto que o beneficiário mais jovem receberá a aposentadoria por mais tempo. Assim, o fator previdenciário é o redutor responsável em igualar a despesa previdenciária individual na aposentadoria por contribuição, reduzindo o benefício em razão da idade do cidadão.

 

Portanto, o aumento anual dos benefícios concedidos e o alto gasto previdenciário com as aposentadorias por tempo de contribuição e por idade, justificam a manutenção do fator previdenciário, que uma vez extinto, não possibilitará a economia milhões aos cofres públicos, em um cenário preocupante de contas públicas bem ajustadas e em que a expectativa de vida do cidadão vem crescendo ano após ano, assim como o número de pessoas dependentes do sistema previdenciário.

 

3.2. CONSEQÜÊNCIAS POSITIVAS DA EXTINÇÃO PARA OS CONTRIBUINTES

 

Em uma vertente mais socialista e protecionista, aparecem os defensores da extinção do fator previdenciário, evitando a diminuição do benefício da aposentadoria por tempo de contribuição, já que o requisito essencial para a sua concessão é somente atingir o tempo de contribuição necessário, sem qualquer vinculação com critério de idade.

 

Para tanto, alega-se que o ordenamento legal brasileiro não veda a manutenção dos aposentados no mercado de trabalho, de tal modo que o beneficiário da aposentadoria por tempo de contribuição se manterá laborando, vertendo contribuições para a Previdência Social, não havendo possibilidade futura de revisão da aposentadoria concedida.

 

Ou seja, o aposentado por tempo de contribuição, por um lapso temporal, ainda financiará o sistema, sustentando, assim, parte de seu benefício, vindo a ser totalmente dependente do seguro social apenas quando não se mostrar mais apto ao trabalho.

 

Destarte, a concessão de aposentadoria para aqueles que detêm capacidade laborativa, já reduz os efeitos nas contas previdenciárias ao permitir a manutenção do aposentado no mercado de trabalho. Assim, o próprio cidadão financiará uma parte de seu benefício, em porcentagens variadas de 8%, 9%, 11% e 20%, de acordo com a sua categoria de contribuinte e salário, incidindo sobre a sua remuneração.

 

Em artigo escrito no periódico Paraná Online, o jornalista cita o Senador Paulo Paim (PT/RS) autor do Projeto de Lei que visa à extinção do fator previdenciário, declara suas motivações:

 

O senador frisou que essa forma de cálculo é aplicada sob a alegação de se adequar o sistema previdenciário aos impactos atuarial e financeiro da evolução demográfica, mas, de fato, tem sido utilizado para diminuir as despesas com benefícios da Previdência Social, principalmente da aposentadoria por tempo de contribuição, reduzindo seu valor ou retardando a sua concessão.

 

No aspecto social, é perverso, pois, ao privilegiar a aposentadoria por tempo de contribuição tardia e punir, drasticamente, a considerada precoce, penaliza, sobremaneira, aqueles que começaram a trabalhar cedo, na maioria trabalhadores de menores rendimentos. De fato, esses trabalhadores certamente não adiarão o início de sua aposentadoria em função de valores maiores, no futuro, proporcionados pelo fator previdenciário - observou. Segundo Paim, o fator previdenciário reduz em cerca de 40% as aposentadorias dos que integram o Regime Geral da Previdência e prejudica principalmente os mais pobres, os que recebem menos de dez salários mínimos.5

 

O senador sustenta que a utilização do fator previdenciário para diminuir as despesas com benefícios está ligada à política governamental de aplicação dos recursos oriundos de contribuições sociais em outros setores, sendo que destinação destas exações devia ser exclusiva ao financiamento da seguridade social, como determina o art. 195, I, “a” e II da Constituição Federal.

 

Fábio Zambitte Ibrahim leciona:

 

Sendo assim, tem-se entre as contribuições sociais uma espécie com destinação vinculada a um componente da seguridade social, no caso, a previdência social. As demais contribuições sociais(art. 195, I, “b”, e “c”, III, da CF/88) podem ser destinadas em qualquer segmento da seguridade, inclusive na própria previdência social. 6

 

Assim sendo, a previdência social somente tem exclusividade das contribuições advindas diretamente dos trabalhadores, porém na ausência de equilíbrio entre receitas e despesas da previdência, as demais contribuições da seguridade social arcam com o déficit, não havendo repasse de verbas estatais além das previstas para a seguridade social. Ainda, a previsão do Estado como financiador da seguridade social, estipula a responsabilidade do Poder Público em manter a seguridade social, caso haja insuficiência de recursos, retornando para o Governo o dever de assegurar as condições mínimas de vida para os cidadãos.

 

No caso específico da COFINS, Fábio Zmabitte Ibrahim afirma que “Na atualidade nacional, é fato sabido a utilização dos recursos da COFINS para outras funções distintas da manutenção da seguridade social.”

 

Portanto, ao contrário do discurso oficial, não existe um déficit previdenciário, mas um superávit ao considerar as transferências da União, que são as receitas federais arrecadadas pela União e repassadas aos seus entes federados, de tal modo que não há risco de colapso previdenciário.

 

Mesmo diante do superávit da Seguridade Social é evidente a necessidade de se aumentar a arrecadação previdenciária, podendo proceder de diversas formas sem a necessidade de políticas intervencionistas no cálculo e concessão de benefícios, como o aumento do emprego, um melhor gerenciamento do fundo previdenciário, a redução do mercado informal de trabalho, mediante incentivos para a contratação com carteira assinada e a utilização de publicidade apta a incentivar os trabalhadores autônomos e equiparados a contribuírem regularmente para a Previdência Social.

 

O aumento de contribuintes pressupõe o aumento futuro de benefícios, não indicando um prejuízo aos cofres previdenciários, por haver uma elevada gama de trabalhadores de classe baixa que recebem em média um salário mínimo, e devido à informalidade não contribuem, mas futuramente serão beneficiários da assistência social.

 

Quanto ao aspecto social, à aposentadoria é meio de manutenção das condições básicas de sobrevivência dos cidadãos em idade avançada, sendo muitas vezes, sua única fonte de renda, e assim, qualquer redução do benefício previdenciário compromete sobremaneira a renda de muitos cidadãos inaptos para se sustentarem.

 

A classe média baixa e os considerados pobres são os mais prejudicados pela aplicação do fator previdenciário, que recai sobre um salário-de-benefício baixo, reduzindo-o ainda mais a valor do benefício, retardando a aposentadoria que seria utilizada como renda complementar por um período. Essa referida parcela da população inicia uma vida laborativa mais jovens, sem muita expectativa de aumento salarial diante da falta de especialização da mão-de-obra, completando o tempo de contribuição por volta dos 50 anos de idade, o que lhes dá o direito a aposentadoria por tempo de contribuição.

 

Destarte, a aposentadoria dos trabalhadores que recebem de 1 a 3 salários-mínimos terá um valor reduzido e ainda poderá ser diminuído com a aplicação do fator previdenciário, após uma vida laborativa extensa com mais de 30 anos de contribuição, obrigando diversas vezes o retardamento da aposentadoria, já que o desconto oriundo da aplicação do fator previdenciário faz falta para o orçamento familiar.

 

Constam dados que a idade média da aposentadoria por tempo de contribuição se alterou em função do fator previdenciário, mas estabilizou logo após a publicação da Lei n° 9876/99, como relatado abaixo:

 

O fator previdenciário foi introduzido com o objetivo de estimular as pessoas a se aposentarem mais tarde. Dados fornecidos pela Ministério da Previdência Social indicam que a média de idade para aposentadoria por tempo de contribuição elevou-se após a reforma da Previdência Social, e continuou nesse trajetória após a introdução do fator previdenciário e a utilização da média longa, por meio da Lei nº 9.876/99. No caso das mulheres, a idade média passou de 48,3 anos, em 1997, para 51,9 anos, em 2003. Quanto aos homens, a idade média saltou de 49,7 para 54,9 anos no mesmo período. De lá para cá, nota-se uma estabilidade na idade média em que as pessoas decidem aposentar-se por tempo de contribuição.

 

No entanto, se voltarmos ao início da década de 90, observamos que a idade média atual de aposentadoria é semelhante à daquele período. Houve uma queda acentuada, que começou em 1992 e se estendeu até 1997. Daí em diante, verificamos elevação da idade média até 2003, com a estabilização desde então.7

 

Portanto, temos o fator previdenciário principalmente como um redutor da aposentadoria por tempo de contribuição, justificado em um déficit previdenciário irreal, e baseado em um equilíbrio financeiro e atuarial, inexistente na visão do Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal, abaixo transcrito:

 

Meu raciocínio é que o sistema atuarial não é um sistema atuarial puro, considerada a contribuição patronal e a contribuição do prestador de serviços, porque, se o for, não haverá base para a observância do texto do art. 195. Por isso, não podemos dar um ênfase maior à referência ao sistema atuarial.

 

Até aqui fala-se muito que a previdência está quebrada, mas ninguém parou, ainda, para imaginar qual é a porcentagem de contribuição do Estado lato sensu, mesmo porque não está prevista em diploma legal algum.8

 

Logo, o Estado como gerenciador do seguro social, deverá reduzir os seus benefícios somente em caso de extrema necessidade, evitando-as enquanto houver outras políticas de arrecadação e diminuição de despesas.

 

A redução do valor do benefício efetuada pelo fator previdenciário reduz as despesas da previdência, mas afeta individualmente, e de forma gravosa, os contribuintes dependentes do sistema, de tal modo que o caráter protetivo da Previdência Social se coaduna com um benefício individual digno e com a solidariedade do sistema, devendo incidir índices redutores somente em extrema necessidade.

 

3.3. RETROATIVIDADE

 

O Projeto de Lei citado neste estudo não prevê em seu texto a retroatividade para os aposentados que tiveram seus benefícios influenciados pelo fator previdenciário. Não há dúvida que tal questão levará ao ingresso administrativo e judicial para a revisão do valor do benefício da aposentadoria.

 

O deputado Pepe Vargas (PT-RS) relator na Câmara da proposta denominada de Regra 85/95, adiante explicitada, prediz que “Não há recurso no Orçamento para a retroatividade do fator 85/95 para todos os segurados que perderam com o fator previdenciário9”.

 

Conseqüentemente, o Fisco não possui receita para a reposição do montante economizado com o fator previdenciário, impossibilitando a previsão legislativa da retroatividade, que, inicialmente, evitará a reposição do valor aos aposentados, discussão que ganhará, com certeza, campo no sistema judiciário.

 

3.4. PROPOSTA ALTERNATIVA - A REGRA DO 95/85

 

A discussão acerca da extinção do fator previdenciário se estende a outro aspecto, a necessidade de uma medida suplementar hábil a diminuir o impacto da extinção do fator previdenciário nas contas da Previdência. O aumento da expectativa de vida da população e a diminuição da natalidade induzem uma política de controle do fundo previdenciário, evitando um colapso futuro, em que a população economicamente ativa decrescerá e a população inativa aumentará consideravelmente.

 

Túlio Cambraia, consultor orçamentário da Câmara dos Deputados, demonstra claramente a economia oriunda do fator previdenciário, in verbis:

 

Apesar disso, o fator previdenciário tem proporcionado economia para as contas da Previdência Social. Desde sua criação até 2007, deixou-se de pagar cerca de R$ 10,1 bilhões em aposentadorias por tempo de contribuição. Além disso, o fator previdenciário busca estabelecer uma melhor relação entre o valor a ser pago e o tempo de duração do benefício. Ele impõe um desconto no valor do benefício, que é maior quanto menor for a idade e o tempo de contribuição.10

 

Mesmo diante de um superávit da Seguridade Social, a economia proporcionada pelo fator previdenciário se tornará cada dia mais essencial, mas não impede a substituição do referido fator por outra medida que também traga economia para os cofres previdenciários.

 

A prejudicialidade decorrente da aplicação do fator previdenciário entra em questão diante de um Estado de Bem-Estar Social, que deve prover as melhores condições de vida de sua população. Assim, busca-se a adoção de uma medida intermediária, em que haja uma economia financeira, mas não prejudique diretamente o valor do benefício da aposentadoria.

 

Há uma proposta que tem sido discutida entre governo, aposentados, centrais sindicais e parlamentares, visando à manutenção do fator previdenciário, com a adoção de algumas mudanças e instituição de uma nova regra para a aposentadoria por tempo de contribuição, que não incluíra a aplicação do fator previdenciário.

 

João Batista Lazzari explicita essa proposta:

 

A questão está se encaminhando para um acordo de lideranças. Nessa proposta o fator previdenciário é mantido com as seguintes alterações:

 

a) congelamento da tábua de expectativa de vida na data que o segurado completar os requisitos para aposentadoria. A vantagem seria o segurado continuar trabalhando além do tempo normal para, quando requerer o benefício, tê-lo calculado com base em uma tábua de expectativa de vida mais benéfica;

 

b) cálculo do benefício pela média de 70% (setenta por cento) das contribuições do período de cálculo, aproveitando as maiores contribuições. Hoje o cálculo é feito aproveitando 80% (oitenta por cento) das contribuições do período;

 

c) instituir uma nova regra que permita ao segurado se aposentar sem aplicação do Fator Previdenciário. Trata-se de uma fórmula, conhecida como regra 85/95, que soma a idade do segurado com o seu tempo de contribuição. Quando esta soma atingir 95, para o homem, e 85, para a mulher, não será aplicado o redutor do Fator Previdenciário. Para os professores a fórmula seria 90 para o homem e 80 para a mulher.11

 

A referida proposta ao manter o fator previdenciário, diminui os seus impactos ao congelar a tábua de expectativa de vida, que é dado inversamente proporcional ao valor do fator previdenciário. Destarte, a atualização anual da expectativa de vida pelo IBGE, altera o cálculo do fator previdenciário, visto que aquele trabalhador que permanecer na atividade por mais alguns anos visando o aumento do fator previdenciário, quando for novamente calcular a aposentadoria sofrerá descontos decorrentes do aumento da expectativa de vida que a cada ano se eleva.

 

Pautando-se na idéia de impossibilidade de extinção do fator previdenciário diante do envelhecimento da população, cria-se uma nova regra suplementar, ou seja, uma opção intermediária em que não incidirá o fator previdenciário e não criará uma idade mínima para a aposentadoria, mas conjugará o tempo de contribuição e a idade em busca de uma aposentadoria integral e um controle da idade.

 

A instituição da regra 95/85 reduziria o prazo atualmente exigido para a concessão de uma aposentadoria por tempo de contribuição integral, assim um homem com 35 anos de contribuição, se aposentaria aos 60 anos integralmente, bem como o que tiver 38 anos de contribuição e 57 anos de idade. Seguindo os mesmos exemplos, um homem aos 60 anos e 35 anos de contribuição sofre a incidência de um fator previdenciário no valor de 0,870, sofrendo um desconto de 13% em sua aposentadoria, e um homem aos 57 anos e 38 anos de contribuição, o fator aplicado é de 0,846, sofrendo um desconto de mais ou menos 16%, de acordo com valores para o ano de 2011.

 

Túlio Cambraia demonstra o impacto da extinção do fator previdenciário e a economia oriunda da Regra 95/85:

 

A extinção do fator previdenciário, pura e simplesmente, elevará a NFSP dos atuais 1,55% do PIB para 7,10% em 2050. Se adicionarmos a mudança para a média curta, o impacto sobe para 11,09%. A proposição com base na Regra 95/85, reduz o impacto para 6,28% do PIB. Preservadas as regras atuais, a NFPS ficará em 5,75% do PIB.12A instituição da Regra 95/85 majora os gastos previdenciários com os benefícios da aposentadoria, como dispõe os dados acima. Desse modo, em obediência ao Princípio da Preexistência do Custeio previsto art. 195, §5° da Constituição Federal, necessita da indicação de uma fonte de custeio para cobrir o aumento das despesas procedentes da adoção da nova regra, visto haver uma diferença financeira considerável entre as despesas com a nova regra e a manutenção do fator previdenciário.

 

Tem-se, assim, que a regra 95/85 não exclui o impacto financeiro das aposentadorias por tempo de contribuição, mas o reduz, além de facilitar a aposentadoria integral, ou seja, é a estipulação de uma regra apta a favorecer o contribuinte e a Previdência Social dentro das possibilidades financeiras do seguro social, sendo uma norma eficiente para se obter um meio termo entre as propostas dos dois lados, governo e contribuintes.

 

Portanto, trata-se de nova regra que demanda urgência de debates e discussões mais aprofundas em nossas Casas Legislativas, possibilitando um aperfeiçoamento do tão criticado fator previdenciário como único índice de aplicação nas aposentadorias da população.

 

4. CONCLUSÃO

 

A extinção do fator previdenciário é um tema polêmico no cenário previdenciário, por influenciar diretamente o trabalhador e a receita previdenciária. As alterações procedentes da Emenda Constitucional n° 20/98 proporcionaram um âmbito jurídico de intervenção nos benefícios da aposentadoria, a fim de perseguir um equilíbrio financeiro e atuarial.

 

A aposentadoria por tempo de contribuição obrigatoriamente sofre a incidência do fator previdenciário, ficando o seu cálculo dependente do tempo de contribuição, idade e expectativa de vida, possibilitando a redução ou aumento do valor do benefício dessa aposentadoria.

 

A redução no valor de aposentadoria levado a cabo pela utilização do fator previdenciário, que se estenderão durante todo o benefício, coloca em xeque a existência do fator previdenciário e sua necessidade para a manutenção das contas previdenciárias. Contudo, revela-se inegável a economia decorrente da instituição desse índice, chegando a um montante de 10 bilhões de reais, porém executado sobre o prejuízo dos contribuintes. Nesse contexto surgem propostas de extinção do famigerado índice, dentre os quais o atual Projeto de Lei n° 3299/08.

 

Em favor da manutenção do fator previdenciário alega-se o déficit previdenciário decorrente da diferença entre os benefícios e serviços prestados pelo INSS e as contribuições sobre a folha de pagamento arrecadadas, assim como o aumento da expectativa de vida, com o envelhecimento da população e diminuição da população economicamente ativa, em um sistema de repartição simples.

 

Contrário a manutenção do fator previdenciário tem-se a inexistência de déficit na Seguridade Social, que atua superavitária ao considerar todas as contribuições vertidas para a sua manutenção e que muitas vezes são utilizadas para fins diversos; a ausência de lei determinando os repasses da União para a Seguridade Social; a redução proferida no benefício do cidadão em um momento de incapacidade laborativa; a manutenção do aposentado no mercado de trabalho contribuindo para a previdência sem que posteriormente haja revisão no benefício; e a elevada incidência nas aposentadorias dos trabalhadores de classe baixa, que em decorrência da ausência de oportunidades iniciam a vida laborativa mais cedo.

 

Sopesados os dois lados, revela-se medida de prudência a adoção de uma medida intermediária para a aposentadoria por tempo de contribuição, já adotada para os servidores públicos, denominada de regra 95/85. Essa regra ameniza o impacto financeiro oriundo da extinção do fator previdenciário e institui um novo cálculo para essa aposentadoria possibilitando uma aposentadoria precoce, sem a incidência do fator previdenciário, obedecendo uma cumulação entre a idade e tempo de contribuição.

 

Em relação ao impacto nas contas previdenciárias, a regra 95/85 o reduz em comparação à simples extinção do fator previdenciário, necessitando da indicação de uma fonte de custeio, que poderá advir da COFINS e CSLL que não são integralmente repassadas, como deveriam, para a Seguridade Social.

 

Logo, evidencia-se que a pura extinção do fator previdenciário se mostra inviável diante do inegável envelhecimento da população brasileira e da diminuição de sua parcela ativa, sendo importante se discutir de forma mais efetiva a regra do 95/85 e adotá-la, o quanto antes, a fim de se favorecer o contribuinte e não arriscar um colapso futuro do seguro social. Conjuntamente com essas medidas, exige-se a adoção de demais políticas, como um incentivo a diminuição do trabalho informal e um maior número de contribuições dos autônomos e equiparados; assim como, por parte do Estado, um melhor gerenciamento das contribuições sociais e administração da Seguridade Social, como uma preferência de investimento destas contribuições na Seguridade Social.

 


REFERÊNCIAS

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NOTAS

1 BRASIL. Senado Federal. Comissão de Seguridade Social e Família. Projeto de lei nº 3.299, de 2008. Relator: Deputado Germano Bonow. Brasília, DF, 2008. Disponível em: <www.sindsepmg.org.br/v3/downloads/4/1984.rtf>. Acesso em: 25 ago. 2013.

2 BRASIL. Ministério da Previdência Social. Previdência social: AEPS 2009 - Seção I - Benefícios - Subseção A - Benefícios Concedidos. Disponível em http://www.previdencia.gov.br/estatisticas/aeps-2009-secao-i-%c2%96-beneficios-subsecao-a-beneficios-concedidos/. Acesso em 16 out. 2013.

3 BRASIL. Ministério da Previdência Social. Previdência social: proteção para o trabalhador e sua família. Disponível em:www.mpas.gov.br. Acesso em: 22 ago. 2013.

4 LOPES, Otavio Brito. Reforma da previdência da social – Lei nº 9.876/99: a constitucionalidade do fator previdenciário. [200-]..Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_06/refor_prev_Otavio.htm>. Acesso em: 15 set. 2013.

5 PASSOS, Edesio. Extinção do fator previdenciário e aumento aos aposentados. [200-].Disponível em: <http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/291806/>. Acesso em: 20 set. 2011.

6 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário.16°.ed. Niterói:Impetus, 2011, p. 122.

7 CAMBRAIA, Tulio. Os efeitos da extinção do fator previdenciário e do retorno à média curta. 2009. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1444/efeitos_extincao_cambraia.pdf?sequence=1>. Acesso em: 22 set. 2013.

ADIn n° 2111/DF, Rel. Min. Sydney Sanches. DJ 05/12/2003.

9 GUIMARÃES, JUCA.. Agora São Paulo. Benefício reduzido pelo fator pode subir. 09/04/2009. Disponível em: <http://www.adec.org.br/popup.php?id=170&tipo=artigo>. Acesso em: 22 set. 2013. Acesso em 17/10/2013.

10 CAMBRAIA, Tulio. Os efeitos da extinção do fator previdenciário e do retorno à média curta. 2009.Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1444/efeitos_extincao_cambraia.pdf?sequence=1>. Acesso em: 25 set. 2013.

11 LAZZARI, João Batista; CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de direito previdenciário.12°.ed.Florianópolis:Conceito, 2010, p. 838.

12 CAMBRAIA, Tulio. Os efeitos da extinção do fator previdenciário e do retorno à média curta.2009. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1444/efeitos_extincao_cambraia.pdf?sequence=1>. Acesso em: 30 set. 2011.

 

REFERÊNCIA

CAMPOS, Thiago Faria. Implicações da extinção do fator previdenciário.  Instituto de Estudos Previdenciários, Belo Horizonte, ano 08, n.297, 15 Abr. 2014. Disponível em: < >.