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Assistência Social no Brasil

 


ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL

Um enfoque sobre a dignidade da pessoa humana e o critério da miserabilidade

MARY LOURDES GONÇALVES – Especialista em Direito Previdenciário


 

RESUMO

O presente artigo –  A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O CRITÉRIO DA MISERABILIDADE: LEI FEDERAL N.º 8.742/1993 – tem como objetivo questionar o requisito miserabilidade, que deve estar atrelado ao bem-estar social disposto no artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos do Homem e em consonância com o preceito constitucional da dignidade da pessoa humana. O estudo não tem a presunção de buscar alternativa, fórmula ou pacificar o assunto em questão. O método de pesquisa adotado baseia-se em uma análise de vasta bibliografia com autores abalizados e consulta ao site oficial do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Aborda, portanto, um breve histórico do Direito Social; a assistência social e a Constituição Federal de 1988, adentrando, então, na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Continuando, chega ao âmago da questão, ou seja, o critério miserabilidade. Argüi, ainda, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e, por fim, a assistência social em consonância com o aludido princípio. Do estudo, conclui-se que o requisito “miserabilidade”, previsto na Lei Federal n.º 8.742/1993 em estudo, pressupõe um valor justo para um padrão de vida mínimo, suficiente a assegurar ao cidadão saúde e bem-estar, o que inclui alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e serviços sociais indispensáveis, conferindo dignidade ao cidadão. Assim, a única forma de se chegar à justiça social é reduzir as desigualdades sociais e o Estado cumprir o seu papel fundamental, ou seja, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária.

 


1 INTRODUÇÃO

O   que   se  gostaria  de   conservar  da  família, no terceiro milênio, são seus aspectos positivos: a solidariedade, a  fraternidade, a  ajuda  mútua, os laços de afeto e de amor.

 

Nós e o ninho. Reflexões para o Futuro. Michel Perrot.

 

Atualmente já se fala em uma terceira geração dos direitos do homem, sendo o direito de solidariedade, do bem-comum, o direito à paz, ao desenvolvimento, ao respeito ao patrimônio comum da humanidade e ao meio ambiente, o que justifica o tema proposto.

 

O artigo 170 da Constituição Federal aponta a justiça social como uma das metas da ordem econômica brasileira, além de enfocar no inciso VII  a “redução das desigualdades regionais e sociais”.

 

Desta forma, só haverá justiça social onde a distribuição contemplar com número maior de benefícios quem tiver mais necessidade e, em contrapartida, quem tiver menor necessidade receberá menos benefícios.

 

Hodiernamente, a política de assistência social vem sofrendo significativas mudanças de concepção e desenho que, embora lentas e insuficientes, traduzem a possibilidade de que ela caminhe para a consecução do seu objetivo mor, qual seja, o  de contribuir para a redução dos altos graus de desigualdade social do país.

 

Todos os instrumentos contidos na ordem social são desdobramentos dos objetivos fundamentais da República consoante artigo 3º da Carta Magna. A construção de uma sociedade livre, justa e solidária só será possível mediante o desenvolvimento nacional, cuja efetivação ocorrerá somente de forma solidária e só o desenvolvimento é capaz de garantir que todos os direitos sociais sejam efetivados. Daí o objetivo do presente estudo, o de conciliar o requisito miserabilidade da lei em escopo com dignidade e bem-estar.

 

Desta forma, o presente trabalho se dividiu em tópicos, abordando, resumidamente, a história do Direito Social e, em particular, a assistência social, a Constituição Federal/1988 e a Lei Orgânica da Assistência Social. Questiona o critério da miserabilidade argüido pela Lei Federal 8742/1993 e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, preceito este que deve prevalecer no quantum determinado pela lei, observando um padrão de vida mínimo, suficiente a assegurar ao cidadão saúde e bem-estar.

 

Ressalte-se que este trabalho não tem a ilusão de apresentar novas idéias ou perquirir solução acerca da questão suscitada, mas apenas trazer à baila um traço característico da Lei Federal em estudo.

 

2 BREVE HISTÓRICO DO DIREITO SOCIAL

 

É servindo um ao outro que somos livres. Távola Redonda – Rei Arthur.          

                         

O primeiro ato de assistência social remonta a 1601, com a edição da Lei dos Pobres, que regulamentou a instituição de auxílios e socorros públicos aos necessitados. Também, na Alemanha, em 1883, instituiu-se o seguro-doença, obrigatório para os trabalhadores da indústria, de concepção de Otto Von Bismarck, com tripla contribuição do Estado, empresas e trabalhadores. Mas é efetivamente com o advento das contribuições sociais que o novo ramo do Direito ganha força e solidifica-se. No mundo, a primeira Constituição a incluir a Previdência em seu texto foi a mexicana, de 1917, seguida pela Constituição de Weimar (Alemanha) de 1919, que foi considerada a matriz do constitucionalismo social. 

 

Odonel Urbano Gonçalves em seu Manual de Direito Previdenciário, aborda alguns fragmentos da previdência social:                                 

 

Desde priscas eras observa-se a preocupação do homem com o bem-estar do seu semelhante. A família romana, através do pater família, tinha a seu cargo a obrigação de prestar assistência às pessoas que a integravam (servos e clientes). Feijó Coimbra (Direito Previdenciário Brasileiro. Rio de Janeiro: Trabalhistas, 1991, p. 18) refere-se à existência, em Roma, de associação que sobrevivia de contribuições de seus membros e que tinha como objetivo a prestação de ajuda aos membros mais necessitados (MOTTA FILHO; SANTOS, 2003, p. 831).

 

A Constituição do Império, de 1824, no Brasil, garantiu os “socorros” públicos conforme o artigo 179, parágrafo 31, Título VIII – Das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros (CHIMENTI et al, 2005, p.516).

 

No Brasil, a Constituição de 1891 foi a primeira a estabelecer a aposentadoria, porém, privilegiava apenas uma categoria, a dos funcionários públicos a serviço da Nação e em caso de invalidez, benefício este que não era passível de contribuição para seu financiamento. Aliás, nessa fase inicial entre a primeira e a segunda Constituição Federal Brasileira (1824 a 1891), o Estado ainda mantinha-se à parte na proteção aos interesses sociais. Em 15 de janeiro de 1919, por meio do Decreto n.º 3724, foi estabelecido o precursor para o seguro de acidentes de trabalho, compulsório para algumas atividades, onde era obrigação do empregador indenizar o empregado ou à família deste no caso de acidente com morte ou ocorrência de alguma doença no exercício da atividade laborativa, que restringisse a capacidade para o trabalho (VIEIRA, 2006, p. 5).

 

O marco inicial do Direito Previdenciário no Brasil deu-se com o Decreto n.º 4682 de 24 de janeiro de 1923, de origem legislativa, denominado Lei Eloy Chaves em homenagem ao Deputado Federal paulista que foi o responsável pela elaboração do projeto de lei que instituiu a previdência social brasileira.

 

Este Decreto tornou-se o marco inicial da previdência social no Brasil, criando a Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAP) para os empregados de empresa ferroviária, abrangendo essa categoria nacionalmente e prevendo outros tipos de aposentadoria como: a por invalidez; a aposentadoria ordinária, ou seja, a que combina tempo de serviço com idade; pensão por morte e assistência médica.  As CAPs eram compostas de fundos originários, basicamente de contribuições dos empregados e  dos empregadores, mas havia, também, as contribuições do Estado entre outras receitas (VIEIRA, 2006, p. 5/6).

 

Nos idos de 1926 foram estendidos aos portuários e aos marítimos os benefícios da Lei Eloy Chaves através do Decreto n.º 5485. Em 1930, por meio do Decreto n.º 19.497, foram criadas as Caixas de Aposentadorias e Pensões dos Empregados dos serviços de força, luz, bondes e telefones vinculados a Estados, municípios e empresas particulares. As Caixas de Aposentadorias e Pensões eram organizações de seguridade social por empresa (VIEIRA, 2006, p.6).

 

A Carta Magna de 1934 foi a primeira a fazer referência à expressão “previdência”, estabelecendo o princípio da forma tríplice de custeio, tornando obrigatória a contribuição. Essa Constituição foi outro grande avanço para a seguridade social brasileira, pois estabeleceu competência para a União fixar regras de assistência social, conferindo aos Estados-membros responsabilidade para cuidar da saúde e assistência pública, bem como competência aos Estados para fiscalizar a aplicação das leis sociais. Outra peculiaridade dessa Constituição era a aposentadoria compulsória para os funcionários públicos aos 68 anos de idade (VIEIRA, 2006, p. 6/7).

 

Em 1936 foi criado o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários (IAPI), do qual eram excluídos os que exerciam atividades industriais exclusivamente familiares (VIEIRA, 2006, p.7).

 

A Constituição Federal de 1937 previa a instituição de velhice, de invalidez, de vida e para os casos de acidente de trabalho. E em 1938, foi criado o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transporte de Cargas, o IAPTEC (VIEIRA, 2006, p. 7).

 

Em 23 de fevereiro de 1938, o Decreto-Lei n.º 288 criou o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado – IPASE, que garantia aposentadoria para os funcionários civis e efetivos, interinos ou em comissão, além de pensão por morte vitalícia ao cônjuge sobrevivente, do sexo feminino ou do sexo masculino, caso este fosse inválido ou maior de 68 anos de idade, não se encontrando em gozo de benefício de pensão ou aposentadoria. Também era garantida pensão a cada filho legítimo ou legitimado, menor de 22 anos de idade ou até que completasse esta idade, ou enteado nas mesmas condições e pecúlio em dinheiro à pessoa designada pelo contribuinte (VIEIRA, 2006, p. 7).

 

O Decreto n.º 7526 de 1945 previa a criação do Instituto de Serviços Sociais do Brasil (ISSB), que cobriria todos os empregados ativos a partir de 14 anos de idade (VIEIRA, 2006, p. 7).

 

Na Constituição de 1946 foi empregada pela primeira vez a expressão “Previdência Social”. A Lei de Organização da Previdência Social (LOPS), n.º 3.807 de 1960, padronizou o sistema assistencial ampliando os benefícios, instituindo o auxílio-natalidade, o auxílio-funeral, o auxílio-reclusão e estendeu a área de assistência social para outras categorias profissionais (VIEIRA, 2006, p. 8).

 

Em 1963, criou-se o Fundo de Assistência do Trabalhador Rural (FUNRURAL)  e a Lei 4.266 estabeleceu o salário-família (VIEIRA, 2006, p. 8).

 

Através da Emenda Constitucional n.º 11, de 31 de março de 1965, estipulou-se a regra de que benefícios previdenciários (prestações em dinheiro) não mais poderiam ser majorados, estendidos ou criados senão com o expresso apontamento da respectiva fonte de custeio total (MOTTA FILHO; SANTOS, 2003, p. 833).

 

Na Constituição Federal de 1967, em seu artigo 158, repetiram-se praticamente as diretrizes estabelecidas na Carta de 1946. A regra do custeio é mantida e insere-se o “seguro desemprego”, além do benefício da aposentadoria à mulher aos trinta anos de trabalho, com salário integral. A Emenda Constitucional de 1969 segue os mesmos passos da Constituição de 1967, sem grandes alterações (MOTTA FILHO; SANTOS, 2003, p. 834).

 

Na Carta de 1988, promulgada aos 05 de outubro de 1988, vislumbrou-se o seguro social com mais amplitude, instituindo as bases da Seguridade Social com a inclusão da saúde e assistência social. Nessa Constituição, a saúde é direito de todos e dever do Estado, devendo as ações da comunidade e os serviços públicos de saúde integrarem um sistema único (MOTTA FILHO; SANTOS, 2003, p. 834).

 

A Constituição Federal não conceituou de maneira propriamente dita a expressão Seguridade Social, mas no seu artigo 194 é enunciada a sua abrangência, dispondo que a mesma compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, o que no próximo item será explicitado.

 

2.1 A Assistência Social e a Carta da República de 1988

 

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Preâmbulo da Constituição Brasileira de 1988.

 

A Constituição cidadã, como foi denominada a Carta Magna de 1988, procurou estabelecer e reforçar uma série de direitos sociais, nascendo, assim, a constitucionalização da Assistência Social, prescrita nos artigos 203 e 204, em que se previu a participação do Estado e dos particulares na criação de condições de sobrevivência aos que não possuem o mínimo para subsistência própria, no caso, os deficientes e os idosos. A guisa da regulamentação dos artigos constitucionais, em 07 de dezembro de 1993, foi publicada a Lei n.º 8.742, que passou a dispor sobre a Organização da Assistência Social. Posteriormente, em 08 de dezembro de 1994, o Decreto de n.º 1.330 e, em 08 de janeiro de 1995, o Decreto n.º 1.744, regulamentaram o benefício assistencial.

 

Seguridade Social vem a ser o conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade destinados a assegurar os direitos à saúde, à previdência e à assistência social consoante o caput do artigo 194 da Carta da República de 1988.

 

E nesse compasso, Sérgio Pinto Martins, assevera:

 

Seguridade Social é um conjunto de princípios, de normas e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (1999, p. 41)

 

A expressão Seguridade Social adotada pelo constituinte de 1988, foi alvo de críticas, vez que o termo mais adequado da língua portuguesa seria segurança e não seguridade. No entanto, o Estado, pelo novo conceito, é o responsável pela criação de um sistema de proteção capaz de atender aos anseios e necessidades de todos na área social.

 

Desta forma, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, segundo o artigo 203 da Constituição Federal, ou seja, àquelas pessoas que não possuem condições de manutenção própria. Assim como a saúde, independe de contribuição direta do beneficiário, sendo o requisito para o auxílio assistencial à necessidade do assistido.

 

A assistência à saúde e a assistência social são direitos subjetivos que independem de contribuição para o seu custeio, devendo o sujeito de direito preencher as condições previstas em lei, que variam de acordo com a necessidade e o tipo de prestação, para fazer jus ao benefício ou serviço.

 

Ao lado dos direitos individuais, que têm por característica fundamental a imposição de um não fazer ou abster-se do Estado, a moderna Constituição Federal/1988 impõem aos Poderes Públicos a prestação de diversas atividades, visando ao bem-estar e ao pleno desenvolvimento da personalidade humana, sobretudo em momentos em que ela se mostra mais carente de recursos e tem menos possibilidade de conquistá-los pelo seu trabalho.

 

Pelos direitos sociais tornam-se deveres do Estado assistir à velhice, aos desempregados, à infância, aos doentes, aos deficientes de toda sorte, etc.

 

Finalmente, Wagner Balera citado por José Luiz Quadros de Magalhães em seu livro, Direito Constitucional, bem observa:

 

O ideal de um modelo de assistência social destinado a proteger integralmente as pessoas, enquanto ideal, está colocado no já referido objetivo fundamental do Estado Brasileiro expresso no art. 3º, III, do Código Supremo: a erradicação da pobreza e da marginalização. Tal ideal encontra instrumental de viabilização num elenco de objetivos específicos do setor de assistência social. De certo modo, pois, cada um dos objetivos da Assistência Social está referido ou relacionado diretamente a objetivo fundamental do Estado, como definido pelo art. 3º  (2002, p. 276/277).

 

Nesse contexto, a tônica geral do constitucionalismo clássico era de obrigação do Estado perante os direitos subjetivos como uma abstenção que consistia em omitir as violações e deixar livre o desfrute. No constitucionalismo social se observa mais a obrigação do Estado como dever de fazer ou de dar algo em favor dos seres humanos, aparecendo, assim, as prestações positivas a cargo do Estado, cobrindo vários pontos como a família, o trabalho, a educação e a cultura. Do Estado polícia que cuida e que vigia passou-se para o Estado do Bem-Estar Social, que faz e promove, procurando harmonizar e coordenar a liberdade e a autonomia individual com a justiça, a solidariedade e a cooperação social (MAGALHÃES, 2002, p. 219).

 

Por derradeiro, vale dizer que o ideal de assistência social é a que tem o fim de diminuir as desigualdades sociais, prover os mínimos sociais e atender as necessidades básicas dos cidadãos, servindo a quem dela necessitar, conforme previsto nas LOAS, o que possibilita a inserção social e a garantia de uma existência digna às pessoas deficientes de baixa renda.

 

3 A LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

 

A assistência pública é uma obrigação sagrada. A sociedade deve a subsistência aos cidadãos desvalidos, seja na busca de trabalho, seja assegurando os meios de existência àqueles que se encontram sem condições de trabalhar. Artigo  XXI  da  Tábua  da  Declaração  dos  Direitos  do Homem e do Cidadão, decretada  pela Convenção  Nacional  Francesa  em 1793.

 

Primeiro, mister esclarecer a diferença entre previdência e assistência social, posto que a primeira é a contraprestação diante de contribuições feitas pelos empregadores e empregados, enquanto que a segunda firma-se na solidariedade humana e a solidariedade que tem no Estado um instrumento de atuação.

 

A assistência social é regida por lei própria, a Lei 8.742, de 07 de dezembro de 1993 – LOAS –, a qual traz definição legal deste segmento da seguridade social em seu artigo 1º:                

                         

A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (IBRAHIM, 2005, p. 9).

 

A assistência social tem por objetivo a proteção à família, á maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária e a garantia de 01 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família em consonância com o artigo 2º da mencionada lei (IBRAHIM, 2005, p. 9). 

 

O propósito nuclear da assistência social é preencher as lacunas deixadas pela previdência social, já que esta não é extensível a todo e qualquer indivíduo, mas somente aos que contribuem para com o sistema previdenciário, além de seus dependentes. E em razão da previdência social não atingir pessoas carentes, a assistência social é definida como atividade complementar ao seguro social, regendo-se pelos seguintes princípios (IBRAHIM, 2005, p.9):

 

       I - supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;

 

        II - universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;

 

        III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;

 

        IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;

 

        V - divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.

 

Para a concessão do benefício assistencial, entende-se por família o conjunto de pessoas vivendo sob o mesmo teto, ou seja, o cônjuge, o companheiro ou a companheira, os pais, os filhos, inclusive o enteado e o menor tutelado, e irmãos não-emancipados de qualquer condição, menores de vinte e um anos ou inválidos.

 

O benefício é pago mensal e sucessivo, portanto, de trato continuado, sendo, ainda, personalíssimo e, por isso, intransferível, não gerando direito à pensão por morte a herdeiros ou sucessores. Devido à sua natureza assistencial, o benefício não está sujeito a nenhum desconto de contribuição e não pode cumular com nenhum outro benefício da Seguridade Social ou de outro órgão público, salvo a assistência médica.

 

A concessão do benefício somente será feita ao brasileiro, inclusive ao indígena, não amparado por nenhum sistema de previdência social ou ao estrangeiro naturalizado e domiciliado no Brasil, não coberto por sistema de previdência do país de origem.

 

A lei traz que o benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

 

O benefício assistencial foi criado pela Lei nº. 6.179/1974 e, posteriormente, substituído pela renda mensal vitalícia da Lei nº. 8.213/1991 e, em seguida, deu lugar ao benefício da prestação continuada da Lei nº. 8.742/1993, que não enseja pensão por morte.

 

Ressalte-se que, no período de 1º de janeiro de 1996 a 31 de dezembro de 1997, vigência da redação original do artigo 38 da Lei 8.742/1993, a idade mínima para o idoso era de 70 (setenta) anos. Já no período de 1º de janeiro de 1998 a 31 de dezembro de 2003, a idade mínima para o idoso passou a ser de 67 (sessenta e sete) anos em razão da Lei 9.720/98 e, finalmente, a partir de 1º de janeiro de 2004, com o Estatuto do Idoso, artigo 34 c/c artigo 118, ambos da Lei 10.741/03, a idade passou para 65 (sessenta e cinco) anos, apesar da mencionada lei fixar idade de 60 (sessenta) anos como paradigma para a qualificação da pessoa idosa.

 

Ainda na lei, no parágrafo terceiro, considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa, a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. Esclarece ainda a lei que, o benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.

 

O benefício poderá ser pago a mais de um membro da família desde que comprovadas todas as condições exigidas. Contudo, para o deficiente físico, o valor concedido a outros membros do mesmo grupo familiar passa a integrar a renda, para efeito de cálculo per capita do novo benefício requerido. Já para o idoso, o benefício concedido a qualquer membro da família não será computado para os fins de cálculo da renda familiar, consoante artigo 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. Este tratamento diferenciado foi criado pelo Estatuto do Idoso, enquanto o deficiente permanece a regra geral da LOAS.

 

Apesar de a LOAS ser de competência do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a concessão e manutenção do benefício assistencial são feitas nas agências da Previdência Social, vez que o INSS possui uma extensa rede informatizada em todo o país, além de quadro próprio de médicos peritos, o que facilita a operacionalização. No entanto,  os recursos para o pagamento são provenientes do Fundo Nacional de Assistência Social gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que é repassado ao INSS por meio de um convênio firmado entre os dois ministérios. À propósito, o atual ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Patrus Ananias, afirmou que, nos últimos anos, a assistência social deixou de ser uma questão de assistencialismo e passou a ser de política pública (www.mds.gov.br).

 

Logo, embora o INSS seja o órgão operacionalizador de tal benefício, é a União que detém a verdadeira responsabilidade pelo ônus financeiro.

 

O dia 07 de setembro foi instituído como o “Dia Nacional da Assistência Social” nos termos do artigo 1º da Lei 11.162, de 05 de agosto de 2005.

 

Atualmente, a LOAS é concedida a portadores de deficiências incapacitantes para o trabalho e a segurados maiores de 65 anos (idade alterada pelo Estatuto do Idoso), desde que não exerçam atividade remunerada e cuja renda mensal familiar, por pessoa, seja inferior a 01 (um) quarto do salário mínimo, isto é, R$ 103,75 (cento e três reais e setenta e cinco centavos), que corresponde a um quarto do salário mínimo novo, vigente a partir de 1º de março do corrente ano através da MP 421 de 29 de fevereiro de 2008, que é de R$ 415,00 (quatrocentos e quinze reais).

 

Finalmente, além dos requisitos acima, a Lei 8.742/1993 estabeleceu outro requisito para a concessão do benefício, qual seja, o da miserabilidade, devendo o beneficiário comprovar junto ao INSS a renda de sua família, que deverá ser inferior ao limite legal exigido, sob pena de indeferimento do benefício.

 

3.1 O Critério da miserabilidade na Lei n.º 8742/1993

 

Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. (...) Não estejas com os que agravam o rigor das leis, para se acreditar com o nome de austeros e ilibados. Porque não há nada menos nobre e aplausível que agenciar uma reputação malignamente obtida em prejuízo da verdadeira inteligência dos textos legais.                                                   Oração aos Moços. Rui Barbosa.

 

A assistência é um direito do cidadão, no entanto, ela não é ampla, ferindo os direitos de cidadania, vez que não basta ser um idoso ou deficiente, exigindo a legislação o critério da seletividade quanto à classificação de seus beneficiários ao buscar favorecer uma faixa da população que se aproxime da miséria.

 

A lei ao buscar privilegiar a população pobre a está excluindo, vez que é preciso que se comprove a condição de miserável – avaliação da renda, a idade, a capacidade para o trabalho, o que será realizado de dois em dois anos.

 

O cidadão hipossuficiente – deficiente e o idoso –, quando procura o benefício na Lei da LOAS, busca com a mísera quantia de um salário mínimo o seu sustento, a sua inserção social e a garantia de uma existência digna. Entretanto, o provável beneficiário deve estar atento ao critério da miserabilidade para a concessão do benefício, visto exigir-se do portador de deficiência que comprove uma renda per capita familiar mensal inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, para ter direito ao amparo.

 

A fixação de tal requisito restringiu de modo extremo a camada social de pessoas portadoras de deficiência e suas famílias, que seriam amparadas pelo auxílio constitucional. O critério da miserabilidade deixou à margem outras tantas pessoas que vivem em condições tão miseráveis quanto aquelas, isto é, as que recebem pouco acima do limite legal estabelecido.

 

 Então, qual o critério que deve orientar o valor para a concessão do benefício assistencial da LOAS? O critério do justo e do eqüitativo? O critério do piso vital mínimo?

 

Ihering diz que “a nossa jurisprudência não tem outro critério senão o de um vulgar e banal materialismo; não conhece mais do que o puro interesse pecuniário” (IHERING, 2004, p. 80), o que tem toda razão nesse mundo capitalista em que se vive, porém, a ordem jurídica é a de harmonizar as relações sociais intersubjetivas, mantendo-se os valores humanos com o mínimo de sacrifício, o que leva Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini e Cândido Rangel, no livro Teoria Geral do Processo (2007, p. 25), apostarem no critério do justo e do eqüitativo de acordo com a convicção prevalente em determinado momento e lugar.

 

Quanto ao piso vital mínimo foi o jus-ambientalista brasileiro, o Professor Celso Antonio Pachecco Fiorillo, citado por Rzizatto Nunes (2005, p. 25), quem usou a expressão “mínimo vital”, visto que para se respeitar a dignidade da pessoa humana tem-se de assegurar os direitos sociais constitucionais.

 

O mínimo existencial ou conforme a Lei n.º 8.742/1993, o mínimo social seria baseado no direito às condições mínimas para a existência humana digna, fruto de uma ação prestacional positiva do Estado. A citada Lei, em seu artigo 1º, determina que a assistência social deverá prover os mínimos sociais, visando ao atendimento das necessidades básicas, vez que se trata de um direito do cidadão e de um dever do Estado:

 

Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (grifo nosso).

 

Mas a miséria e a carência econômica de uma família não podem ser medidas apenas em critérios objetivos, face à subjetividade da questão para a comprovação do grau de miserabilidade. Deve-se levar em conta todas as despesas atinentes com alimentação, remédios e outras necessidades, como as exigências de tratamento e cuidados específicos. Assim, a simples superação do limite objetivo não pode ser o único motivo para negar o benefício, posto que a aferição do grau de miserabilidade deve  ser pautada em critérios objetivos, sem, no entanto, afastar-se da subjetividade exigida para a realização da Justiça em cada caso concreto.

 

Desta forma, o critério – miserabilidade – está afeto ao bem-estar social disposto no artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “o ser humano deve ter um padrão de vida capaz de assegurar saúde e bem-estar”, o que significa um padrão de vida mínimo, suficiente a assegurar ao cidadão saúde e bem-estar, o que vale dizer que está inserido um teto, alimentação,  vestuário, assistência médica e social, com direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora do seu controle.

 

A Carta Magna em seu artigo 6º e 7º adotou o mesmo rol de direitos necessários à garantia de um padrão mínimo necessário à vida com dignidade, acompanhando o indivíduo na atividade e na inatividade

 

O conceito de necessitado foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ADIN nº. 1.232-DF, entretanto, decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) que o limite de ¼ (um quarto) do salário mínimo não é absoluto, devendo ser considerado como um limite mínimo, um quantum objetivamente considerado insuficiente à subsistência do portador de deficiência e do idoso, o que não impede que o julgador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a condição de miserabilidade do autor.

 

Observa-se, assim, que o Tribunal parece caminhar no sentido de se admitir que o critério de um quarto do salário mínimo pode ser conjugado com outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo e sua família para a concessão do benefício assistencial, donde se conclui que mesmo que o legislador se utilize de parâmetros objetivos para fixação de direitos, a restrição financeira pode e deve ser ponderada com características do caso concreto,  não devendo o intérprete omitir-se à realidade social.

 

Desta forma, o Estado social, ao garantir uma vida digna a seus cidadãos e, por conseguinte, o amparo social aos portadores de deficiência e aos idosos, considerando as necessidades básicas atinentes a qualquer cidadão, não deveria conceber que pessoas sobrevivam em condições de miséria, ferindo o direito da dignidade da pessoa humana, previsto no primeiro artigo da Carta de 1988.

 

O benefício assistencial de prestação continuada deverá ser tratado à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, o que será analisado no próximo item, pois quando inserido como fundamento da República Federativa do Brasil, constituiu-se como elemento balizador do Estado Democrático de Direito, valor este que concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, inerente à personalidade humana.

 

4 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

 

Só o trabalho dá dignidade ao homem, propiciando-lhe atuar no corpo social, participando do progresso social e econômico, sentindo-se igual aos demais.

 

Encíclica Laborem Exercens – Papa João Paulo II

 

O termo dignidade tem origem no latim dignitate e significa honestidade, honra, decência, respeito a si mesmo e amor-próprio, logo, dignidade designa o respeito que merecer qualquer cidadão, reconhecendo os valores morais do homem, além do que o Estado se constrói com base nesse valor.

 

Segundo Francis Delpérée o conceito de dignidade humana repousa na base de todos os direitos fundamentais – civis, políticos ou sociais –, consagrando a Constituição em favor do homem  um direito de resistência que:                           

             

Cada indivíduo possui uma capacidade de liberdade. Ele está em condições de orientar a sua própria vida. Ele é por si só depositário e responsável do sentido de sua existência. Certamente, na prática, ele suporta, como qualquer um, pressões e influências. No entanto, nenhuma autoridade tem o direito de lhe impor, por meio de constrangimento, o sentido que ele espera dar a sua existência. O respeito a si mesmo, ao qual tem direito todo homem, implica que a vida que ele leva dependa de uma decisão de sua consciência e não de uma autoridade exterior, seja ela benevolente e paternalista (1999, p. 160).

 

Conforme se vê, a dignidade é um valor supremo e fundamental ao Estado, tendo a dignidade da pessoa humana incorporado o sistema constitucional com força de princípio de Direito e negar esse princípio é o mesmo que negar a própria Constituição, valendo dizer que a verdadeira riqueza e pujança de um Estado é a condição humana, moral e cívica de seus cidadãos, porquanto, nação digna e soberana só existe com cidadãos dignos.

 

E para se respeitar o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional tem-se de assegurar os direitos sociais previstos no artigo 6º da Carta Magna, que por sua vez está atrelado ao caput do artigo 225, segundo abaixo:

 

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

 

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

 

O entendimento do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), quanto ao critério da miserabilidade, vem ferindo o  princípio da Dignidade Humana, expresso no artigo 1º, inciso III da Constituição, vez que ao Instituto pouco importa se o cidadão consiga o montante para suprir as necessidades de manutenção do idoso ou do deficiente, argumentando, simplesmente, em prol da taxatividade do artigo 20, parágrafo 3º da Lei n.º 8.742/93, dando interpretação errônea ao citado artigo, devendo observar que o limite de renda familiar ali determinado refere-se à presunção de necessidade econômica de quem percebe, mensalmente, até aquele montante. Não há, no dispositivo em questão, vedação para quem percebe acima do montante, havendo apenas a necessidade de, em casos assim, ter a prova da necessidade econômica. Vale lembrar que, mesmo superando o limite máximo irrisório do art. 20, § 3º, da mencionada Lei, as famílias continuam em estado de miserabilidade.

 

O artigo 20, parágrafo 3º da citada lei, já foi declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e não tem cunho obrigatório e taxativo como quer fazer crer o INSS, o que pode ser comprovado com a jurisprudência abaixo selecionada:              

 

Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter declarado a constitucionalidade de aludido critério legal, em momento nenhum afirmou seja ele único e absoluto. Com efeito, traduz ele apenas uma hipótese objetiva de aferição da incapacidade da família em prover a manutenção da pessoa deficiente ou idosa, vale dizer, sendo a renda per capita da família inferior àquele marco legal, não se questiona sua situação de miserabilidade, o que, entretanto, não impede - caso a renda seja superior - seja ela aferida na situação concreto por outros meios, como é o caso dos autos, em que a condição de miserabilidade está vastamente comprovada, não só pela  simples análise do orçamento doméstico (bastante onerado pela necessidade de cuidados constantes com a saúde do menor deficiente que sofre de problemas de refluxo gástrico) mas notadamente pelas conclusões do estudo sócio-econômico (Voto do juiz José Pires da Cunha, 1ª Turma - MT, processo 2003.36.00.703302-2, Publicação: DJ-MT 27/08/2003).

 

É forçoso lembrar, ainda, que a jurisprudência acima está em conformidade com a Súmula 11, da Turma Nacional de Uniformização, que determina: “Benefício Assistencial - A renda mensal, per capita, familiar, superior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo não impede a concessão do benefício assistencial previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante”.

 

Conforme se constata, a taxatividade alegada pelo INSS não está expressa na Carta Magna e o artigo 203, inciso V, não gera limitações além da prova de necessidade. A lei não pode ser vista, exclusivamente, pelo lado positivista, mas em consonância com a realidade social brasileira.

 

Ressalte-se, ainda, que não há como se falar em dignidade sem um “mínimo vital” digno, ou seja, esse mínimo tem que garantir concretamente o direito a uma vida com casa, comida, saúde, segurança, emprego e assistência social nos casos em que a lei permite.

 

Democracia só existe quando se mantém constantemente o respeito estatal ao cidadão, que começa pelo cumprimento, sem desculpas, dos direitos estabelecidos pela Carta Magna. Daí se aperfeiçoa também o auto-respeito do cidadão, que inexiste sem que seja devidamente respeitada a dignidade da pessoa humana consoante o artigo 1º do texto constitucional.

 

Aliás, neste sentido, tomando por empréstimo conceitos próprios do constitucionalismo, entende-se que não há nação soberana sem que seus integrantes efetivamente exerçam e tenham respeitadas as premissas básicas de sua cidadania, isto é, um substrato mínimo de dignidade e respeito aos direitos individuais e sociais expressamente reconhecidos na Constituição Federal.

 

A postura do INSS vai contra as políticas sociais e de cidadania e é a prova cabal de que o Estado Brasileiro, apesar da sua legislação avançada e da Constituição Cidadã, mantém-se com visão arcaica sobre a viabilização de políticas públicas de Justiça Social.

 

Nessa esteira, como a dignidade da pessoa humana está relacionada à idéia de que não é possível a redução do homem à condição de mero objeto do Estado, mister a aplicação da lei de assistência social em conformidade com o princípio constitucional.

 

4.1  A Assistência Social em consonância com o princípio constitucional

 

Tratai todos os homens da mesma forma que quereríeis que eles vos tratassem. Lucas, 6:31.

 

O sucesso de um povo depende da ação organizada e conjunta dos Poderes Públicos e da sociedade civil, atuação oriunda do matiz constitucional em várias de suas normas programáticas voltadas para o elemento social.

 

Uma nova fase da história constitucional promete marcar o século XXI, quando o constitucionalismo fraternal e de solidariedade se agregar de forma real e concreta ao constitucionalismo social. Aliás, quando a sociedade se pautar dentro dos valores da fraternidade e da solidariedade não haverá mais espaço para a miséria, pois,  a dignidade e a respeitabilidade serão conceitos enraizados no próprio âmago do ser humano.

 

A esse respeito, Kildare Gonçalves Carvalho (2004, p. 163) corrobora que o futuro do constitucionalismo é caminhar de encontro com a idéia de igualdade, baseada na solidariedade dos povos, na dignidade da pessoa humana e na justiça social, com a eliminação das discriminações, além da integração espiritual, moral, ética e institucional dos povos com a universalização dos direitos fundamentais, prevalecendo a dignidade do homem, eliminando qualquer forma de desumanização.

 

O jurista Rui Barbosa em seu famoso discurso “Oração aos Moços” faz menção ao apóstolo São Paulo quando dizia que boa é a lei, onde se executa legitimamente, isto é, boa é a lei quando executada com retidão, quando há no executor a virtude, que no legislador não havia. E complementa:

 

 (...) só a moderação, a inteireza e a eqüidade, no aplicador das más leis, as poderiam, em certa medida, escoimar da impureza, dureza e maldade, que encerrarem. Ou, mais lisa e claramente, se bem o entendo, pretenderia significar o apóstolo das gentes que mais vale a lei má, quando inexecutada, ou mal executada (para o bem), que a boa lei, sofismada e não observada (contra ele) (1999, p. 67/69).

 

Portanto, há que haver cidadãos com dignidade, com uma vida decente, honesta, ao invés de miseráveis, de infelizes, de espoliados, de submissos a tudo quando nesse futuro próximo a solidariedade incorporar a assistência social.

 

Todos os participantes da titularidade do poder político não podem  recusar os direitos básicos a qualquer cidadão, máxime aqueles amparados, além das normas gerais, pelas normas jurídicas e metajurídicas protetoras das situações da vida onde falta o vigor, a saúde ou qualquer outra condição essencial ao trabalho, a base da riqueza.

 

Por derradeiro, se não for por ideal ou respeito ao Estado de Direito, respeitar os direitos dos outros é, quando menos, uma forma inteligente de zelar para que o seu seja respeitado, o que, sabiamente, Rui Barbosa já dizia que “admitir a violação dos direitos de terceiros é abrir a porta para a violação de todo e qualquer direito, inclusive os nossos”.

 

A máxima cristã do amor ao próximo seria a solução para a questão aqui suscitada, posto que o comportamento digno e respeitoso deveria ser condição natural e inerente a todo ser humano, tornando sem efeito essa vontade de querer sempre levantar vantagem em tudo, justificativa para as muitas perdas de valores humanos.

 

5 CONCLUSÃO

A seguridade social é um instrumento de bem-estar destinado a garantir o “mínimo” necessário à subsistência, reduzindo as desigualdades resultantes da falta de recursos financeiros, conduzindo à justiça social.

 

Portanto, a única forma de se chegar à justiça social é reduzir as desigualdades sociais, devendo o Estado fornecer proteção para garantir o “mínimo vital”, ou seja, a proteção das necessidades básicas que, se não supridas, comprometem a existência digna do indivíduo e de sua família.

 

O objetivo fundamental da República Federativa do Brasil é a erradicação da pobreza, da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.  Assim sendo, o critério – miserabilidade – da lei da LOAS caminhará em consonância com os direitos universais do homem, nos quais prevê que o ser humano deve ter um padrão de vida capaz de assegurar saúde e bem-estar.

 

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