DESAPOSENTAÇÃO
Rafael Armando Oliveira Milla – Especialista em Direito Previdenciário
Resumo:
Trata-se do tema acerca de desaposentação, onde este não tem qualquer previsão legal, seja ela na Constituição da República ou em legislação infraconstitucional.
A desaposentação tem como significado o ato de desfazimento da aposentadoria por ato de vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, com intuito de conseguir um benefício mais vantajoso.
A desaposentação por se tratar de um tema recente, tem trazido muitas divergências sobre o assunto, onde alguns doutrinadores entendem que não cabe o direito a desaposentação sob argumento de que fere o princípio do equilíbrio financeiro atuarial da previdência social; já os que defendem o direito a desaposentação argumentam que por ser um direito personalíssimo do segurado este pode este ser renunciado.
Outro fator de bastante discordância acerca da desaposentação se refere ao fato de haver ou não restituição dos valores recebidos pela aposentadoria, como se trata de um instituto que não existe qualquer proibição legal não há que se falar em restituição e também pelo fato deste beneficio previdenciário se referir a verba de natureza alimentar, protegido pelo principio da irrepetibilidade dos alimentos.
1 INTRODUÇÃO
Pelo presente trabalho, será exposto o conteúdo acerca da desaposentação no direito previdenciário. A desaposentação ser um instituto novo e por não estar previsto no nosso ordenamento jurídico, faz com que o tema seja muito discutido e controverso, mas apesar de ser um tema relativamente novo a doutrina e jurisprudência em sua maioria são favoráveis à validade, somente variando no que se refere do direito ou não a restituição dos valores auferidos.
O tema proposto é de grande importância, já que se refere a um tema que cada dia vem ganhando repercussão e também por se tratar de verba de natureza alimentar.
Para compreender como se opera o instituto da desaposentação primeiramente tem-se que entender as formas de aposentadoria, seja ela no regime geral de previdência social ou no regime próprio de previdência social.
No capítulo III o presente estudo tratará sobre o conceito de desaposentação, mas para compreender melhor o que venha a ser terá que ser compreendido primeiramente os conceitos de aposentação e aposentadoria.
O capítulo IV tratará sobre a renúncia do direito a aposentadoria, discutindo sobre o cabimento ou não no âmbito do direito previdenciário; já o capítulo V tratará acerca da restituição ou não dos títulos recebidos de aposentadoria após o pedido de desaposentação.
Propõe este estudo demonstrar a viabilidade de poder desaposentar-se, uma vez que inexiste qualquer impedimento legal sobre este instituto.
2 REGIMES PREVIDENCIÁRIOS E ESPÉCIES DE APOSENTADORIA
Os regimes de previdência social são: regimes públicos obrigatórios, regime privado de caráter complementar, regime privado de caráter facultativo, regime geral de previdência social.
Apesar de existir estes tipos de regimes previdenciários para melhor compreender a desaposentação se faz necessário entender as espécies de aposentadoria do regime geral e regime próprio.
2.1 Aposentadoria do Regime Geral de Previdência Social
O regime de previdência social abrange obrigatoriamente todos os trabalhadores da iniciativa privada, sendo previsto a partir do artigo 201 da Constituição da República e pela Lei 8213/91. O órgão responsável pelo gerenciamento é o Ministério da Previdência Social auxiliado pelo INSS (Instituto Nacional de Seguro Social), autarquia vinculada ao Ministério.
As aposentadorias do Regime Geral de Previdência Social estão previstas na Lei 8213/91, sendo de quatro espécies: por idade, tempo de contribuição, invalidez e especial.
2.1.1 Aposentadoria por Idade
Está prevista nos artigos 48 a 51 da Lei 8213/91, sendo um benefício previdenciário a que tem direito o segurado que completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade se homem ou 60 (sessenta) anos idade se mulher, uma vez cumprida a carência de 180 (cento e oitenta) contribuições; reduzido em 5 (cinco) anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.
Ressalta-se que a carência exigida de 180 (cento e oitenta) contribuições somente é exigida para os segurados filiados ao RPGS após 24/07/1991, data esta de entrada em vigor da Lei 8213/91, que dentre das diversas alterações aumentou de 60 (sessenta) para 180 (cento e oitenta) o número de contribuições, observado a regra de transição prevista no artigo 142 da referida Lei.
De acordo com Lei 8213/91 a aposentadoria por idade consistirá numa renda mensal a 70% (setenta por cento) do salário de benefício, mais 1% (um por cento) deste, por grupo de 12 (doze) contribuições, não podendo ultrapassar 100% do salário de benefício, com aplicação facultativa do fator previdenciário.
2.1.2 Aposentadoria por Tempo de Contribuição
É o benefício que tem como requisito o cumprimento de tempo de serviço/contribuição, seja em empresas ou atividade vinculada a Previdência Social (urbana ou rural). Hoje para a concessão da aposentadoria de forma integral é exigido tempo de serviço/contribuição de 35 (trinta e cinco) anos para homem e 30 (trinta) anos para mulher; já a concessão da aposentadoria proporcional se exige tempo de serviço/contribuição de 30 (trinta) anos para o homem e 25 (vinte e cinco) anos para mulher. Destaca-se que somente terá direito a aposentaria proporcional o segurando filiado ao regime geral em período anterior a 16/12/1998 e que atenda a certas regras de transição prevista na Emenda Constitucional n. 20/1998.
2.1.3 Aposentadoria por Invalidez
Benefício previdenciário previsto nos artigos 42 a 47 da Lei 8213/91, é concedido ao segurado que após cumprir a carência exigida, for considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação para o exercício da atividade que exercia, não sedo exigível que o segurado esteja ou não no gozo do auxílio doença.
A carência exigida para este benefício é de 12 (doze) contribuições, salvo se a incapacidade permanente resulte de acidentes, seja de trabalho, ou qualquer natureza ou causa.
É importante ressaltar que a legislação previdenciária não concede o benefício de aposentadoria por invalidez caso o segurado se filiar ao Regime de Previdência Social já portador da doença ou da lesão que geraria o benefício, salvo quando a incapacidade decorreu de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
2.1.4 Aposentadoria Especial
Esta modalidade de beneficio está previsto nos artigos 57 e 58 da Lei 8213/91, e é devido ao segurado que fique exposta a agentes prejudiciais a saúde. Este benefício visa compensar o desgaste sofrido pelo trabalhador e tem uma carência mínima de 180 (cento e oitenta) contribuições mensais.
2.2 Aposentadoria do Regime Próprio de Previdência Social
O benefício de Aposentadoria do Regime Próprio está previsto no artigo 40 da Constituição da República que pode se dá de duas maneiras, compulsoriamente e voluntariamente. A primeira maneira de aposentadoria é atingida aos 70 (setenta) anos de idade, situação esta que o servidor deve obrigatoriamente deixar o cargo público, já a segunda pode ser em razão da idade e tempo de contribuição , sendo muito semelhante ao Regime Geral de Previdência Social, com a diferença da existência de limite de idade mínimo no Regime Próprio para a aposentadoria por tempo de contribuição, que é de 60 (sessenta) anos se homem e 55 (cinqüenta e cinco) anos se mulher.
O Regime Próprio de Previdência Social prevê também a aposentadoria por invalidez, quando existe a incapacidade permanente para o trabalho, que deverá ser analisado pela perícia médica. Existe também a previsão de aposentaria especial, embora não tenha normatização legal sobre o assunto. Quando regime próprio não houver qualquer previsão legal sobre qualquer assunto ligado a previdência social, deverá ser aplicado de maneira subsidiária as normas do regime geral de previdência social, previsão esta esculpida no artigo 40, § 12 da Constituição da República, in verbis:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 12 - Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98).
A lei 9717/98 prevê as normas gerais de funcionamento do Regime Próprio de Previdência Social, todavia a instituição deste regime depende de lei especifica do Ente Federado interessado, o qual devera prever as regras próprias do regime, sendo observado sempre a Constituição da República, além das diretrizes da Lei 9717/98.
3 DO DIREITO A APOSENTADORIA
O direito a aposentadoria está prevista constitucionalmente no artigo 7, inciso XXIV, que diz:
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)
XXIV – aposentadoria;
A Constituição da República prevê também tal direito nos artigos 201 e 202, sendo regulamentado pelas Leis 8.213/91 e 8.212/91, ambas de 1991. Segundo Castro e Lazzari (2006), aposentadoria é:
A prestação por excelência da Previdência Social, juntamente com a pensão por morte. Ambas substituem, em caráter permanente (ou pelo menos duradouro), os rendimentos do segurado e asseguram sua subsistência e daqueles que dele dependem. (CASTRO e LAZZARI, 2006, p. 543).
Já Tavares (2002) considera os benefícios previdenciários, neles incluídos as aposentadorias como:
Prestações pecuniárias, devidas pelo Regime Geral de Previdência Social aos segurados, destinadas a prover-lhes a subsistência, nas eventualidades que os impossibilite de, por seu esforço, auferir recursos para isto, ou a reforçar-lhes aos ganhos para enfrentar os encargos de família, ou amparar, em caso de morte ou prisão, os que dele dependiam economicamente. (TAVARES, 2002, p. 87).
A aposentadoria é, portanto, um direito social dos trabalhadores, com caráter patrimonial e pecuniário, personalíssimo e individual, com característica de seguro social. Vejamos o comentário de Leite (1993):
As aposentadorias são concedidas mediante o requerimento do segurado beneficiário do sistema, ou até de ofício, nos casos de regimes próprios. (LEITE, 1993, p. 14/15).
partir desse requerimento o órgão gestor fará a análise do cumprimento dos requisitos necessários para a aposentadoria e se considerar correta a documentação deferirá o requerimento, emitindo o ato administrativo de concessão do benefício.
Se regularmente concedida, a aposentadoria nasceria com o ato de aposentação e acabaria com a desaposentação (se considerarmos possível a mesma) ou com a morte do segurado.
4 DESAPOSENTAÇÃO
Para melhor entender o conceito de desaposentação, primeiramente deve-se entender o significado de aposentação e aposentadoria, que apesar destas palavras serem usadas como sinônimas apresentam significados diferentes. Aposentação é o ato capaz de produzir o status da condição previdenciária do segurado, de ativo para inativo, já a aposentadoria surge com a aposentação, que prossegue seu curso até a sua extinção.
A desaposentação se define, portanto, a volta do status de inativo para ativo, assumindo assim o segurado nova condição jurídica, possibilitando que este renuncie sua aposentadoria com o intuito de obter um valor pecuniário de beneficio mais vantajoso, seja ele no regime geral ou no regime próprio, incorporando assim o seu novo tempo de contribuição ao tempo de contribuição anterior. Segundo Wladimir Novaes Martines desaposentação se define como:
Ato administrativo formal vinculado, provocado pelo interessado no desfazimento da concessão do benefício, uma declaração constitutiva. Em poucas palavras: renúncia que corresponde à revisão jurídica do deferimento da prestação anteriormente deferida ao segurado pelo RGPS. (2005, p. 296/434).
A desaposentação acontece pela continuidade laborativa do segurado aposentado que, em virtude das contribuições vertidas após a aposentação, pretende obter novo benefício em condições melhores, em função do novo tempo contributivo. Não se trata de tentativa de cumulação de benefícios, mas sim de cancelamento de uma aposentadoria e posterior inicio de outra. Segundo Castro e Lazzari (2006):
A desaposentação é ato de desfazimento da aposentadoria por ato de vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário. . (CASTRO e LAZZARI, 2006, p. 488).
ramante (2001) define desaposentação como:
Desaposentação é o desfazimento do ato administrativo concessivo do benefício previdenciário, no regime de origem, de modo a tornar possível a contagem de tempo de serviço prestado em outro regime. (BRAMANTE, 2001, p. 150/155).
O instituto de desaposentação é cabível tanto na hipótese em que o aproveitamento do tempo de contribuição se dê no mesmo regime previdenciário, quanto em um outro regime, sendo admitido, portanto o referido instituto em ambas as situações.
A Constituição da República permite a contagem recíproca entre regimes distintos, permitindo assim que a contagem do Regime Próprio de Previdência Social seja feita no Regime Geral de Previdência Social e vice e versa. Segundo o artigo 201 parágrafo 9 da Constituição da República:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
egundo Ibrahim (2007):
A desaposentação pode existir em qualquer regime previdenciário, desde que tenha como objetivo a melhoria do status econômico do associado. A idéia de desaposentação é liberar o tempo de contribuição utilizado para a aquisição da aposentadoria, de modo que este fique livre e desimpedido para a averbação em outro regime ou mesmo para o novo benefício no mesmo sistema previdenciário, quando o segurado tem tempo de contribuição posterior à aposentação, em virtude da continuidade laborativa. . (IBRAHIM, 2007, p 150/155).
Enfim, existem duas possibilidades de desaposentação: averbação de tempo de contribuição em outro regime previdenciário, ou contagem deste tempo no mesmo regime, culminando em ambas as hipóteses o benefício mais vantajoso. De acordo com Araújo (2007):
Pondere-se que na hipótese de mudança de regime previdenciário, isto é, entre regimes distintos, já existe o instituto de contagem recíproca que possibilita a contagem do tempo de contribuição em determinado regime com o escopo de implementar os requisitos legais para a concessão do benefício de aposentadoria em outro regime previdenciário, ao qual o segurado esteja devidamente vinculado na ocasião do requerimento do benefício. A contagem recíproca já é garantia constitucional, disposta no artigo 201 § 9º da Constituição da República, assim não padece dúvida acerca desta, visito constar de forma expressa no teto constitucional. (ARAÚJO, Disponível em http://web.unifacs.br/revistajuridica/edicao_marco2007/discente/dis6.doc)
No ato que concede a aposentadoria e outro que objetiva o seu desfazimento, ou seja, a desaposentação do titular do benefício, não existe qualquer incompatibilidade. O ato administrativo de aposentadoria é constitutivo de direito para o aposentado; já o de desaposentação é desconstitutivo, desobrigando a Administração Pública de continuar no custeio de um benefício previdenciário. Por isto a desaposentação não de deve confundir com a anulação do ato administrativo de aposentadoria, que neste caso poderá ocorrer por iniciativa do INSS, motivada por ilegalidade na concessão do benefício.
A desaposentação é a contagem de tempo de serviço vinculada à antiga aposentadoria para fins de averbação em outra atividade profissional ou mesmo para dar suporte a uma nova e mais benéfica aposentadoria.
A desaposentação, como novo instituto do direito previdenciário não encontra qualquer obste legal, seja ela Constitucional ou infraconstitucional, pelo contrário a Constituição da República ao possibilitar a liberdade, inclusive do trabalho, possibilita também se aposentar no momento em que lhe aprouver. Desaposentar-se é o exercício da mesma intenção e liberdade, onde somente deste modo estará assegurada adequadamente a proteção plena do sistema previdenciário. Por ser exercício da liberdade individual a desaposentação não necessita de qualquer previsão legal expressa, diante disto Ibrahim (2007), conclui que:
Usualmente entende a administração pública que o desfazimento da aposentadoria somente seria viável com a previsão expressa em lei, como ocorre em alguns regimes próprios de previdência, inclusive em âmbito federal (art. 25, II, Lei 8112/1990 com redação dada pela MP n. 2225-40/01).
Todavia, a analogia é falha, pois o mecanismo previsto no Estatuto dos servidores federais não é a desaposentação construída pela doutrina e jurisprudência, mas sim mera reversão do benefício, possibilitando ao servidor o retorno ao exercício da função pública.
Na desaposentação, ao contrário da reversão, não se busca uma permissão para o retorno à atividade, mas sim a possibilidade de obter novo benefício mais vantajoso, no mesmo ou em outro regime previdenciário. (IBRAHIM, 2007, pág. 150/155).
5 RENÚNCIA NA APOSENTADORIA
Primeiramente, antes de compreender o significado da renúncia na aposentadoria, temos que buscar seu significado no dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1981):
Renunciar. (Do lat. Renuntire.) V. t.d 1. Não quere; rejeitar; recusar: Os eremitas renunciavam-se aos bens materiais. 2. Deixar voluntariamente a posse de; desistir de; abdicar; D. Pedro I renunciou o trono no Brasil 3. Descrer de; abjurar; renegar; Muitos cristãos renunciam a fé. T.i 4. Recusar, rejeitar, desprezar, renunciaram as honrarias 5. Não fazer caso de; desprezar; desdenhar: o homem ideal da idade Média era o frade que renunciava a vida e preferia a pobreza voluntária ao trabalho secular. (Oto Maria Carpeaux, A cinza do Purgatório, p. 302) 6. Desistir de; abdicar: renunciar ao poder 7. Abjurar, renegar; renunciar a uma crença 8. Resignar cargo ou função; abdicar, O presidente renunciou 9. Em certos jogos carteados, deixar de acompanhar o naipe puxado pelo primeiro jogador, apesar de o ter entre suas cartas: Esta carta de ouros prova que o parceiro renunciou na segunda mão. (DE HOALANDA FERREIRA, 1981, p.1216).
Segundo a definição jurídica fornecida por De Plácido e Silva (1997), “a renúncia importa sempre num abandono ou desistência voluntária, pela qual o titular de um direito deixa de usá-lo ou anuncia que não o que utilizar”.
A renúncia é um instituto de natureza eminentemente civil, de direito privado. Apenas direitos de natureza civil são passiveis de renúncia, ante o caráter pessoal e, sobretudo disponível destes, ao contrário dos direitos públicos e os de ordem pública.
O direito de ordem privada possui interessados e destinatários, o indivíduo e os indivíduos envolvidos na relação, tendo assim caráter pessoal e, portanto, comportam a possibilidade de desistência de seus titulares, sendo assim a renúncia uma das formas de extinção de direitos.
Tavares (2002), considera os benefícios previdenciários, neles incluídos as aposentadorias, como:
Prestações pecuniárias, devidas pelo Regime Geral de Previdência Social aos segurados, destinados a prover-lhes a subsistência, nas eventualidades que os impossibilitem de, por seu esforço, auferir recursos para isto, ou a reforçar-lhes aos ganhos para enfrentar encargos de família, ou amparar, em caso de morte ou prisão, os que dele dependiam economicamente. (TAVARES, 2002, p.87).
A aposentadoria é, portanto, um direito social dos trabalhadores, com caráter patrimonial e pecuniário, personalíssimo e individual, com características de seguro social.
A aposentadoria, por ser um direito personalíssimo, não admite transação ou transferência de terceiros, o que não significa que a mesma seja um direito indisponível do segurado. De acordo Castro e Lazarai (2006):
A desaposentação e um direito do segurado ao retorno à atividade remunerada, com o desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para a nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário. (CASTRO e LAZZARI, 2006, p. 506).
A renúncia é perfeitamente cabível no âmbito previdenciário, pois direitos subjetivos concedidos aos cidadãos, vinculados a um determinado sistema previdenciário são constituídos para propiciar proteção aos interesses de seus beneficiários, de modo que podem ou não serem exercidos.
Portanto, ninguém é obrigado a permanecer aposentado, se não for de seu próprio interesse, caso o contrário, como dito por Wladimir Novaes Martinez: o beneficio previdenciário deixa de ser o que é libertador do homem, para se transformar em seu cárcere.
Castro e Lazarai (2006) dizem que “a renúncia é perfeitamente cabível, pois ninguém é obrigado a permanecer aposentado contra seu interesse”.
No direito social, a desistência de direitos sempre foi concebida como instituto cujos limites são o interesse público e as forma de proteção liberdade do indivíduo. Caso convenha o trabalhador renunciar a parte dos salários, ele dele se absterá. Pode-se observar com freqüência nos acordos trabalhistas feitos na justiça do trabalho.
6 RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS
No que tange a necessidade ou não da devolução das mensalidades recebidas em razão da aposentadoria renunciada, existem muitas controvérsias a respeito disto, Duarte entende que:
Com a desaposentação e a reincorporação do tempo de serviço antes utilizado, a autarquia seria duplamente onerada se não tivesse de volta os valores antes recebidos, já que terá que conceder nova aposentadoria mais adiante, ou terá que expedir tempo certidão de tempo de contribuição, a Autarquia Previdenciária terá que compensar financeiramente, o órgão que concederá a nova aposentadoria, nos termos dos artigos. 94 da Lei 8213/91 e 4 da lei 9796 de 05.05.99.
(...) O mais justo é conferir efeito ex- tunc à desaposentação e fazer retornar ao status quo antes, devendo o segurado restituir o recebido do órgão gestor durante todo o período que esteve beneficiado. Este novo ataque será deflagrado pela nova manifestação de vontade do segurado deve ter por conseqüência a eliminação de todo e qualquer ato que o primeiro ato possa ter causado para a parte contrária, no caso o INSS. (DUARTE, 2003).
Castro e Lazarai (2006), entendem não ser devida qualquer devolução como se pode ver nesta passagem:
É defensável o entendimento de que não há necessidade da devolução destas parcelas, pois, não havendo irregularidade na concessão do benefício recebido não há que ser restituído. Como paradigma, podemos considerar a reversão, prevista na Lei 8112/1990, que não prevê a devolução dos proventos recebidos. (CASTRO e LAZZARI, 2006, p 508).
Diante deste impasse que se encontra a doutrina no que diz respeito a restituição ou não dos valores percebidos da aposentadoria renunciada o mais prudente seria a não devolução destes valores se caso a desaposentação ocorra no mesmo regime previdenciário, uma vez que o beneficio posterior de aposentadoria visa agregar ao cálculo o tempo de contribuição obtido a posteriori, sem invalidar o passado. A desaposentação não se confunde com a anulação do ato concessivo do benefício, por isso não há que se falar em efeito retroativo do mesmo, cabendo somente a sua eficácia ex nunc.
Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que:
“Previdenciário. Aposentadoria. Direito à renúncia. Expedição de certidão de tempo de serviço. Contagem recíproca. Devolução das parcelas recebidas.
1. A aposentadoria é direito patrimonial disponível, passível de renúncia, portanto.
2. A abdicação do benefício não atinge o tempo de contribuição. Estando cancelada a aposentadoria no regime geral, tem a pessoa o direito de ver computado, no serviço público, o respectivo tempo de contribuição na atividade privada.
3. No caso, não se cogita a cumulação de benefícios, mas o fim de uma aposentadoria e o conseqüente início de outra.
4. O ato de renunciar a aposentadoria tem efeito ex nunc e não gera o dever de devolver valores, pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos.
5. Recurso especial improvido. (STJ. Resp. 692628/DF. Recurso Especial 2004/01460733. Min Nilson Naves).
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. MUDANÇA DE REGIME PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA ANTERIOR COM O APROVEITAMENTO DO RESPECTIVO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. POSSIBILIDADE. DIREITO DISPONÍVEL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. NÃO-OBRIGATORIEDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. Tratando-se de direito disponível, cabível a renúncia à aposentadoria sob regime geral para ingresso em outro estatutário.
2. "O ato de renunciar a aposentadoria tem efeito ex nunc e não gera o dever de devolver valores, pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos" (REsp 692.928/DF, Rel. Min. NILSON NAVES, DJ de 5/9/05).
3. Recurso especial improvido (STJ. Resp. 663336/MG. Recurso Especial 2004/0115803-6. Min Arnaldo Esteves Lima).
Há que se ressaltar também que os benefícios previdenciários possuem caráter alimentar, sendo que estes servem para garantir a vida, é necessidade vital básica da pessoa humana, se destinam a aquisição de bens de consumo e para assegurar a sobrevivência, portanto, é certo que é impossível a devolução dos proventos já percebidos a título de aposentadoria previdenciária. Assim os Tribunais no quer diz respeito restituição de benefício previdenciários já se pacificaram no sentido de os alimentos serem irrepetíveis, como se pode observar em algumas decisões:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. DESCONTOS NO BENEFÍCIO. CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DOS VALORES. IMPOSSIBILIDADE. Uma vez reconhecida a natureza alimentar dos benefícios previdenciários, descabida é a restituição requerida pela Autarquia, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Recurso provido. (STJ. Resp. 627808/RS. Recurso Especial 2003⁄0236294-9. Min José Arnaldo da Fonseca).
PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DO BENEFÍCIO EM URV. AÇÃO RESCISÓRIA. RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS. IMPOSSIBLIDADE. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS. PRECEDENTES. QUESTÃO NOVA.
I - É indevida a restituição dos valores recebidos a título de conversão da renda mensal do benefício previdenciário em URV por se tratar de benefício previdenciário, que tem natureza alimentar. Valores sujeitos ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
II - Ademais, no que tange ao caráter acessório dos valores recebidos e à solvência do credor, verifica-se que o agravante levantou questão nova, e, portanto, incabível de ser suscitada em sede de agravo regimental.
Agravo regimental desprovido. (STJ. Resp. 724623/RS. Recurso Especial 2005⁄0021019-8. Min Feliz Fisher)
Sobre a restituição dos valores recebidos, Ibrahim (2007) chegou a uma conclusão brilhante, ao entender que:
A desaposentação em mesmo regime previdenciário é, em verdade, um mero recálculo do valor da prestação em razão das novas cotizações do segurado. Não faz o menor sentido determinar a restituição de valores fruídos no passado.
Já a desaposentação visando mudança de regime previdenciário causa alguma celuma e, a princípio, faz algum sentido falar-se em restituição de valores recebidos, pois se o segurado deixa o regime, levando suas reservas acumuladas para outro regime previdenciário, deveria então ressarcir o regime originário pelos gastos que sustentou, evitando-se prejuízos àqueles que permanecem vinculados ao sistema anterior. (IBRAHIM, 2007, p. 61).
7 CONCLUSÃO
Ao longo do trabalho percebe-se como é de suma importância o tema acerca da desaposentação, já que nos últimos anos vem despontando no cenário nacional com inúmeras demandas judiciais versando sobre a questão.
Podemos observar durante o trabalho que a desaposentação é legítima seja perante a Constituição, ou sob o aspecto legal, inexistindo qualquer vedação expressa a opção do segurado em renunciar ao ato concessionário do benefício previdenciário e optar por um melhor beneficio e mais vantajoso, seja no regime próprio ou regime geral de previdência social.
A Constituição da República ao possibilitar o direito a liberdade, inclusive do trabalho, lhe possibilita também se aposentar no momento que lhe for conveniente. Desaposentar-se é o exercício da mesma intenção e liberdade, somente deste modo estará assegurada adequadamente a proteção plena do sistema previdenciário.
Não restam dúvidas, portanto, quanto ao direito dos beneficiários de renunciarem a suas aposentadorias, fazendo uso do instituto da desaposentação.
Encontra-se fundamento doutrinário, jurisprudencial e legal (permissiva omissiva), além de uma expectativa de fundamento legal, tudo a respaldar o direito de renuncia à aposentadoria para a desaposentação e o conseqüente direito de aproveitamento do tempo de serviço que tenha dado origem ao benefício para efeitos de nova aposentadoria.
No que tange a devolução dos valores recebidos a título de aposentadoria, resta claro que o beneficio posterior de aposentadoria visa agregar ao cálculo o tempo de contribuição obtido a posteriori., por isto estes não devem ser restituídos caso a desaposentação se der no mesmo regime previdenciário. Sendo, portanto viável o instituto de desaposentação dentro do sistema previdenciário brasileiro.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Isabella Borges. Desaposentação no direito brasileiro. Disponível em http://web.unifacs.br/revistajuridica/edicao_marco2007/discente/dis6.doc
RAMANTE, Ivani Contini. Desaposentação e Nova Aposentadoria. Revista de Previdência Social, ano XXV, n°244, mar, 2001.
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