A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) foi sancionada em 13.07.2017, alterando profundamente o conteúdo da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho.
O forte impacto que produziu no panorama das relações de trabalho no Brasil gerou inúmeras críticas e objeções por parte de diversos atores sociais, como a Magistratura do Trabalho, os sindicatos e até mesmo parcela do Congresso Nacional.
A fim de que a Reforma Trabalhista fosse aprovada de imediato, sem alterações e retorno do Projeto de Lei do Senado Federal à Câmara dos Deputados, negociou-se entre o Legislativo e o Executivo a edição de um Medida Provisória que “ajustaria” certos pontos controversos da Reforma.
Essa é a origem política da Medida Provisória 808, de 14.11.2017, editada apenas três dias após a vigência da Reforma Trabalhista (em 11.11.2017), no intuito de sanar as divergências entre Senado Federal e Poder Executivo, alterando certos aspectos da CLT reformada: regulação do sistema previdenciário no contrato intermitente; modo de indenização pelo dano moral trabalhista; negociação individual sobre a jornada 12 x 36 horas; impossibilidade do trabalho autônomo ser prestado com exclusividade; quarentena para o empregado demitido ser contrato como intermitente; vedação do trabalho insalubre da gestante.
Ocorre que, em razão do quadro político-institucional instável que estamos vivenciando, a MP 808/2017 caducou em 23.04.2018, criando nova alteração no quadro juslaboral brasileiro.
O mais importante, doravante, é identificar os efeitos jurídicos da caducidade da MP 808/2017.
A MP 808/2017 perdeu seus efeitos em 23.04.2018, tendo em vista que não foi convertida em Lei no prazo estabelecido pela Constituição Federal – essa condição deverá ser constatado posteriormente, em termos formais, por Ato Declaratório do Congresso Nacional.
Consoante disposição expressa da Constituição Federal (art. 62, § 3º), as Medidas Provisórias em regra perdem seus efeitos desde a data de sua edição:
“§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.”
O art. 62, § 7º, da Constituição Federal, estabelece a possibilidade de prorrogação, por mais 60 dias, da Medida Provisória ainda não apreciada pelo Congresso Nacional:
“§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.”
Findos os 120 dias (60 dias de vigência normal de qualquer Medida Provisória, prorrogados por mais 60, nos termos do art. 62, § 7º, do Texto Constitucional), perde eficácia, desde sua edição, a Medida Provisória, conforme estabelece o art. art. 62, § 3º, da Constituição Federal.
O art. 62, § 10, do Texto Constitucional, estabelece que “§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo”. Portanto, descarta-se a edição de nova Medida Provisória com intuito de “ajustar” a Reforma Trabalhista.
Por fim, cumpre examinar as disposições contidas nos §§ 11 e 12 do art. 62, da Constituição Federal:
“§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.
12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto.”
O § 12, do art. 62, da Lex Legum, não se aplica ao caso concreto, tendo em vista não ter havido a conversão da MP em lei, vez que se aplica às hipóteses de alteração do texto original de Medida Provisória.
O § 11, por sua vez, estabelece que poderá ser editado decreto legislativo em até 60 dias da perda de eficácia da MP, o qual terá como finalidade regular as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência. Caso não seja edital esse mencionado decreto legislativo, tais relações jurídicas continuarão a ser regidas pelo texto original da MP 808/2017.
Diante desse quadro, deve-se aguardar a eventual, mas improvável, edição do Decreto Legislativo, no prazo de 60 dias, a fim de se identificar se os atos trabalhistas praticados de 14.11.2017 a 22.04.2018 serão regidos pela Medida Provisória 808/2017.
Porém, para além dos parâmetros constitucionais, caberá ainda à jurisprudência trabalhista definir em que medida isso se dará, e sempre dentro da principiologia que caracteriza o Direito do Trabalho: princípio da proteção, com seus desdobramentos da condição e norma mais favorável.
Trago à tona dois exemplos práticos a fim de possibilitar o raciocínio levado a cabo neste artigo.
Espera-se da Justiça do Trabalho que decida se contratos intermitentes celebrados nesse período estarão submetidos ao regramento da MP 808/2017 (mais benéfica que a Lei 13.467/2017) e se esta regulação jurídica, que caducou, se incorpora aos contratos de trabalho, nos termos do art. 468, da CLT.
Da mesma forma, indaga-se se reclamações trabalhistas ajuizadas nesse ínterim, versando sobre danos morais trabalhistas, terão como critério de indenização não o padrão salarial, previsto na redação original da Lei 13.467/2017, mas o parâmetro do teto dos benefícios pagos pelo RGPS – Regime Geral da Previdência Social, conforme a MP 808/2017.
Por fim, o Governo Federal sinaliza a edição de um Decreto a fim de suprir a lacuna gerada pela caducidade da MP 808/2017, pois se identifica a inviabilidade de outra solução legislativa para tanto – visto que estamos em ano eleitoral e o Congresso Nacional está voltado exclusivamente para o processo eleitoral, sem espaço para editar nova lei sobre Direito do Trabalho.
Este eventual Decreto, todavia, deve ser objeto de minucioso exame por parte dos especialistas, visto que submetido aos princípios da legalidade e da reserva de lei (art. 22, I, da Constituição Federal) e, nos termos do art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, poderá tão somente regulamentar pontos previamente previstos em lei, em sentido estrito.
Como se vê, a instabilidade normativa em torno das relações de trabalho no país não deve cessar em breve. Sobretudo quando se considerem os diversos problemas de inconstitucionalidade e inconvencionalidade (ofensas às Convenções da OIT – Organização Internacional do Trabalho ratificadas pelo Brasil) trazidas pela Reforma Trabalhista.
Fonte: http://genjuridico.com.br/
Marco Aurélio Serau Junior, Professor na UFPR, nas áreas de Direito do Trabalho e Previdenciário. Doutorado e Mestrado em D. Humanos pela USP (2009), por onde obteve Especialização em D. Humanos (2004). Especialista em D. Constitucional (ESDC, 2003). Graduação em Direito pela PUC/SP (1999) Autor de vários artigos jurídicos publicados no Brasil e no exterior, assim como autor e coordenador de diversas obras jurídicas, inclusive internacionais. Já foi Analista Judiciário no TRF da 3ª Região, onde exerceu cargos de Assessor na Corregedoria, Vice-Presidência e Gabinete de Desembargadora Federal. Professor convidado de diversos cursos de pós-graduação (ESA-OAB/SP, EPDS, LEGALE, EPD, ESDC, FADITU, UNISAL, ATAME/DF, dentre outros). Tem experiência docente e literária na área de Direito, com ênfase em Direitos Sociais, atuando principalmente nas áreas Previdência e Assistência Social, Processo Civil, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais. Suas 3 principais linhas de pesquisa são: a) análise da Seguridade Social à luz dos direitos fundamentais; b) análise crítica da jurisprudência previdenciária, c) Acesso à justiça e gestão processual. Atualmente se dedica ao exame crítico das Reformas Trabalhista e Previdenciária.