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NOTA TÉCNICA NOTA TÉCNICA AO JULGAMENTO DA ADI 6.096

     

INCONSTITUCIONALIDADE DO PRAZO DECADENCIAL PREVISTO NO ART. 103 DA LEI 8.213/91, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.846/2019

 

O IEPREV – Instituto de Estudos e Pesquisas em Direito Previdenciário, em cumprimento às suas finalidades de discussão e difusão científica a respeito desse direito fundamental social, vem a público emitir algumas considerações técnicas a respeito do julgamento da ADI 6.096.

 

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O Supremo Tribunal Federal concluiu em 6 de outubro de 2020, o julgamento da ADI 6.096, onde se reconheceu, por maioria (6 x 5 votos), a inconstitucionalidade do art. 103 da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Medida Provisória 871/2019, posteriormente convertida na Lei 13.846/2019, que sujeitava a prazo decadencial também a pretensão deduzida em face do ato de indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício previdenciário.

Neste julgamento, o STF valeu-se do conteúdo decidido anteriormente no RE 626.489/SE, em que se reconheceu a constitucionalidade do art. 103 da Lei 8.213/1991, na dicção dada pela MP 1.523-9/1997 e convertida pela Lei 9.528/1997. Tal dispositivo estabeleceu prazo decadencial para a revisão do ato concessório de benefício previdenciário:

 

“Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.”

 

No julgamento do RE 626.489/SE, o Ministro Relator, Luís Roberto Barroso, assentou que “dispõe de caráter fundamental o direito ao benefício previdenciário (fundo do direito), a ser exercido a qualquer tempo, sem prejuízo do beneficiário ou segurado que se quedou inerte”. Assim, padeceria de inconstitucionalidade a norma legal que, limitando seu exercício a um prazo específico, comprometesse o direito material à concessão do benefício previdenciário. Porém, em relação ao ato que vise à revisão do benefício, não haveria o mesmo problema, visto que o acesso ao direito fundamental já teria sido contemplado.

Com fulcro nesse rol argumentativo, aproveitado pelo Ministro Relator da ADI 6.096/DF, Edson Fachin, decidiu-se que a modificação trazida pela Lei 13.846/2019, ao estabelecer prazo decadencial para a pretensão deduzida em face da decisão que indeferiu, cancelou ou cessou o benefício, estaria a estabelecer decadência em relação ao próprio fundo do direito fundamental à previdência social, em afronta ao art. 6º da Constituição Federal.

 

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O segundo ponto em que se estriba o julgamento da ADI 6.096, com fundamento na Teoria Geral do Processo, consiste na tese de que as ações declaratórias são imprescritíveis, e este seria o correto enquadramento das ações judiciais voltadas à revisão de ato administrativo de indeferimento, cancelamento ou cessação de benefícios previdenciários.

Tais ações não teriam como finalidade constituir o direito previdenciário dos segurados e seguradas, mas tão somente reconhecer a relação jurídica (os aspectos fáticos e seu enquadramento normativo) já existente ao tempo em que ocorreu o pedido administrativo – com inequívocas repercussões jurídicas e econômicas.

 

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Por outro lado, também é importante perceber outros dois aspectos da decisão proferida na ADI 6.096, mais ligados à Ciência Política e à Teoria da Jurisdição Constitucional.

O primeiro aspecto diz respeito ao fato de que a declaração de inconstitucionalidade do art. 103 da Lei 8.213/91, com redação dada pela Lei 13.846/2019, compõe um raro exemplo de decisão proferida no âmbito da jurisdição constitucional em que o fundamento jurídico reside pura e simplesmente no fato de que há violação a direitos fundamentais sociais – no caso o artigo 6º, da Constituição Federal – os quais são imprescritíveis, irrenunciáveis e indisponíveis.

Geralmente, as decisões do STF que declaram inconstitucionalidade de dispositivos de lei fundamentam-se em normas jurídicas do tipo regras e em muito menor frequência em argumentos do tipo principiológico (ou normas de caráter mais aberto, como essa contida no artigo 6º do Texto Constitucional, que assegura, em termos amplos, o direito fundamental à Previdência Social).

O segundo aspecto a ser sublinhado vai no sentido de que a decisão proferida na ADI 6.096 parece buscar se contrapor a um inegável efeito backlash da Lei 13.846/2019.

Essa expressão – efeito backlash – deriva da Ciência Política e do Direito Constitucional, e demonstra a contramobilização (mediante a edição de legislação ou de atos de caráter normativo, como as Medidas Provisórias) em face de certas decisões judiciais.

As relações entre decisões judiciais e elaboração de políticas públicas[1] podem ocorrer da seguinte forma:

 

a)         Influência estratégica e poder relacional: as decisões judiciais influenciam e alteram o poder relacional das partes já inseridas em conflitos a respeito de políticas públicas;

b)         Decisões judiciais como constrangimento estratégico sobre as escolhas: além de alterar o poder relacional das partes em conflito, também podem causar verdadeiros “constrangimentos” para outras partes;

c)         Decisões judiciais como incentivo à contramobilização: por outro lado, as decisões judiciais podem ensejar diversos mecanismos de contramobilização, buscando contornar os efeitos das decisões judiciais (p. ex., oposição política ou alterações legislativas).

 

Neste caso, a Medida Provisória 871/2019 (e após a Lei 13.846/2019) parecem ter pretendido essa contramobilização (backlash) em relação à decisão anterior do STF, dada no RE 626.489/SE, onde se estabeleceu a possibilidade de decadência apenas nas hipóteses de revisões de benefícios previdenciários, restando obstada no caso de concessão, indeferimento ou cessação destes benefícios, tendo em vista que isto afetaria o próprio fundo de direito.

Portanto, temos aqui um caso muito interessante em que a decisão proferida na ADI 6.096/DF busca a preservação da jurisprudência anterior do STF (RE 626.498/SE), mesmo diante de inovação legislativa.

Belo Horizonte, 10 de outubro de 2020

 

MARCO AURÉLIO SERAU JUNIOR

Diretor Científico

ROBERTO DE CARVALHO SANTOS

Presidente

 

[1] SERAU JR., Marco Aurélio. Resolução do conflito previdenciário e direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2015, p. 137.


 

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