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O menor sob guarda judicial perante o regime geral de previdência social

 


César Eduardo Dias Costa – Especialista em Direito Previdenciário


 

RESUMO

 

Este trabalho apresenta de forma sucinta questões relacionadas ao tratamento jurídico aplicado nas relações entre a Previdência Social e as pessoas que estão sob guarda judicial de segurado. A questão é polêmica e vem sendo tratada no meio jurídico de forma conflitante, com decisões favoráveis e contra o reconhecimento do menor sob guarda judicial no rol dos dependentes de segurado da Previdência Social.

 

Menor, Guarda Judicial, Dependente, Previdência Social.

 

INTRODUÇÃO

 

            O rol dos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado, encontra-se relacionado nos incisos I a III e parágrafos primeiro a quarto do artigo 16 da Lei nº 8.213/1991.

 

            Matéria polêmica e que vem sendo enfrentada por nossos Tribunais é a questão dos menores sob guarda judicial serem ou não titulares de direito perante a Previdência Social, na qualidade de dependentes do segurado titular da respectiva guarda.

 

            Em se tratando de legislação previdenciária, nos últimos quinze anos vivenciamos um sem número de alterações, que na sua grande maioria vieram restringir direitos dos segurados e de seus respectivos dependentes.

 

            Não é a toa que nossos Tribunais estão abarrotados de ações previdenciárias em conseqüência desta política restritiva de direitos, política esta que visa unicamente, sob a desculpa do equilíbrio fiscal, confiscar os já parcos benefícios dos segurados da Previdência Social,  em detrimento de toda a sociedade.

 

            Nesse contexto, se insere no rol dos prejudicados, inúmeras crianças e adolescentes sob guarda judicial, que muitas vezes não conseguem obter qualquer tipo de benefício previdenciário em virtude da legislação vigente e com interpretação das mais diversas.        

 

I O INSTITUTO DA GUARDA JUDICIAL PERANTE A PREVIDÊNCIA SOCIAL E SUA INTERPRETAÇÃO NOS TRIBUNAIS

 

1.1 Guarda Judicial

 

            Antes de adentrarmos especificamente na legislação previdenciária, necessário esclarecer que o instituto da guarda judicial é hoje regulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069 de 13/07/1990 que, em seu artigo 33 e parágrafo terceiro, prescreve:                 

                                        

“Art.33 A guarda obriga à prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.

 

§1º(...)

 

§2º(...)

 

§3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.” (grifo nosso)

 

            Pela simples leitura do dispositivo acima transcrito, podemos a uma primeira vista concluir que toda criança e/ou adolescente que esteja sob guarda judicial de um segurado da previdência social, tenha direito líquido e certo a ser incluído no rol dos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social.

 

1.2 Lei º 8.213 de 24/07/1991

 

            A própria Lei nº 8.213 de 24/07/1991, em sua redação original, no parágrafo segundo do artigo 16, previa “verbis”:

 

“Art. 16 São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

 

I(...)

 

II(...)

 

§2º Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado; o menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda; e o menor que esteja sob tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação.”

 

1.3 Medida Provisória nº 1.523 de 11/10/1996 ( Lei nº 9.528/98 de 10/12/1997)

 

            Posteriormente, com a edição da Medida Provisória nº 1.523 de 11/10/1996 convertida na Lei nº 9.528/98 de 10/12/1997, publicada no Diário Oficial da União aos 11/12/97, foi alterada a redação do parágrafo segundo, do artigo 16, da Lei nº 8213/91, que passou a constar “verbis”:

 

“Art. 16 São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

 

I(...)

 

II(...)

 

§2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.”

 

            Como podemos perceber, a partir de 11 de outubro de 1996 com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96, posteriormente convertida na Lei Ordinária Federal nº 9.528/97, foi excluído do rol de beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, o menor sob guarda judicial, mantido apenas o enteado e o menor tutelado. Ainda assim, deveriam comprovar a dependência econômica em relação ao segurado, nos termos do Regulamento.

 

            Após a alteração no dispositivo supra, tormentosa questão teve de ser apreciada por nossos Tribunais. Pergunta-se: Todas as guardas judiciais deferidas anteriormente a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, convertida na Lei nº 9.528/98, publicada aos 11/12/97, confeririam direito adquirido as crianças ou adolescentes que posteriormente viessem a reivindicar perante a Previdência Social a condição de dependente de segurado?

 

1.3.1 Recurso Especial nº 640.395 – CE (2004/0020567-9)

 

            A questão foi apreciada no recurso especial nº 640.395- CE (2004/0020567-9) pelo ministro relator FELIX FISCHER, cujo voto merece ser transcrito pela qualidade da fundamentação aplicada:

 

“RENAN ALVES LOIOLA, menor representado por seu genitor, ajuizou mandado de segurança contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, objetivando que fosse reconhecido seu direito de perceber o benefício da pensão por morte decorrente do falecimento de ex-segurada, na condição de menor sob guarda judicial. A segurança foi concedida pela r. decisão monocrática (fls. 47/48).

 

O INSS interpôs apelação, que restou não conhecida, conforme se vê no v. acórdão prolatado pelo egrégio Tribunal Regional Federal da 5º Região:

 

‘Previdenciário. Pensão por morte de segurado. Menor sob guarda judicial. Situação consolidada antes da edição da lei 9.528/98. A guarda confere à criança e ao adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários. (lei 8.069/90) O menor que, antes da edição da lei 9.528/98, já se encontrava sob a guarda e dependência do segurado falecido, tem direito adquirido à percepção da pensão previdenciária por essa deixada. Apelação não conhecida e remessa oficial improvida’. (fl 93).

 

Inconformada, a autarquia previdenciária interpõe recurso especial, com fundamento na alínea ‘a’ do permissivo constitucional. Nas razões de recurso, alega violação ao art. 16, § 2º, da lei nº 8.213/91, com redação dada pela MP 1.523/96, que acabou por afastar a figura do menor sob guarda do rol de dependentes do segurado da Previdência Social. Afirma não haver direito adquirido ao benefício em questão, e sim expectativa de direito, que não se concretizou.

 

Sem as contra-razões e admitido o recurso, subiram os autos.

 

Com parecer da douta Subprocuradoria-Geral da República, que se manifestou pelo provimento do recurso.

 

Decido.

 

Inicialmente, verifica-se que a designação do menor sob guarda do segurado se deu conforme preceito contido no artigo 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91, in verbis:

 

‘Art.16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

 

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qual condição, menor de 21 anos ou inválido;

 

(...)

 

§ 2º Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado; o menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação.’

 

Entretanto tal norma veio a ser alterada pela Medida Provisória nº 1.523, de 11.10.96, sucessivamente reeditada e, posteriormente, convertida na Lei 9.528/97, que excluiu do rol de beneficiários dependentes do RGPS o menor sob guarda judicial.

 

Eis a nova redação do artigo 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91, dada pela Lei nº 9.528/97:

 

‘§ 2º - O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.’

 

Ora é cediço que a concessão de benefício previdenciário rege-se pela norma vigente ao tempo em que o beneficiário preencha as condições exigidas para tanto.

 

Não há que se falar em direito adquirido, pois, in casu, a condição fática necessária à concessão do benefício da pensão por morte, qual seja, o óbito do segurado, sobreveio à vigência da Medida Provisória nº 1.532/96, posteriormente convertida na Lei nº 9.528/97, que, alterando o disposto no art. 16, § 2º da Lei 8.213/91, acabou por afastar do rol dos dependentes da Previdência Social a figura do menor sob guarda judicial.

 

No mesmo entendimento, cito os seguintes julgados:

 

‘ PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE À ÉPOCA DO FATO GERADOR DO BENEFÍCIO.

 

  1. Resta incontroverso nesta Corte o entendimento de que a lei a ser aplicada para fins de percepção de pensão por morte é aquela em vigor quando do falecimento do segurado, que constitui o fato gerador do benefício previdenciário, inexistindo direito adquirido de menor sob guarda na vigência da lei anterior.

 

  2. Precedentes.

 

  3. Recurso conhecido’

 

(Resp 436.375/RS, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJU de 19/12/2003).

 

Desta forma, com fulcro no artigo 557 do CPC, alterado pela Lei nº 9.756/98, dou provimento ao recurso.

 

P. e I.

 

Brasília (DF), 19 de novembro de 2004

 

MINISTRO FELIX FISCHER

 

    Relator”

 

1.4 Art. 33, § 3º do ECA e sua não aplicação ao Direito Previdenciário

 

            Também no que concerne ao disposto no artigo 33, § 3º, da Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou pela sua não aplicação no caso de benefícios previdenciários, entendendo que o referido dispositivo tem natureza de cunho genérico, não podendo ter incidência em matéria previdenciária, cuja normativa é regida por lei específica. Vale citar aqui o Resp. nº 497.081/RN, cuja relatora Ministra Laurita Vaz, expressou seu entendimento “verbis”:

 

“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. IMPOSSIBILIDADE. GUARDIÃO. ÓBITO OCORRIDO APÓS A LEI Nº 9.528/97. PRECEDENTES.

 

  1. A Egrégia Terceira Seção tem entendimento assente no sentido de que o fato gerador para a concessão do benefício de pensão por morte é o óbito do segurado, devendo ser aplicada a lei vigente à época de sua ocorrência. (EREsp 190.793/RN, rel. Min. JORGE SCATEZZINI, DJ de 07/08/2000).

 

  2. Não é possível a concessão da pensão por morte quando o óbito do guardião ocorreu sob o império da Lei nº 9.528/97, uma vez que o menor sob guarda não mais detinha a condição de dependente, conforme a lei previdenciária vigente.

 

  3. Não há falar em aplicação do art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, porquanto é norma de cunho genérico, cuja incidência é afastada, no caso de benefícios mantidos pelo Regime Geral da Previdência Social, pelas leis específicas que tratam da matéria.

 

  4. Precedentes da Quinta e Sexta Turmas.

 

  5. Recurso especial não conhecido.”

 

  (REsp 497.081/RN, Rel. Min. Luarita Vaz, DJU

  de 06/10/2003).

 

1.5 Divergências de entendimentos

 

            Conforme já anteriormente mencionado, no Regime Geral de Previdência Social, o menor sob guarda foi excluído do rol de dependentes, por meio da Lei nº 9.528/97, que alterou a redação do artigo 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91.

 

            Com efeito, tendo em vista o preceito do art. 33, § 3º, do ECA, Lei nº 8.069/1990, impõe-se definir qual a lei a ser observada na espécie.

 

            A questão já foi objeto de apreciação pela 5º e 6º Turmas do Colendo Superior Tribunal de Justiça, especializadas em Direito Previdenciário, conforme aqui já mencionados e transcritos.

 

            Na 6º Turma, é firme o entendimento no sentido de que o menor sob guarda não tem direito adquirido à pensão por morte. Assim, em observância ao princípio tempus regit actum, a partir da entrada em vigor da Lei nº 9.528/97, que alterou a redação do artigo 16, § 2, da Lei nº 8.213/91, excluindo do rol de dependentes o menor sob guarda, não tem ele mais direito a tal benefício. Afasta-se a incidência do art. 33, § 3º, do ECA, ao fundamento de se tratar de norma de cunho genérico, inaplicável aos benefícios mantidos pelo RGPS, os quais, por sua vez, são regidos por lei específica. Nesse sentido:

 

“Ementa: Pensão por morte. Menor sob guarda. Incidência da Lei n: 9.528/97. Inaplicabilidade do Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

1. O fato gerador da concessão da pensão por morte é o falecimento do segurado; para ser concedido o benefício, deve-se levar em conta a legislação vigente à época do óbito.

 

2. Inexiste direito à pensão por morte se o instituidor do benefício falece em data posterior à lei que excluiu a figura do menor sob guarda do rol de dependentes de segurado do Regime Geral de Previdência Social-RGPS.

 

3. O Estatuto da Criança e do Adolescente é norma de cunho genérico e anterior à lei específica sobre a matéria, por isso inaplicável aos benefícios mantidos pelo RGPS.

 

4. Agravo regimental improvido.”

 

(AgRg no REsp 750520/RS- Agravo Regimental no Recurso Especial 2005/0080032-8. Relator Ministro Nilson Naves. 6º Turma. DJ DE 05.06.2006)

 

            Perfilhando a mesma orientação, decisões monocráticas: REsp 721225, Ministro convocado do TRF da 1º região, Carlos Fernando Mathias, DJ de 20.11.2007 e REsp 981984, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJ de 17.10.2007.

 

            Já a 5º Turma do mesmo Superior Tribunal de Justiça vinha decidindo pela incidência do ECA, ao entendimento de que a alteração introduzida no § 2º, do artigo 16, da Lei nº 8.213/91 pela MP nº 1.523/96, convertida na Lei nº 9.528/97, não revogou o disposto no § 3º, do art. 33, do Estatuto da Criança e do Adolescente, norma de cunho especial. Nesse sentido, EERESP 200101947005/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5º Turma, j. 21/08/2003, DJ 29/09/2003; Resp 346.157/SC, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 22//04/2002 e REsp 762329, Relatora Ministra Laurita Vaz, quando reviu seu entendimento para acompanhar seus pares.

 

            Tendo posteriormente havido alteração na composição da 5º Turma, não se sabendo qual entendimento irá prevalecer ali, tampouco na Terceira Seção que também poderá ficar modificada. Existem hoje no Superior Tribunal de Justiça, inúmeros Embargos de Divergência aguardando julgamento, quando, então, haverá pacificação do tema naquela e. Corte.

 

CONCLUSÃO

 

            Com estas considerações, no momento, é de se manter o entendimento de que o menor sob guarda judicial a princípio não faz jus ao benefício de pensão por morte, assegurado pelo Regime Geral de Previdência Social, uma vez que inaplicável na espécie o parágrafo 3º, do artigo 33, do Estatuto da Criança e do Adolescente, por se tratar de norma de cunho genérico, cuja incidência é afastada, no caso de benefícios mantidos pelo Regime Geral da Previdência Social, regulados pelas leis específicas que tratam da matéria.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

CHAVES, Antônio. Adoção Internacional e o Tráfico de Crianças. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1994.

 

COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção Internacional: um estudo sociojurídico comparativo da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

 

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Direitos de Família e do Menor: inovações e tendências – doutrina e jurisprudência. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1992.

 

__________, Sálvio Figueiredo. Direitos de Família e do Menor: inovações e tendências – doutrina e jurisprudência. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.

 

Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Coordenadores: Munir Cury, Antônio Fernando do Amaral e Silva, Emílio García Mendez. São Paulo: Editora Malheiros, 1992.

 

Superior Tribunal de Justiça. Citação de referência e documentos eletrônicos. Disponível em: http://www.stj.gov.br . Acesso em: 10 mai.2008.