Meu primeiro artigo sobre Previdência foi escrito em 1992. Ele visava calcular as alíquotas “justas” para um sistema hipotético no qual a aposentadoria de cada um seria custeada pelas próprias contribuições prévias, como se o sistema fosse de capitalização.
Concluí que, para as regras vigentes na época, o sistema era muito generoso: mesmo com alíquotas altas a nível mundial (31%) o valor presente das contribuições era inferior ao valor presente das aposentadorias que a Previdência pagava.
Quase 10 anos depois daquele meu artigo, foi aprovada a legislação do fator previdenciário e, confesso que com certa inércia, mantive o mesmo diagnóstico, em que pese o fato de que, com a mudança das regras, elas tinham se tornado claramente mais restritivas.
Como minhas ideias continuavam sendo objeto de muitas críticas cada vez que meus artigos sobre o tema eram publicados, decidi, por curiosidade, refazer aquele meu exercício do começo dos anos 90, agora moldando os cálculos à luz das novas regras e desta vez com a co-autoria de Luís Eduardo Afonso, da USP.
O artigo, “Cálculo da alíquota de contribuição previdenciária atuarialmente equilibrada: uma aplicação ao caso brasileiro”, foi publicado na Revista Brasileira de Economia (FGV) em 2009. Sou obrigado a reconhecer que um ponto específico do conjunto de teses que defendi ao longo dos últimos anos revelou-se, à luz dos resultados, incorreto.
Refiro-me à ideia de que o INSS tinha prejuízo- na comparação do recolhimento de contribuições com os pagamentos de aposentadorias – com todos os grupos de contribuintes. Isso é verdade para a grande maioria dos casos. Não é, porém, o que acontece para um grupo específico: o dos homens que se aposentam por tempo de contribuição (TC) no meio urbano.
A tabela ajuda a entender a questão. Para elaborar a mesma, nos baseamos na hipótese de que o indivíduo começa a trabalhar aos 20 anos e falece aos 80 anos e consideramos a lei do fator previdenciário, que define a aposentadoria como o resultado da multiplicação da média dos 80 % maiores salários de contribuição pelo citado fator, que resulta de uma fórmula que combina idade, tempo contributivo e a expectativa de sobrevida definida pelo Ibge.
Para as mulheres adotam-se aqui duas hipóteses: na primeira, contribuição por 30 anos e aposentadoria aos 50 e na segunda, contribuição por 35 anos e aposentadoria aos 55. No caso dos homens, adota-se essa segunda hipótese.
Finalmente, trabalha-se com três cenários de evolução do salário real ao longo da vida ativa, com taxas de crescimento de 1, 2 e 3% a.a. É interessante citar que, pelos nossos cálculos, no Brasil as taxas de variação anual da renda na vida ativa, para quem tem 9 a 11 anos de estudo – grupo que mais tipicamente se aposenta por TC – são de 1,1% para as mulheres e 2,0% para os homens e, para quem tem 12 anos de estudo ou mais, de 1,9% para as mulheres e 2,8% para os homens.
Observe-se que as taxas da tabela são em todos os casos inferiores aos 31% da alíquota contributiva vigente (20% do empregador e 11% dos contribuintes acima de certo limite de renda). Há que fazer, porém, três ressalvas importantes.
A primeira é que a alíquota é o percentual que iguala o valor presente das contribuições com o das aposentadorias, o que significa que não incorpora o seguro implícito associado a benefícios não programáveis, como auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, que alguns estimam que deveriam corresponder a uma alíquota específica de aproximadamente 7%, a ser somada ao resultado encontrado.
A segunda é que o exercício não contempla a extensão do benefício para o pensionista, que sempre gera uma despesa adicional, o que obrigaria a ter uma alíquota maior que a calculada.
E a terceira é que supõe-se que o desligamento do sistema por falecimento se dá aos 80 anos, quando a rigor a expectativa de vida de quem chega vivo aos 60 anos – universo da maioria dos aposentados – é ligeiramente maior, o que tornaria a alíquota de equilíbrio atuarial também algo maior.
Quando se computam todos os efeitos, fica claro que as mulheres do meio urbano recebem um conjunto de benefícios que não são cobertos pela alíquota paga por elas, o que é uma forma de subsídio. Já os homens que trabalham 35 anos ou mais podem dizer que de fato fazem jus às aposentadorias que recebem.
Um ponto a esclarecer é que esse reconhecimento não significa que a eventual adoção de uma idade mínima – que tenho defendido neste espaço – tornaria o sistema mais injusto para os homens. Isso porque, nos termos dos cálculos feitos, isso implicaria que eles deveriam trabalhar alguns anos a mais, mas em compensação teriam uma aposentadoria maior.
Por exemplo, um homem que tenha começado a contribuir com 20 anos pode se aposentar hoje aos 55 anos com um fator previdenciário, já com a nova tábua de mortalidade, de 0,72.
Se no futuro vigorasse a idade mínima de 60 anos, ele teria que trabalhar mais, mas em compensação a aposentadoria aumentaria em torno de 40%, já que o fator passaria a ser de 1,01.
O que fica claro da leitura do artigo, considerando o adicional de 7 % a 10 % que deveria ser associado aos fatores antes citados, é que os homens do meio urbano recebem aproximadamente aquilo pelo qual pagaram, computando o valor acumulado das contribuições.
Já as mulheres, os aposentados por idade e os aposentados rurais são receptores líquidos de recursos públicos, uma vez que o valor das contribuições é insuficiente diante do que o INSS desembolsa ao longo dos anos de aposentadoria e de pagamento da pensão para o(a) herdeiro(a).
(*) Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro “Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2004″ (Editora Campus), escreve mensalmente às segundas-feiras.
Fonte: Portal ClippingMP