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Contribuições sociais: natureza jurídica e aspectos controvertidos

 


Contribuições sociais: natureza jurídica e aspectos controvertidos

 Oscar Valente Cardoso

Juiz Federal Substituto na 4ª Região. Mestre em Direito e Relações Internacionais pela UFSC. Especialista em Direito Público e em Direito Constitucional e em Comércio Internacional.


 

As contribuições sociais têm fundamento no art. 149 da Constituição, que as divide em três subespécies: contribuições sociais em sentido estrito, contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE), e contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas. As primeiras são aquelas destinadas ao custeio da seguridade social, as segundas são as instituídas com o objetivo de regular determinado mercado, para corrigir distorções (como a CIDE sobre a importação de gasolina, diesel e gás), e as terceiras são destinadas ao financiamento das categorias econômicas ou profissionais (OAB, SESI, SENAI, etc.).

 

As contribuições sociais podem ser subdivididas em: a) previdenciárias, se destinadas especificamente ao custeio da Previdência Social, e são formadas pelas contribuições dos segurados e das empresas (arts. 20/23 da Lei nº 8.212/1991); b) e não previdenciárias, quando voltadas para o custeio da Assistência Social e da Saúde Pública. Por exemplo: a COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), o PIS (Programa de Integração Social), incidentes sobre a receita ou o faturamento, e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), que recai sobre o lucro.

 

As contribuições previdenciárias são espécies de contribuições sociais, com a destinação específica de custear o pagamento dos benefícios previdenciários (sistema atuarial). Há, desse modo, como hipótese de incidência, uma atuação do Poder Público indiretamente vinculada ao contribuinte: por meio do custeio da seguridade social ele terá direito a ações gratuitas da saúde pública e, eventualmente, da assistência social e da previdência social (quando se enquadrar em alguma das hipóteses legais). Essas contribuições financiam o sistema da seguridade social (e não retribuem uma atividade específica e divisível do Estado), pois o contribuinte tem a obrigação de pagá-las, mas não necessariamente irá usufruir algum benefício ou serviço da previdência social (a menos que cumpra os requisitos).

 

O custeio da Previdência Social se dá por meio do recolhimento de tributos, e as contribuições previdenciárias constituem espécies do gênero contribuições sociais, previstas nos arts. 149 e 195 da Constituição. O STF reiteradamente reconhece a natureza tributária das contribuições previdenciárias, como no RE 138284/CE (Pleno, rel. Min. Carlos Velloso, j. 01/07/1992, DJ 28/08/1992, p. 13456) e no RE 556664/RS (Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 12/06/2008, DJe 13/11/2008), entre outros julgados.

 

Relembra-se que no direito tributário vige o princípio da legalidade do direito administrativo, ou princípio da legalidade estrita, pois as atividades inerentes à arrecadação de tributos são administrativas. Desse modo, o agente público só pode agir se essa ação estiver expressamente permitida ou determinada pela lei.

 

Especificamente, o art. 150, I, da Constituição, proíbe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios "exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça". Trata-se do princípio da legalidade tributária, em virtude do qual somente por meio de lei pode ser criado ou majorado tributo. No Brasil, desde a Constituição de 1891, não se pode cobrar do contribuinte um tributo que não tenha sido instituído ou sua alíquota aumentada por lei.

 

Entre os objetivos do princípio da legalidade está o de evitar a imposição de exigências arbitrárias e diferenciadas por parte do Estado. A Administração Pública só pode atuar quando a lei ordenar sua atuação (não podendo agir quando não existir previsão em norma jurídica), mas também deve respeitar o direito individual do contribuinte de adotar determinada conduta se não existir norma expressa a proibindo.

 

Ainda, aplica-se às contribuições sociais o princípio da anterioridade nonagesimal previsto no § 6º do art. 192 da Constituição: "As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, ‘b’". Logo, só podem ser cobradas após o decurso do prazo de 90 dias da publicação da lei que as criou ou modificou.

 

A discussão acerca da necessidade de lei complementar ou lei ordinária para a instituição de uma nova contribuição social foi levada ao Supremo Tribunal Federal, que decidiu que, mesmo tendo natureza tributária, não há necessidade de lei complementar para a instituição de contribuição social; porém, ressalva-se a exceção do § 4º do art. 195 da Constituição, que expressamente permite a instituição de outras fontes de custeio da seguridade social (ou seja, de novas contribuições sociais não previstas na Constituição) somente por meio de lei complementar.

 

De forma indireta, essa natureza de tributo das contribuições sociais também é reconhecida na Súmula Vinculante nº 8 do STF: "São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário". Entende-se que, em virtude da natureza tributária das contribuições previdenciárias, aplica-se a elas o art. 146, III, ‘b’, da Constituição, segundo o qual somente lei complementar pode dispor sobre obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.

 

Assim, apesar de sua natureza tributária, as contribuições sociais previstas na Constituição (do empregador sobre a folha de salários, o lucro, a receita ou o faturamento, dos segurados da Previdência Social, sobre a receita de concursos de prognósticos, e do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar) podem ser instituídas por lei ordinária, sendo exigida lei complementar somente para a criação de novas fontes de custeio (art. 195, § 4º, CF).

 

Acerca do assunto, o STF decidiu que "a União Federal, para instituir validamente nova contribuição social, tendo presente a situação dos profissionais autônomos, avulsos e administradores, deveria valer-se, não de simples lei ordinária, mas, necessariamente, de espécie normativa juridicamente mais qualificada: a lei complementar" (RE 145506/DF, 1ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, j. 11/10/1994, DJ 16/06/1995, p. 18222).

 

No mesmo sentido: RE 173867/RS, 1ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, j. 11/10/1994, DJ 16/06/1995, p. 18224; RE 176817/SC, 1ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, j. 11/10/1994, DJ 23/06/1995, p. 19537; RE 186377/RS, 1ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, j. 07/02/1995, DJ 18/08/1995, p. 25016; RE 186062/RS, 1ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, j. 15/12/1994, DJ 25/08/1995, p. 26110; RE 167249/RS, 1ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, j. 11/10/1994, DJ 16/06/1995, p. 18236.

 

A questão gera a seguinte consequência: a instituição de uma nova contribuição social por lei complementar deve observar e não repetir os mesmos fato gerador e base de cálculo de uma contribuição já prevista na Constituição, ou pode apresentar essas similaridades?

 

A resposta é simples, e tem fundamento constitucional: o mencionado § 4º do art. 195 da Constituição prevê que "a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I" (grifou-se). O referido art. 154, I, dispõe que "a União poderá instituir: mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição".

 

Logo, aplica-se às contribuições sociais a mesma limitação existente sobre os impostos, de impossibilidade de coincidência de fato gerador e base de cálculo. Trata-se de uma questão lógica: se o governo pretende criar uma contribuição social, instituindo nova fonte de custeio, não pode utilizar fato gerador ou a base de cálculo já cobrada. Porém, nada impede que a nova contribuição social tenha base de cálculo ou fato gerador similares a de outro tributo, como um imposto, pois isto não é vedado pelo art. 154, I, da Constituição.

 

Conforme já decidiu o STF:

"Contribuição social. Constitucionalidade do artigo 1º, I, da Lei Complementar nº 84/96. - O Plenário desta Corte, ao julgar o RE 228.321, deu, por maioria de votos, pela constitucionalidade da contribuição social, a cargo das empresas e pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, incidente sobre a remuneração ou retribuição pagas ou creditadas aos segurados empresários, trabalhadores autônomos, avulsos e demais pessoas físicas, objeto do artigo 1º, I, da Lei Complementar nº 84/96, por entender que não se aplica às contribuições sociais novas a segunda parte do inciso I do artigo 154 da Carta Magna, ou seja, que elas não devam ter fato gerador ou base de cálculos próprios dos impostos discriminados na Constituição. - Nessa decisão está ínsita a inexistência de violação, pela contribuição social em causa, da exigência da não-cumulatividade, porquanto essa exigência - e é este, aliás, o sentido constitucional da cumulatividade tributária - só pode dizer respeito à técnica de tributação que afasta a cumulatividade em impostos como o ICMS e o IPI - e cumulatividade que, evidentemente, não ocorre em contribuição dessa natureza cujo ciclo de incidência é monofásico -, uma vez que a não-cumulatividade no sentido de sobreposição de incidências tributárias já está prevista, em caráter exaustivo, na parte final do mesmo dispositivo da Carta Magna, que proíbe nova incidência sobre fato gerador ou base de cálculo próprios dos impostos discriminados nesta Constituição. - Dessa orientação não divergiu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário não conhecido" (RE 258470/RS, 1ª Turma, rel. Min. Moreira Alves, j. 21.03.2000, DJ 12.05.2000, p. 32).

 

Sobre o tema, destaca-se ainda o polêmico julgamento do STF acerca da exclusão do empregador rural pessoal natural como contribuinte do FUNRURAL, no RE 363852/MG. No entendimento do relator (que prevaleceu), o empregador rural pessoa natural já recolhe contribuição sobre o faturamento (COFINS) e sobre a folha de salários (art. 22, I, da Lei nº 8.212/91), e não poderia ser duplamente tributado sobre o faturamento para financiar a seguridade social, com a contribuição do FUNRURAL, atualmente prevista no art. 25 da Lei nº 8.212/91 (RE 363852/MG, Pleno, rel. Min. Marco Aurélio, j. 03.02.2010, DJe 22.04.2010).

 

Portanto, conclui-se que: a) a instituição de uma nova contribuição social para fins de custeio de um novo benefício previdenciário deverá ser feita por lei complementar; b) e essa contribuição não poderá ter o mesmo fato gerador e a mesma base de cálculo de uma contribuição já existente.

 

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

 

CARDOSO, Oscar Valente. Contribuições sociais: natureza jurídica e aspectos controvertidos. Ieprev, Belo Horizonte, ano 04, n. 205, 11 abr. 2011. Disponível em:<http://www.ieprev.com.br/conteudo/viewcat.aspx?c=23907>. Acesso em: 12 abr. 2011.