DESAPOSENTAÇÃO: VIABILIDADE E ASPECTOS CONTROVERTIDOS
Ana Maria Colombini Lobato - Servidora do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais desde março de 1.999, graduada em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (Licenciatura Plena -1.993) e em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Contagem (Bacharelado – 2.006).
1. Introdução. 2. Conceituação dos institutos da Aposentadoria e da Desaposentação. 3. Do cabimento ou não do instituto da Desaposentação. 3.1. Argumentos contrários e a favor da concessão da Desaposentação. 3.2. A contagem recíproca e a compensação entre os regimes previdenciários. 4.1. A contagem recíproca. 4.2. A compensação entre os regimes previdenciários e o ressarcimento das prestações recebidas. 5. Entendimento dos Tribunais de Contas e da Jurisprudência. 5.1 – Entendimento dos Tribunais de Contas. 5.2. Entendimento da Jurisprudência. 6. Do Projeto de Lei n. 7.154/02. 7. Considerações Finais. 8. Referências.
1 – Introdução
Este trabalho tem como escopo proceder a uma análise do instituto da Desaposentação, cuidando de sua viabilidade ou não, além de abordar alguns posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais relativos ao tema.
Para tanto, no tópico dois, dar-se-á um enfoque à conceituação da aposentadoria, para contrapô-la à desaposentação. Serão utilizados conceitos de alguns autores, a fim de possibilitar o esclarecimento, posteriormente, da natureza jurídica do instituto em estudo.
No tópico três, tratar-se-á do cabimento ou não do instituto da desaposentação. Inicialmente, serão explicitados diversos argumentos contrários e a favor da concessão da desaposentação, como a questão moral, o caráter personalíssimo, a natureza alimentar e a pretensa irrenunciabilidade do instituto, assim como o argumento de inexistência de previsão legal para a implementação da desaposentação e a alegação de que esta afrontaria o ato jurídico perfeito, provocando insegurança jurídica.
Em seguida, no tópico quatro, cuidar-se-á da previsão da contagem recíproca e da compensação entre os regimes previdenciários, matéria mais controvertida no que concerne à implementação da desaposentação.
Os entendimentos dos Tribunais de Contas e da Jurisprudência serão exemplificados no tópico cinco, a fim de esclarecer que o instituto tem sido aceito, ainda que não de forma unânime. Demonstrar-se-á que, embora existam casos de determinação da devolução dos valores já percebidos pelo beneficiário a título de proventos de aposentadoria, há também o entendimento de que tal devolução não é necessária.
No tópico seis, far-se-á uma referência ao Projeto de Lei nº 7.154/02, de autoria do Deputado Inaldo Leitão, que previa a legalização do instituto da desaposentação, já aceito por parcela da doutrina e da jurisprudência.
Por fim, no tópico sete, proceder-se-á à conclusão deste estudo, abordando os aspectos mais relevantes discutidos ao longo do trabalho e tecendo alguns breves comentários acerca da implementação do instituto da desaposentação.
2 – Conceituação dos institutos da Aposentadoria e da Desaposentação
Inicialmente, é necessário que se proceda à conceituação dos institutos da Aposentadoria e da Desaposentação, a fim de que, posteriormente, seja possível tecer comentários acerca da viabilidade ou não da utilização deste último pelo segurado já aposentado.
A aposentadoria é um benefício de prestação continuada cuja finalidade precípua é a substituição dos rendimentos auferidos pelo trabalhador quando em atividade, objetivando assegurar-lhe uma quantia mínima para custear a sua subsistência após sua saída do mercado de trabalho, seja por idade avançada, seja por motivo de doença, ou por tempo de contribuição a um regime de previdência específico.
Trata-se, pois, de um direito social – de cunho patrimonial e individual - do trabalhador inativo, o qual contribuiu com seu trabalho para benefício de toda a coletividade durante certo período de tempo. Possui ainda a aposentadoria uma natureza de seguro social, tendo em vista que os segurados contribuem, de forma obrigatória ou facultativa, para receber um benefício previdenciário, na inatividade.
A concessão de tal benefício previdenciário ocorre mediante requerimento do segurado ou de ofício, quando o segurado estiver ligado ao Regime Próprio de Previdência. Com isso, tem início o processo administrativo de concessão da aposentadoria; não havendo irregularidades, o benefício é concedido, através do ato denominado ato de aposentação.
A desaposentação, por sua vez, consiste no desfazimento do ato de aposentação, por meio da manifestação de vontade do beneficiário, com a finalidade de possibilitar a contagem do tempo de contribuição já utilizado na concessão da aposentadoria em nova concessão de aposentadoria no mesmo regime previdenciário ou em um regime previdenciário mais benéfico ao aposentado. Trata-se de “unificar os seus tempos de serviço numa nova aposentadoria” (COELHO, 1999, p. 38).
Ivani Contini Bramante conceitua a desaposentação como “o direito ao retorno à atividade remunerada” (BRAMANTE, 2001, p.151).
Para Roseval Rodrigues da Cunha Filho,
tem-se a desaposentação como ato unilateral do aposentado, concernente no desfazimento voluntário da inatividade, aproveitando-se contudo o tempo de serviço respectivo para jubilação em outro regime a que tenha se vinculado (CUNHA FILHO, 2003, p.785).
3 – Do cabimento ou não do instituto da Desaposentação
3.1 – Argumentos contrários e a favor da concessão da Desaposentação
Há vários argumentos contrários à concessão da desaposentação. Um deles está relacionado ao aspecto moral. Segundo esse argumento, é imoral a intenção de solicitar benefício de maior valor, de acordo com a conveniência do titular do benefício previdenciário. Entretanto, a defesa de tal argumento não deve prosperar. Isso porque é prerrogativa do beneficiário procurar se desfazer do ato de aposentação, não importando para tanto se suas motivações são subjetivas. Trata-se de uma espécie de retratação da vontade, que não é atitude singular; nesse sentido, a modificação de situações jurídicas sempre é possível e tem validade.
Ademais, a desaposentação objetiva o abandono de um benefício para que seja possível usufruir de prestação de valor superior. Há que se ressaltar que isso se coaduna com o princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição da República de 1988 (CR/88). Portanto, é direito do beneficiário buscar uma situação financeira que lhe permita viver de forma a alcançar um patamar mais digno de sobrevivência.
Outro argumento levantado para defender a impossibilidade da desaposentação é o de que a aposentadoria é um direito personalíssimo, que tem natureza alimentar e seria, por isso, irrenunciável, só se extinguindo com a morte. Ora, exatamente por ter essa natureza é que o beneficiário tem a prerrogativa de procurar melhores condições de satisfazer suas necessidades alimentares. Quanto à questão da irrenunciabilidade, o argumento não subsiste. Não se trata pura e simplesmente de uma renúncia e sim de uma espécie de renúncia-opção. O beneficiário não renuncia à aposentadoria para ficar sem qualquer fonte de subsistência; ele renuncia a um benefício para obter outro que lhe seja mais vantajoso. Considerar a irrenunciabilidade e a irreversibilidade absoluta da aposentadoria seria permitir um prejuízo ao próprio segurado.
Existe, ainda, o argumento de que não há previsão legal do instituto da desaposentação e que aceitá-lo seria um desrespeito ao princípio da legalidade previsto no art. 5º da CR/88. De fato, não há previsão legal permitindo a renúncia aos direitos previdenciários nem na CR/88, nem na legislação infraconstitucional. No entanto, inexiste, também, dispositivo legal proibindo tal procedimento. A vedação existente é a da utilização concomitante de um mesmo tempo de serviço para a obtenção de mais de uma aposentadoria (art. 96, II e III da Lei nº 8.213/91). Além disso, não ocorre a proibição de vinculação simultânea ou sucessiva a regimes previdenciários diferentes. Sendo assim, não procede a alegação de que a desaposentação não seria válida e eficaz, sob o fundamento de inexistência de lei autorizadora. De acordo com Wladimir Novaes Martinez, quando a norma pública pretender impedir determinado fato – por consistir essa medida em restrição à liberdade -, deve contemplá-lo clara e expressamente; a princípio, se não está proibindo, enquanto convier ao titular do direito, é porque deseja acontecer. (MARTINEZ, 2003, p. 811)
Além disso, como nos ensina Fábio Zambitte Ibrahim:
... não se pode alegar ausência de previsão legal para o exercício das prerrogativas inerentes à liberdade da pessoa humana, pois cabe a esta, desde que perfeitamente capaz, julgar a condição mais adequada para sua vida, de ativo ou inativo, aposentado ou não-aposentado. O princípio da dignidade da pessoa humana repulsa tamanha falta de bom senso, sendo por si só fundamento para a reversibilidade plena do benefício. (IBRAHIM, 2007, p. 68)
Por fim, há a alegação de que possibilitar a desaposentação seria uma afronta ao ato jurídico perfeito – no caso, o ato de aposentação -, previsto no art. 5º, inciso XXXV da CR/88. Isso causaria insegurança jurídica, já que o ato de aposentação tem como conseqüência várias alterações administrativas e financeiras, como os registros funcional e contábil. No entanto, tal argumento não pode se sobrepor à prerrogativa que tem o beneficiário de ver sua situação financeira melhorada, sob pena de se ferir o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos pilares de nossa Carta Constitucional. Nos dizeres de Fábio Zambitte Ibrahim:
Sem embargo da necessária garantia ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, não podem tais prerrogativas constitucionais compor impedimentos ao livre exercício do direito. A normatização constitucional visa, com tais preceitos, assegurar que direitos não sejam violados, e não limitar a fruição dos mesmos. O entendimento em contrário viola frontalmente o que se busca na Lei Maior.
Segurança jurídica, de modo algum, significa a imutabilidade das relações sobre as quais há a incidência da norma jurídica, mas, muito pelo contrário, a garantia da preservação do direito, o qual pode ser objeto de renúncia por parte de seu titular em prol de situação mais benéfica. (IBRAHIM, 2007, p. 44)
Tem-se, pois, que é possível a concessão da desaposentação, com fundamento nos argumentos apresentados neste tópico.
4 – A contagem recíproca e a compensação entre os regimes previdenciários
4.1 – A contagem recíproca
A contagem recíproca está prevista no art. 201, § 9º da CR/88, na Lei nº 8.213/91, em seus arts. 94 a96, e no Decreto nº 3.048/99, no art. 126. Consiste a contagem recíproca na contagem do tempo de contribuição em um determinado regime para que sejam preenchidos os requisitos para concessão de aposentadoria em outro regime previdenciário ao qual se está vinculado no momento do requerimento desse benefício.
Tem-se, então, que a contagem recíproca consubstancia-se em um direito do trabalhador. Uma vez solicitada a desaposentação, será cancelado o ato de aposentação, devendo ser expedida certidão de tempo de contribuição para transferência desse tempo a outro regime previdenciário para que seja feita nova contagem de tempo, a fim de se obter nova aposentadoria. Por isso, não é possível alegar a utilização do mesmo tempo de contribuição para concessão de mais de uma aposentadoria. A maior controvérsia relacionada a esse procedimento concerne à questão da compensação entre os diferentes regimes previdenciários, assunto que será tratado a seguir.
4.2 – A compensação entre os regimes previdenciários e o ressarcimento das prestações recebidas
A compensação entre os regimes previdenciários tem sua previsão no art. 201, § 9º da CR/88. Ela decorre da contagem recíproca, além de integrar o próprio procedimento dessa contagem, a fim de viabilizá-la.
O escopo dessa compensação é a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial nos regimes previdenciários envoltos na operação de contagem recíproca. Constitui essa compensação numreembolso que o regime previdenciário de origem, ou seja, o regime em que o segurado ou servidor esteve vinculado, paga ao regime previdenciário instituidor, que é o regime que irá conceder-lhe o benefício, conforme denominações e conceitos extraídos da Lei nº 9.796/99 e Decreto nº 3.112//99, que cuidam de disciplinar tal ressarcimento. (CUNHA FILHO, 2003, p. 784)
De acordo com Lorena de Mello Rezende Colnago, “não há previsão normativa para a contagem recíproca e compensação financeira para a concessão de nova aposentadoria em um novo regime” (COLNAGO, 2005, p. 797). Para ela, as decisões judiciais - que concedem a desaposentação sem devolução dos proventos já recebidos -, e o entendimento doutrinário favoráveis à desaposentação não devem prevalecer, pois causam prejuízo ao Erário e estão eivadas de ilegalidade.
Por outro lado, o instituto da desaposentação possui defensores, dentre os quais Roberto Luís Luchi Demo – Procurador Federal e Chefe da Consultoria Jurídica do INSS em Cascavel/PR. Ele defende que o INSS não pode obrigar, no plano teorético, quem não quer receber benefício, a continuar recebendo (ressalto a expressão, porque há norma regulamentar determinando esse procedimento), mas daí não decorre automática e necessariamente que da renúncia exsurge o direito à contagem do tempo de contribuição já utilizado, para nova aposentação. Essa utilização condiciona-se à determinada indenização. O beneficiário renuncia à aposentadoria, mas não ao tempo de contribuição que teve averbado. Daí, a situação deve ser recomposta a uma situação que mantenha tanto quanto possível a equação previdenciária originária. (DEMO, 2003, p. 26)
Ainda segundo Roberto Luís Luchi Demo, não é possível lançar mão do argumento de que a reversão do servidor público dispensa a devolução dos proventos (art. 103, § 2º da Lei nº 8.112/90) para justificar a não devolução dos valores percebidos pelos requerentes da desaposentação. Para ele, essa situação é um erro legislativo que não deve ser corroborado, dando-se a mesma tratativa a quem proceder ao requerimento de desaposentação no Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
O autor propõe que haja a devolução de “algo” pelo segurado ao regime concessor da aposentadoria renunciada. Mas tal valor não deve corresponder à totalidade dos proventos recebidos, em função da aposentadoria ter sido concedida regularmente. Também não deve corresponder essa devolução ao montante compensado por um regime previdenciário a outro. Defende ele ser imperiosa a necessidade de equacionamento da questão pela via legal.
Para Roseval Rodrigues da Cunha Filho, o disciplinamento da devolução de valores à seguridade deve ter como parâmetros o montante da prestação já recebida e o importe a ser compensado ao regime previdenciário que irá receber o segurado, compensação que dependerá da expectativa de vida remanescente e da projeção de reajustamento do benefício. (CUNHA FILHO, 2003, p. 790)
Entretanto, segundo esse autor, faz-se necessário edição de lei que institua fórmula para tal procedimento.
Em sentido contrário, tem-se o posicionamento de Fábio Zambitte Ibrahim. Para ele, a desaposentação é viável do ponto de vista atuarial:
...caso o segurado deseje ingressar em novo regime de previdência, também não há o impedimento atuarial para o mesmo, pois o RGPS irá deixar de efetuar os pagamentos ao segurado, vertendo os recursos acumulados ao regime próprio, mediante compensação financeira. Aqui também inexiste prejuízo ao RGPS, pois ainda que o segurado já tenha recebido algumas parcelas do benefício, tal fato não terá impacto prejudicial, pois o montante acumulado será utilizado em período temporal menor, já que a expectativa de vida, obviamente, reduz-se com o tempo. (IBRAHIM, 2007, p. 56)
Ainda segundo esse autor, conferir efeito ex tunc à desaposentação, exigindo, com isso, que sejam devolvidos os valores recebidos como proventos, inviabilizaria a efetividade de tal instituto. Ademais, o fato do benefício da aposentadoria deixar de ser pago acarreta um favorecimento para o regime previdenciário, que deixa de pagar um benefício inicialmente instituído para durar por toda a vida do segurado. E como a desaposentação objetiva um benefício posterior, no mesmo regime previdenciário ou em outro, com a inclusão das contribuições feitas posteriormente ao ato da aposentação nos cálculos da nova aposentadoria, não prescindir da devolução dos valores recebidos a título de aposentadoria seria considerar a primeira aposentadoria como um caso de ilegalidade. Melhor seria se ocorresse um recálculo da aposentadoria, de forma automática, já considerando as novas contribuições feitas após o ato de aposentação.
Especificamente quanto à desaposentação que objetiva mudança de regime previdenciário, há de ser observada a questão atinente ao regime financeiro do sistema previdenciário originário. Se a capitalização houver sido feita individualmente, cabível seria a devolução dos valores percebidos anteriormente. Como o Brasil adota o regime de repartição, e não o de capitalização individual, não faz sentido exigir tal devolução. Nesse sentido o posicionamento de Fábio Zambitte Ibrahim:
... sendo o regime financeiro adotado o de repartição simples, como nos regimes previdenciários públicos em nosso país, não se justifica tal desconto, pois o benefício não tem sequer relação direta com a cotização individual, já que o custeio é realizado dentro do sistema de pacto intergeracional, com a população atualmente ativa sustentando os benefícios dos hoje inativos. Se nesta hipótese o desconto fosse admitido, fatalmente o fundo acumulado do segurado poderia até alcançar cifras negativas, porque evidentemente o Poder Público não aplica tais recursos visando o futuro, ao contrário do sistema de capitalização, utilizando-os no momento, sendo improvável que se possa atualizar-se o montante pleno do segurado. Em verdade, os mecanismos de compensação financeira entre regimes previdenciários oficiais são feitos a partir de valores arbitrados, muitas vezes desvinculados da real cotização do segurado. (IBRAHIM, 2007, p. 62)
5 – Entendimento dos Tribunais de Contas e da Jurisprudência
5.1 – Entendimento dos Tribunais de Contas
Em relação à legalidade das aposentadorias públicas, examinadas pelos Tribunais de Contas, tem-se os seguintes julgados concernentes à desaposentação:
Aposentadoria. Renúncia para contagem do tempo de serviço já prestado para fins de aposentadoria em outro órgão público. Cancelamento do registro – A 2ª Câmara, diante das razões expostas pelo Relator decide: determinar o cancelamento do registro de aposentadoria de (...) (TCU – 2ª Câmara, Processo n. 14.056/96-8, Rel. Min. Bento José Bugarin, DOU 6.8.97, p. 16.880).
Aposentadoria. MAGR. Renúncia visando utilizar o tempo de serviço para nova aposentadoria. Cancelamento do registro do ato de aposentadoria. (TCU – 1ª Câmara, Processo n. 005.114/78-1, Rel. Min. Marcos Vinícios Vilaça, DOU 22.3.94, p. 4.114).
Aposentadoria. MRE. Renúncia de aposentadoria para fins de averbação de seu tempo de serviço junto à Câmara dos Deputados. Determinado o cancelamento do registro e acerto de contas (TCU – 2ª Câmara, Processo n. 006.243/91-6, Rel. Min. Homero dos Santos, DOU 1º.3.94, p. 2.940).
Em sede de decisão administrativa, tem-se a seguinte decisão:
É possível a renúncia à aposentadoria e o aproveitamento do tempo de exercício para averbação em novo cargo (TC-MG, 4ª Câmara, Inspeção n. 449331, Rel. Cons. Simão Pedro Toledo, Ac. 2.9.1999, “Minas Gerais” Caderno I, Belo Horizonte, 22.9.99, p. 30).
Tem-se, pois, que é favorável o entendimento dos Tribunais de Contas no que concerne à concessão da desaposentação.
5.2 – Entendimento da Jurisprudência
É possível encontrar entendimentos jurisprudenciais nos mais variados sentidos. Há tanto os que consideram a impossibilidade de concessão da desaposentação quanto aqueles que vislumbram sua possibilidade. Nesse sentido, tem-se os seguintes julgados:
Acórdão – Origem: Tribunal 4ª Região – Classe: AC – Apelação Cível – Processo n. 200171000088003 – UF: RS
Órgão Julgador: Turma Suplementar
Data de decisão: 18/04/2007
Documento: TRF 400144973
Relatora: Luciane Amaral Corrêa Münch
Ementa:
Previdenciário. Aposentadoria por tempo de serviço proporcional. Desaposentação. Percepção de novo benefício. Impossibilidade.
O fato de inexistir contraprestação no tocante ao pecúlio posterior à aposentação não importa em inobservância das diretrizes constitucionais, uma vez que deve-se dar primazia ao princípio da solidariedade, expresso no art. 195 da nossa Carta Maior, visto que constitui suporte do aparato previdenciário – consubstanciado na adoção de regime de repartição -, não havendo qualquer mácula de inconstitucionalidade nessa interpretação, uma vez que sedimentada em sistemática própria do pergaminho inaugural.
Acórdão – Origem: Tribunal – 4ª Região – Classe: AC – Apelação Cível – Processo: 20071000075510 – UF: RS
Órgão Julgador: Sexta Turma
Data de decisão: 16/05/2004
Documento: TRF 400146936
Relator: João Batista Pinto Silveira
Ementa:
Previdenciário. Pedido de desaposentação para recebimento de nova aposentadoria. Ausência de norma impeditiva. Direito disponível. Devolução dos montantes recebidos em função do benefício anterior necessária.
1. É perfeitamente válida a renúncia à aposentadoria, visto que se trata de um direito patrimonial de caráter disponível, inexistindo qualquer lei que vede o ato praticado pelo titular do direito.
2. A instituição previdenciária não pode se contrapor à renúncia para compelir o segurado a continuar aposentado, visto que carece de interesse.
3. Se o segurado pretende renunciar à aposentadoria por tempo de serviço para postular novo jubilamento, com a contagem do tempo de serviço em que esteve exercendo atividade vinculada ao RGPS e concomitantemente à percepção dos proventos de aposentadoria, os valores recebidos da autarquia previdenciária a título de amparo deverão ser integralmente restituídos.
4. Provimento de conteúdo meramente declaratório.
5. Declaração de inconstitucionalidade do parágrafo 2º do art. 18 da Lei 8.213/91 rejeitada.
Acórdão – Origem: Tribunal – 4ª Região – Classe: EIAC – Embargos Infringentes na Apelação Cível – Processo: 19990401067002-2 – UF: RS
Órgão Julgador: Terceira Seção
Data de decisão: 15/01/2003
Relator: Luiz Fernando Wowk Penteado
Ementa:
Previdenciário. Processual civil. Renúncia a benefício previdenciário em outro sistema de previdência. Necessidade de restituir os valores auferidos a título de aposentadoria.
1. Se o segurado pretende renunciar ao benefício concedido pelo INSS para postular aposentadoria junto a outro regime de previdência, com a contagem do tempo que serviu para o deferimento daquele benefício, os proventos recebidos da autarquia previdenciária deverão ser restituídos.
2. Embargos infringentes providos.
Importa salientar que, nos julgados anteriores que consideram a viabilidade da desaposentação, foi considerada a necessidade de devolução integral dos valores percebidos durante o período de aposentação para a efetivação da desaposentação. Entretanto, há entendimentos mais recentes em sentido contrário. Vejamos:
Acórdão – Origem: Tribunal – 3ª Região – Classe: MAS – Apelação em Mandado de Segurança – 226609 – Processo: 199961000526559 – UF: SP
Órgão Julgador: Décima Turma
Data da decisão: 19/09/2006
Documento: TRF 300111957
Relator: Jediael Galvão Miranda
Ementa:
Previdenciário. Mandado de Segurança. Desaposentação. Natureza do ato. Efeitos. Desnecessidade de restituição dos proventos. Compensação financeira. Lei nº 9.796/99.
1. A desaposentação ou renúncia à aposentadoria não encontra vedação constitucional ou legal. A aposentadoria é direito disponível, de nítida natureza patrimonial, sendo, portanto, passível de renúncia.
2. A renúncia, na hipótese, não funciona como desconstituição da aposentadoria desde o momento em que ela teve início; ela produz efeitos “ex nunc”, ou seja, tem incidência tão-somente a partir da sua postulação, não atingindo as conseqüências jurídicas produzidas pela aposentadoria.
3. A renúncia à aposentadoria, com o fito de aproveitamento do respectivo tempo de serviço para fins de inatividade em outro regime de previdência, não obriga o segurado, em razão da contagem recíproca, a restituir os proventos até então recebidos. É que a Lei nº 9.796/99, que trata da compensação financeira para fins de contagem recíproca, não estabelece a transferência dos recursos de custeio do regime de origem para o regime instituidor da aposentadoria. A compensação financeira será feita mensalmente, na proporção do tempo de serviço pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS, com base de cálculo que não ultrapassará o valor da renda mensal calculada pelo RGPS, de forma que não se pode afirmar que o INSS terá qualquer prejuízo com a desaposentação, pois manterá em seu poder as contribuições que foram recolhidas aos seus cofres, gerando o necessário para a mensal compensação financeira, tal qual estava gerando para o pagamento de proventos da aposentadoria renunciada, podendo haver variação para mais ou para menos no desembolso, variação esta que o próprio sistema absorve.
4. Ao disciplinar a compensação financeira, a Lei nº 9.796/99 está a presumir que o procedimento adotado não importará, para o regime previdenciário de origem, ônus superior àquele que as contribuições vertidas ao sistema poderiam realmente suportar, de forma que o segurado que renuncia à aposentadoria, para obtenção de outra em melhores condições, nada tem a devolver para garantir o equilíbrio atuarial.
5. Reexame necessário e apelação do INSS improvidos.
Acórdão – Origem: Tribunal – 3ª Região – Classe: AC – Apelação Cível – 944032 – Processo: 200261040021796 – UF: SP
Órgão Julgador: Turma Suplementar da Terceira Região
Data da decisão: 23/10/2007
Documento: TRF 300134000
Relator: Leonel Ferreira
Ementa:
Previdenciário. Possibilidade. Eficácia ex-nunc.
1. A irrenunciabilidade das prestações previdenciárias, claramente, existe como princípio protetor do segurado, não tendo cabimento arugüí-la em seu desfavor, para impedi-lo de renunciar ao benefício.
2. A eficácia desta desconstituição, também, de ocorrer a partir da aposentadoria cumpriu todos os requisitos exigidos à época para seu perfazimento. Ou seja, o autor fazia mesmo jus à aposentadoria e, por conseqüência, à fruição de suas prestações.
3. Apelação da parte autora provida.
6 – Do Projeto de Lei n. 7.154/02
O Projeto de Lei n. 7.154/02, de autoria do Deputado Federal Inaldo Leitão, foi apresentado em 27/08/2002. O referido projeto cuidava de acrescentar um parágrafo único ao art. 54 da Lei n. 8.213/91.
Art. 54. ............................................................................................................
Parágrafo único. As aposentadorias por tempo de contribuição e especial concedidas pela Previdência Social, na forma da lei, poderão, a qualquer tempo, ser renunciadas pelo beneficiário, ficando assegurada a contagem do tempo de contribuição que serviu de base para a concessão do benefício.
Tratava-se da instituição, através da via legal, da previsão da desaposentação. No entanto, tal projeto já nasceu com problemas, pois deixava de tocar na questão da devolução ou não de quantia ao regime gestor e concessor da aposentadoria a ser renunciada. Caso aprovada, não poderia o decreto que viesse a regulamentá-la, prever tal devolução, sob pena de extrapolar suas finalidades, ao ultrapassar a seara da regulamentação.
Em sua redação final - Projeto de Lei n. 7.154-C/2002 – na CCJC, houve o deslocamento da matéria para a seção correspondente à contagem recíproca de tempo de serviço (arts. 94 a 99 da Lei n. 8.213/91). Há a previsão de alteração do inciso III e acréscimo de um parágrafo único ao art. 96 dessa Lei.
Art. 96. ............................................................................................................
..........................................................................................................................
III – não será contado por um regime previdenciário o tempo de contribuição utilizado para fins de aposentadoria concedida por outro, salvo na hipótese de renúncia ao benefício;
..........................................................................................................................
Parágrafo único. Na hipótese de renúncia à aposentadoria devida pelo Regime Geral da Previdência Social, somente será contado o tempo correspondente a sua percepção para fins de obtenção de benefício por outro regime previdenciário, mediante indenização da respectiva contribuição, com os acréscimos previstos no inciso IV do caput deste artigo.
Esse Projeto de Lei foi remetido ao Senado Federal, em 04/07/06, tendo sido aprovado em 19/12/07, publicado em 20/12/07, no Diário do Senado Federal, e encaminhado à sanção presidencial, em 27/12/07. Entretanto, em 11/01/08, foi totalmente vetado pelo Presidente da República. Resta saber se tal veto será mantido ou derrubado pela Casa Legislativa competente para tanto. Caso o veto seja mantido, será necessária a propositura de um novo projeto de lei com vistas a instituir a previsão legal da desaposentação.
7 – Considerações Finais
O presente estudo versou sobre o instituto da Desaposentação, apreciando a viabilidade de sua implementação ou não. Tal estudo utilizou-se de entendimentos jurisprudenciais e doutrinários existentes acerca do tema.
Partindo-se dos conceitos de aposentadoria e de desaposentação, concluiu-se que a desaposentação corresponde a uma renúncia-opção, plenamente possível de ser implementada, tendo em vista que objetiva melhorar as condições de vida dos beneficiários de proventos de aposentadoria. Demonstrou-se, também, que os demais argumentos contrários à concessão da desaposentação não merecem prosperar. Não permitir a utilização desse instituto traria grandes prejuízos aos beneficiários, além de ferir o princípio da dignidade da pessoa humana.
Cuidou-se, no tópico quatro, da contagem recíproca e da compensação entre os regimes previdenciários. Verificou-se a importância de manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial, o qual justifica, segundo parte da doutrina e da jurisprudência, a exigência de devolução/indenização ao regime gestor e concessor da aposentadoria a ser renunciada de pelo menos uma determinada quantia do que foi usufruído pelo beneficiário. Ressaltou-se, porém, a importância de introdução de dispositivo legal que preveja a forma pela qual essa matéria seria equacionada.
Por outro lado, demonstrou-se, também, que o instituto da desaposentação é viável do ponto de vista atuarial. Isso porque o beneficiário deixa de receber seus proventos de aposentadoria, beneficiando o regime previdenciário concessor da desaposentação. Ademais, o novo benefício a ser auferido será pago por um tempo menor, tendo em vista a redução da expectativa de vida com o passar do tempo. Com isso, a exigência de devolução dos valores pagos inviabilizaria a efetividade da desaposentação, além de configurar o ato de aposentação como uma ilegalidade.
Quanto à desaposentação que visa a mudança de regime previdenciário, é necessário observar a questão relativa ao regime financeiro do sistema previdenciário originário: caso a capitalização tenha sido feita individualmente, seria razoável a devolução dos valores anteriormente recebidos. Entretanto, o Brasil adota o regime de repartição, o que tornaria inexigível tal devolução.
Foi possível averiguar, com o tópico cinco, que existem entendimentos tanto dos Tribunais de Contas quanto posicionamentos jurisprudenciais favoráveis e desfavoráveis à implementação da desaposentação, sendo que alguns deles fazem menção à devolução dos valores recebidos a título de proventos de aposentadoria.
No tópico seis, foi citada a existência do Projeto de Lei nº 7.154/02, que trata da introdução da desaposentação, pela via legislativa, em nosso ordenamento jurídico. Apesar de aprovado pelo Senado Federal, em 19/12/07, ele foi totalmente vetado pelo Presidente da República em 11/01/08, o que torna necessário, caso esse veto seja mantido pela Casa Legislativa competente, a propositura de novo projeto de lei objetivando a instituição da previsão legal da desaposentação, assim como dirimindo as dúvidas atinentes à questão da devolução ou não dos valores percebidos a título de aposentadoria.
8 – Referências
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