Previdência social e(m) crise: esse parece ser o dogma dos noticiários, “especialistas”, agentes públicos, e da sociedade como um todo.
O mantra de que a Previdência Brasileira é insustentável, ou que é deficitária parece já ter se introjetado como verdade absoluta na cabeça do senso comum.
Não é raro vermos das conversas de bar até ao noticiário econômico especializado a ideia de que “o INSS vai quebrar”.
Nesse post a minha ideia é refutar a grande parte dos argumentos do senso comum, que por vezes tem preguiça de ir em busca de dados e fundamentos claros para suas assertivas.
A Previdência Social no Brasil é deficitária?
Bom, para começar com o argumento mais exaltado pelo senso comum: a Previdência no Brasil é deficitária.
Para chegar à essa conclusão, o raciocínio que é feito é o seguinte: se pegarmos o que é arrecadado com contribuições previdenciária menos o que se gasta com benefícios, o resultado é negativo.
Essa assertiva é verdadeira, contudo, até por um silogismo lógico, isso NÃO significa que a Previdência é deficitária.
Mas, como isso é possível?
É que a previdência social não é algo que existe por si só. A Constituição brasileira decidiu unificar previdência, saúde e assistência social em um grande microssistema: a SEGURIDADE SOCIAL.
Conforme a Lei 8.212/91, a Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social.
Nesse sentido, conforme o artigo 195 da Constituição, a base de financiamento da Seguridade Social é feita por toda a sociedade, de forma direta e indireta.
Portanto, a seguridade social tem um orçamento compartilhado que não se limita às contribuições previdenciárias. Além delas, financiam a seguridade social tributos como a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), PIS, COFINS, Imposto de Importação de bens e serviços, imposto sobre operações de crédito, imposto sobre prêmios de loterias, etc.
Enfim, a base de financiamento é muito diversificada. Quando você consome algo, quando uma empresa lucra, a seguridade social está sendo financiada. Logo, considerar apenas as receitas das contribuições previdenciárias é um reducionismo que ignora a realidade.
Certamente, ninguém aduz que o SUS (saúde) é deficitário, mas por qual motivo a previdência social é atacada por este argumento? Não seria a proteção de riscos sociais (velhice, morte, invalidez) um interesse social tão grande quanto à saúde?
Nós, enquanto sociedade, elegemos algumas situações que são tão importantes para a nossa vida que não podem se submeter a uma lógica meramente matemática e impessoal, pois significaria negociar o inegociável (salvar uma vida, não passar necessidade na velhice, ter assistência em caso de invalidez), e é exatamente esse o escopo da seguridade social.
Os dois vilões diretos: a DRU e as desonerações
Se diminuirmos o que a seguridade social arrecada com o seu gasto, até 2015 o sistema era superavitário.
Contudo, a partir de 2016, com a crise econômica que jogou milhares de pessoas no desemprego, e o aumento das desonerações sobre folha de pagamento (isenção de vários setores ao pagamento de contribuições para o INSS), o resultado passou a ser negativo.
Além das desonerações desenfreadas, que não fazem sentido econômico algum, pois isentar setores de pagar contribuições previdenciárias, além de gerar um custo para a sociedade, não retorna em nada para a economia, pois essa sobra vira lucro embolsado pelos empregadores.
Como se não bastasse, existe algo chamado DRU (Desvinculação de Receitas da União), que é basicamente uma autorização para o Governo retirar recursos da seguridade social para outros gastos.
Desde o governo Michel Temer (MDB) em 2016, esse montante foi aumentado de 20% para 30% do orçamento total da seguridade social, o que corresponde a quase 300 BILHÕES de reais .
Ou seja, não só é uma falácia dizer que a seguridade social é deficitária, como também é possível dizer que ela é quem financia boa parte dos gastos do Governo. O alegado déficit é produzido justamente pelo fato do orçamento da seguridade ser abocanhado pela DRU.
Os dois vilões ocultos: o Banco Central e os juros da dívida pública
Se é verdade que a DRU e as desonerações diminuem consideravelmente o orçamento da seguridade social, a pergunta que fica é: para onde vai o dinheiro.
No orçamento executado do Governo Federal, a maior despesa de longe foi os JUROS E AMORTIZAÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA, correspondentes a 43,23% de todo o orçamento. O segundo gasto, de 20,93%, ou seja, menos da metade, foi a Previdência Social.
Ou seja, gastamos quase metade do orçamento federal só em juros da dívida para “meia dúzia” de fundos de investimentos e instituições financeiras, valor que corresponde a quase o dobro com o que gastamos com a tríade da seguridade social.
Contudo, não vemos a midia, ou os “especialistas”, falando nisso quando vão debater Reformas Previdenciárias.
Ademais, temos que falar sobre o papel nefasto do Banco Central nessa situação. Atualmente o Banco Central, por meio do COPOM, que é composto pelo diretor do BC e mais 8 diretores, decide qual será a taxa SELIC (a taxa de juros básica da economia), que é o valor que o governo remunera os títulos publicos pós-fixados.
A cada 1 ponto percentual (1%) que a SELIC sobe, aumenta-se 40 BILHÕES de reais em gastos anuais com a dívida pública. Atualmente a SELIC está em 11,25%, o que corresponde a um juro real de mais de 8%, o terceiro maior do mundo, atrás apenas de Turquia e Rússia.
Essa decisão sobre a taxa de juros é decidida unilateralmente pelos diretores do COPOM, que não foram eleitos, mas que com uma canetada podem mexer profundamente no orçamento público, retirando direitos da população.
Isto, é claro, para não falar no efeito econômico direto da decisão de subir juros, que é tomada para “diminuir a atividade econômica para conter a inflação” (ou seja, para gerar desemprego e diminuir a renda dos mais pobres, transferindo recursos para os mais ricos por meio do pagamento de mais juros).
Faça o exercício: veja onde os ex-diretores e presidentes do BC estão trabalhando hoje. Todos trabalham para bancos e instituições financeiras.
As escolhas orçamentárias da Seguridade Social são eminentemente políticas. Não se trata de uma escolha entre ciência e terraplanismo econômico. Atualmente a escolha política tem sido alocar recursos para pagar juros mais altos para o que ficou popularmente conhecido como “Faria Lima” e “Wall Street”.
Portanto, não podemos esquecer que existem GRANDES interesses por trás do discurso de redução do “gasto público” com benefícios sociais, e nesse ponto, os trabalhadores estão perdendo a queda de braço, infelizmente.
Convido todos a pensarmos o futuro que queremos, pois as escolhas de hoje terão suas consequências vistas no futuro, quando a atual geração precisará da seguridade social.
Autor: Yoshiaki Yamamoto
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