Reabilitação Profissional e Paridade Remuneratória
Diego Franco Gonçalves, Advogado especialista em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito Social – EPDS e Sócio do Francisco Rafael Gonçalves Advogados Associados.
O Seguro Social custeado pelo Estado, empresas e segurados, em regra trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos desprovidos de Regime Próprio de Previdência, de cunho contributivo e de filiação obrigatória tem o escopo de proteger riscos sociais, ou seja, proteger o trabalhador de uma contingência danosa, futura, incerta e involuntária, quais sejam, (1) a idade avançada, (2) a maternidade, (3) a morte, (4) o desemprego involuntário, (5) a família, (6) a incapacidade e a (7) prisão.
Assim, os riscos sociais irão determinar as espécies de prestações que a Previdência Social irá oferecer aos seus segurados. Especificamente, quanto à incapacidade, pode-se dizer que atualmente estão ao alcance do trabalhador os seguintes benefícios: a) Aposentadoria por Invalidez, b) Auxílio-Doença, c) Auxílio-Acidente, sejam decorrentes ou não de acidente do trabalho.
Ao reunir os requisitos para pleitear qualquer dos benefícios relacionados acima, o segurado submete-se ao setor de perícias médicas do INSS onde será avaliada sua incapacidade.
Deste modo, concedendo a prestação, a Autarquia fica responsável em fiscalizar o momento oportuno para suspender o benefício, que deverá, em regra, coincidir com a data da cessação da incapacidade do obreiro. Contudo, não é o que se vê na prática previdenciária.
Além dos benefícios previstos na Lei 8.213/91 (Seção V), estão também inseridos no Capítulo II que trata “Das Prestações em Geral”, a Seção VI sob o título “Dos Serviços”, onde se inclui, especificamente na Subseção II, o objeto do presente estudo, positivado nos arts. 89 a 93 da referida Lei, arts. 136 a 141 do Decreto 3.048/99 e Decreto 4.688/03, que tratam da HABILITAÇÃO e da REABILITAÇÃO PROFISSIONAL.
Os Serviços têm razão de ser e possuem raízes nos princípios que informam o Direito Previdenciário que é um Direito Social e, portanto, um Direito Fundamental. Assim, a reabilitação profissional vincula-se à idéia da proteção da dignidade humana.
Os números apresentados pela 17ª edição do Anuário Estatístico da Previdência Social – AEPS com dados referentes a 2008 chamam a atenção para o tema, pois noticiou que somente 3,06% de todos os Auxílios-Doença concedidos pela Autarquia, passaram pelo processo de reabilitação profissional. Ou seja, por qual motivo um instituto tão importante está sendo deixado a latere?
Estabelece o art. 89 da Lei 8.213/91, verbis:
Art. 89. A habilitação e a reabilitação profissional e social deverão proporcionar ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e de (re)adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive.
Wladimir Novaes Martinez faz a separação dos institutos da seguinte forma: “Habilitação não se confunde com reabilitação. A primeira é a preparação do inapto para exercer atividades, em decorrência de incapacidade física adquirida ou deficiência hereditária. A segunda pressupõe a pessoa ter tido aptidão e tê-la perdido por motivo de enfermidade ou acidente. Tecnicamente o deficiente não é reabilitado e, sim, habilitado”
Em síntese, este Serviço disponibilizado a cargo do INSS presta-se a reinserir o segurado ou o deficiente físico no mercado de trabalho e no contexto em que vivem quando estes se encontrarem incapacitados parcial ou totalmente para o labor, evitando-se assim a marginalização destes trabalhadores.
Vale ressaltar que o serviço é compulsório e estão sujeitos à reabilitação todos segurados, inclusive aposentados e dependentes que atualmente recebem benefício por incapacidade, ou que estão nesta condição.
A reabilitação consiste basicamente em: (a) avaliar o potencial laborativo do segurado, (b) orientar e acompanhar a programação profissional, (c) articulação com a comunidade, inclusive mediante a celebração de convênio para reabilitação profissional, com vistas ao reingresso no mercado de trabalho e (d) acompanhar e pesquisar sobre a fixação no mercado de trabalho.
A reflexão que se propõe está justamente no resultado da reabilitação profissional, ou seja, a lei determina que o INSS deverá capacitar o segurado para outra atividade que lhe garanta a subsistência, caso não reúna condições para exercer o trabalho que habitualmente exercia.
Ocorre que, deve-se levar em conta a PARIDADE REMUNERATÓRIA, ou seja, a nova profissão para a qual o segurado estiver habilitado deverá ser compatível com a anterior no que tange ao aspecto financeiro.
Como ocorre na prática, não pode o órgão previdenciário simplesmente reabilitar o segurado, emitir um certificado de conclusão de um curso qualquer e considerá-lo apto a retornar ao mercado de trabalho.
Embora a lei não seja taxativa, a PARIDADE REMUNERATÓRIA é ínsita ao sistema de Seguro Social, pois à medida que o segurado confia e contribui para este sistema, a contraprestação que se espera deve ser adequada e digna de modo a garantir o seu status quo.
Ademais, o inciso IV do art. 137 do Dec. 3.048/99 estabelece que caberá ao INSS o “acompanhamento e pesquisa da fixação no mercado de trabalho”. Ou seja, fixar o trabalhador no mercado não é lhe arranjar uma colocação qualquer. O grande problema é que o segurado que passa pela reabilitação corre o risco de ser encaminhado para outra colocação com a qual não tem a menor afinidade ou experiência. Com esta atitude, a Autarquia apenas está se eximindo de uma incumbência legal.
Por exemplo, um carpinteiro que exerce seu ofício na garagem de casa, com 45 anos de idade e 29 anos de profissão, ensino médio incompleto, contribuinte individual, que aufere mensalmente a quantia de R$ 3.500,00 / mês, e que, em virtude de um acidente de trânsito, ficou impossibilitado de exercer esta atividade por ausência de coordenação motora. Ainda em gozo de auxílio-doença, o INSS o encaminha para a Reabilitação e custeia um curso de informática a este segurado com 3 meses de duração.
Deveria a Autarquia neste caso aposentá-lo por invalidez, pois embora seja um segurado relativamente jovem no ápice profissional do homem médio, há que se considerar o contexto social em que este trabalhador está inserido, ou seja, a dificuldade de recolocação no mercado tendo em vista a ausência total de experiência aliada ao serviço braçal e, principalmente, quando o segurado irá obter uma remuneração equivalente à profissão anterior?
Não se pode esquecer do Auxílio-Acidente, prestação previdenciária indenizatória decorrente de acidente do trabalho ou não (após Lei 9.032/95), que será concedida nos casos onde se verificar a redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia ainda que a doença incapacitante seja reversível (conforme recente entendimento do C. STJ).
In casu, se este segurado recolher a contribuição previdenciária de acordo com sua efetiva remuneração, ou seja, no teto máximo desde 07/1994, a RMI seria no valor de R$ 1.544,84 (03/2010). Nesta perspectiva, é menos utópica a idéia de se obter outra colocação profissional com salário próximo a R$ 2.000,00, de modo a atingir a remuneração anterior (R$ 3.500,00).
No entanto, como este segurado não consegue mais exercer a atividade anterior, fatalmente irá fechar as portas de sua oficina e passará a ser segurado empregado, caso consiga emprego. Tal mudança seria correta? Ou seja, após quase 30 anos laborando como dono/proprietário de seu empreendimento, agora passará a ser segurado empregado?
Ou seja, ainda que o segurado contribua no teto máximo (hipótese que abrange a minoria da população brasileira), o Auxílio-Acidente não será capaz de suprir as deficiências aqui apontadas, qual seja a PARIDADE REMUNERATÓRIA e o status quo do trabalhador.
A reflexão não é isolada e já ganha adeptos no Poder Judiciário, senão, veja-se no trecho da ementa abaixo transcrita, verbis:
Em casos semelhantes, incapacidade parcial para o trabalho comum, mas total para o trabalho que exija esforço físico, como é o caso do trabalhador rural, esta Turma tem se posicionado no sentido de deferir o benefício por invalidez, face à dificuldade da readaptação profissional em determinados casos Precedentes 5. Apelação da autora provida.Recurso adesivo desprovido.
AC 2007.01.99.037025-3/MG; APELAÇÃO CIVEL, TRF da 1ª Região, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS OLAVO , Primeira Turma, 04/11/2009 e-DJF1 p.246
Em 2008, 20.195 pessoas foram reabilitadas pelo INSS, além de outras 29.746 continuarem neste processo, o que totaliza 49.941 trabalhadores. A Autarquia gastou com todos eles o valor de R$ 4.952.048,00 (quatro milhões, novecentos e cinqüenta e dois mil e quarenta e oito reais), que resulta em R$ 99,15 por segurado. Ou seja, considerando o investimento feito pelo INSS, indaga-se: que tipo de reabilitação foi promovida para estes segurados?
A noção de Seguro Social deve mirar no primeiro momento a cobertura eficaz do atendimento e não a solvência do regime previdenciário. Assim, lembra Marcus Orione Gonçalves Correia, verbis:
A idéia de “seguro social” vincula-se ao primado constitucional do valor social do trabalho (arts. 170 a 193). Aqueles que trabalham, contribuindo para o custeio e manutenção da Seguridade Social, sujeitam-se a riscos sociais capazes de lhes subtrair sua capacidade laboral, afetando, por conseguinte, sua dignidade inerente à condição humana. Nestes termos, na mesma medida em que se submetem a tais riscos, contribuindo para o custeio do Sistema, deve o Sistema abarcar-lhes, protegendo-os como segurados.
Assim, o pacto firmado do trabalhador com o regime público de previdência, de filiação obrigatória, implica em deveres e obrigações para ambos. Ou seja, em caso de adoecimento, o seguro contratado deverá substituir os rendimentos auferidos pelo trabalhador, mas nunca impor uma profissão ao segurado.
Embora se possa observar que houve boa vontade do legislador que pretendeu reinserir o obreiro no mercado de trabalho, há nisso uma grande afronta aos direitos individuais, pois o que se vê na verdade, é uma intervenção estatal na esfera individual do trabalhador ao dizer: “esta será sua nova profissão”.
Não se está aqui a defender a inconstitucionalidade do Instituto, pelo contrário, a Reabilitação Profissional é uma política positiva de inclusão social, contudo, deve ser pautada em parâmetros rígidos e, sobretudo, na ANUÊNCIA do trabalhador, de modo que este processo não o coloque nas ruas apenas com um certificado em mãos, ou seja, provavelmente mais um segurado desqualificado, futuro desempregado que fatalmente perderá a qualidade de segurado em poucos meses, sendo praticamente BANIDO do Sistema Previdenciário.
A reflexão abrange um tema pouco explorado pelo meio jurídico e acadêmico e tem o objetivo de alertar para o modelo atual vigente que acaba por expulsar o segurado do RGPS. Portanto, um mecanismo importante é o estabelecimento da PARIDADE REMUNERATÓRIA.