Com o agendamento de perícias médicas apenas para 2023 em alguns locais do país, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) voltou a conceder o auxílio-doença sem que o segurado precise passar por exame do instituto, liberando o benefício apenas com a apresentação de atestado médico.
A regra, que passou a valer nesta sexta-feira (29) com a publicação de portaria no Diário Oficial da União regulamentando o tema, já foi utilizada no auge da pandemia de Covid-19 para liberar o auxílio por incapacidade temporária. A medida é temporária e vale apenas em locais onde a espera pelo exame seja superior a 30 dias.
A expectativa com o novo procedimento, segundo o vice-presidente ANPM (Associação Nacional dos Médicos Peritos), Francisco Eduardo Cardoso Alves, é diminuir a fila da perícia pela metade até novembro, com o atendimento de cerca de 500 mil segurados.
"Na verdade, se chegar a 500 mil, é o equivalente ao normal de um mês de trabalho de perícia. Então a ideia é regularizar a fila", diz ele. A associação, que sempre foi contrária à liberação de benefício sem perícia não está se opondo à iniciativa, como já fez outras vezes.
A possibilidade de liberação do auxílio-doença sem perícia por parte do INSS já constava na medida provisória 1.113/2022. A portaria regulamenta a MP e tem validade de 30 dias, podendo ser renovada por igual período. O assunto, no entanto, precisa ser debatido pelo Congresso.
O prazo de afastamento do segurado tem de ser de até 90 dias. Além disso, o auxílio sem perícia não vale para benefícios de natureza acidentária, ou seja, que estejam ligados a doença ou acidente de trabalho. Quem já está com perícia marcada também pode optar pela análise documental.
Fila de espera atinge a 1 milhão
Em maio, conforme a Folha publicou com exclusividade, o INSS tinha mais de 1 milhão de segurados na fila da perícia médica. O tempo de espera para atendimento, que pode se estender até 2023, foi agravado por fatores como a greve dos peritos médicos, o fechamento das agências durante a pandemia e a falta de servidores com a aposentadoria de boa parte do quadro.
"O INSS não tomou a iniciativa de reposição de funcionários, o concurso público não saiu, e, portanto, há um déficit em funcionários. A fila nacional está muito grande, então é uma medida mitigadora dentro deste cenário para atenuar a situação daqueles que precisam de uma renda enquanto estão incapacitados", afirma Rômulo Saraiva, advogado especialista em Previdência Social e colunista da Folha.
A advogada Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), vê a avaliação do direito ao auxílio-doença apenas por meio de documentos como uma saída para amenizar a grande espera pela realização de perícias.
"A situação das perícias presenciais está realmente muito caótica. Tem agências que não têm perícia, agências que não têm perito, pessoas que moram longe, enfim. Então a perícia a distância, ou a não perícia, com base em documentos, é uma alternativa, principalmente nesses casos mais dificultosos."
Para Roberto de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), a medida é boa, mas é preciso ter cuidado em caso de negativa do benefício. Segundo ele, não está claro se o segurado que tiver o benefício negado irá receber um laudo com a explicação dos motivos da negativa.
"A gente fica questionando, nos casos em que o benefício for indeferido, como ele [o segurado] vai poder questionar os argumentos, se não tem parecer conclusivo sobre por quê a perícia foi indeferida", afirmna Santos.
"A própria legislação exige esse parecer conclusivo, do médico, e consequentemente isso impede inclusive um questionamento mais amplo quando a pessoa vai buscar uma ação judicial, já que não poderá caber recurso administrativo, precisa apresentar o parecer médico, e é esse parecer médico que será analisado pelo perito oficial", diz.
Como será a liberação do auxílio-doença sem perícia
Para conseguir o auxílio sem passar pela perícia médica, o segurado doente terá de enviar documentos por meio do aplicativo ou site Meu INSS. A análise incluirá o atestado ou laudo médico legível e sem rasuras, contendo as seguintes informações:
Nome completo do segurado
Data de emissão do atestado ou laudo, que deve ser menor do que 30 dias da data de entrada do requerimento
Informações sobre a doença ou CID (Classificação Internacional de Doenças)
Assinatura do profissional que emite o documento e carimbo de identificação, com registro do conselho de classe
Data de início do repouso
Prazo estimado necessário para recuperação
O tempo de afastamento, nestes casos, é limitado a 90 dias. Quem precisar ficar afastado por prazo maior para a recuperação deverá passar por perícia. Além dos documentos exigidos pela regulamentação, o cidadão também precisa enviar cópia dos documentos pessoais. Basta tirar fotos e anexar no processo.
Por lei, o INSS tem prazo de até 45 dias para dar uma resposta nos casos de pedidos de auxílio-doença, conforme acordo fechado com o STF (Supremo Tribunal Federal). Caso o órgão demore mais, o trabalhador pode ir à Justiça. Se a resposta for negativa, é possível entrar com recurso administrativo no instituto ou buscar o Judiciário.
Diferentemente do que ocorreu na pandemia, não há limitação de valor para conceder o auxílio sem perícia. Na ocasião, o instituto pagava apenas o valor de um salário mínimo. Se o cidadão tivesse direito a renda maior, deveria agendar uma perícia para que a diferença de valor fosse liberada.
Segundo Alves, a função dos peritos médicos será a de analisar os documentos para que não haja fraudes. "A nossa função é de apenas analisar a conformidade do documento, a gente não vai entrar no mérito de se existe incapacidade ou não e não vai emitir juízo de valor sobre o documento trazido pelo segurado."
O vice-presidente da ANMP diz que a fila varia de acordo com as localidades e que onde há fila até 2023 são locais em que já havi a problemas crônicos de agendamento por conta de falta de peritos. "Em São Paulo, por exemplo, o agendamento não está para 2023 ainda. Não está nem para setembro."
Procurados pela Folha, o INSS e o Ministério do Trabalho e Previdência não haviam se manifestado até a conclusão deste texto.
Fonte: Folha de São Paulo