A fila de perícias médicas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ultrapassou mais de 1 milhão de agendamentos, segundo informações do Ministério do Trabalho e Previdência. Ao todo, 1.008.112 segurados esperam para ser atendidos por um médico.
O número de perícias inclui todos os tipos de benefícios que necessitam de avaliação pericial para serem concedidos. Na lista, estão auxílio-acidente, auxílio por incapacidade temporária —antigo auxílio-doença—, e aposentadoria incapacidade permanente —antiga aposentadoria por invalidez—, pagos a quem tem alguma incapacidade para o trabalho.
Há ainda outros benefícios, como BPC (Benefício de Prestação Continuada), aposentadoria da pessoa com deficiência e aposentadoria especial, entre outros, que necessitam da análise de um médico.
Há poucas semanas, o número de cidadãos à espera de atendimento estava em torno de 780 mil, mas, com o início da greve dos peritos, que na sexta-feira (29) chegou a 31 dias, o quadro se agravou. Dados da ANMP (Associação Nacional dos Médicos Peritos) mostram que houve ao menos 320 mil remarcações de exames periciais desde o início da greve.
A espera para conseguir um atendimento também é longa e está em cerca de 60 dias, segundo informações do governo enviadas ao Congresso Nacional na edição da medida provisória 1.113, que tenta implantar a perícia médica a distância em alguns benefícios, com envio de atestado pela internet, como já ocorreu na pandemia de Covid-19.
Francisco Eduardo Cardoso Alves, vice-presidente da ANMP, afirma que a categoria tem cumprido a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e mantém 30% dos médicos peritos em atendimento nas agências, enquanto 70% estão parados. Hoje, a Perícia Médica Federal tem cerca de 3.400 profissionais, mas com afastamentos, aproximadamente 3.200 estão na ativa.
"Os peritos se sentem indignados com a forma como o governo vem tratando a categoria. Temos mais de 320 mil perícias remarcadas no período e, até agora, não se moveram para negociar", afirma.
Dentre as reivindicações dos médicos estão reposição salarial de 19,9% —o governo oferece reajuste de 5% a todos os servidores—, melhores condições de trabalho, com todos os profissionais fazendo atendimentos presenciais e sem nenhum deles "fora da agenda de atendimentos" e concurso público para regiões do país onde é necessário mais profissionais.
Fila do INSS reflete greve, demanda represada e falta de servidores
O mais de 1 milhão de segurados na fila do INSS para a perícia médica reflete um conjunto de fatores, segundo especialistas. Dentre eles estão a greve dos peritos, a pandemia, que aumentou o número de cidadãos em busca de benefício incapacitados em um período no qual as agências ficaram fechadas, e a falta de servidores.
"Na verdade, é esse conjunto de coisas. Nós tivemos o período de pandemia, que impediu as perícias. Depois, tivemos o retorno de atendimentos, mas algumas agências continuaram fechadas por um bom tempo, a falta de servidores e as greves", afirma Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário.
Roberto de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), diz que a falta de servidores afeta muito mais do que as greves —os funcionários administrativos também estão parados. "O que a gente vê é a falta de concurso para ter mais servidores. Por mais que se invista em inteligência artificial, ela não resolve. Precisa da ação humana na questão da Previdência Social, de servidores capacitados", diz.
Santos e Adriane lembram que a pandemia aumentou o número de segurados doentes, o que também faz com que a demanda por benefícios por incapacidade, que necessitam da perícia médica para serem liberados, aumentem.
Segurado que não for atendido na perícia precisa documentar presença
O segurado que tem uma perícia marcada não pode deixar de comparar à agência da Previdência no dia e na hora agendados. Se não conseguir atendimento por causa da greve, é preciso provar, de alguma forma, que esteve no local.
O ideal é pedir a algum funcionário do INSS um documento registrando data e hora em que esteve no posto do INSS, com assinatura e carimbo do órgão. Caso não seja possível, a orientação de especialistas é fazer uma foto, que contenha data e horário, e conversar com pessoas que também estavam lá, que possam servir de testemunha, caso seja necessário.
Segundo Rômulo Saraiva, advogado especializado em Previdência e colunista da Folha, é preciso ter documentos que provem a ida à agência para garantir o pagamento dos atrasados desde a data de entrada do requerimento.
"Os segurados podem perder os atrasados. Não é raro nesse tipo de paralisação a decisão administrativa ter como justificativa que o benefício for negado porque [o segurado] não compareceu à perícia, mesmo estando de greve. A pessoa pode perder todos os atrasados ou parte deles", diz ele.
Confira as principais orientações:
Vá até a agência, pois nem todos os servidores irão aderir e há chances de atendimento, ainda que com atraso maior que o de costume
Se a agência estiver fechada, fotografe a informação que, provavelmente, estará na porta, como prova de que você compareceu
Caso existam servidores, mas eles neguem atendimento, solicite uma certidão de comparecimento e a remarcação do procedimento
Ligue no telefone 135 para pegar um número de protocolo do pedido de remarcação
Governo quer implantar perícia a distância e peritos discordam
O governo federal tem tentado, desde o início da pandemia, a implantação da perícia médica a distância de forma permanente, com análise de atestado enviado pelo Meu INSS. Para alguns especialistas, a telemedicina veio para ficar, como pontua Adriane Bramante.
No entanto, os peritos acreditam que esse tipo de concessão está mais sujeita a fraudes, porque não há como fazer uma análise exata da incapacidade do segurado como ocorre em um exame presencial. "Não dá para fazer essa análise remota. Durante os seis meses em que o INSS ficou fechado foi preciso, para não causar dano irreparável maior", afirma Francisco Cardoso Alves, da ANMP.
Para ele, a telemedicina pode ser usada em outras situações, não para a concessão de benefícios previdenciários por incapacidade. "Numa relação médico-paciente normal existe uma vontade de ambas as partes, você pode contar com o paciente em prol de um resultado. Na perícia, o cidadão tem interesse no benefício e o perito está lá para avaliar se ele faz jus."
Por: Cristiane Gercina
Fonte: Folha de São Paulo