PDL 89/2023: A Tentativa de Interferência do Legislativo na Autonomia do Judiciário em Relação ao Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero.

Julgamento com perspectiva de gênero: um passo essencial para a justiça igualitária no Brasil.

Por Dra. Heloísa Helena Silva Pancotti em 10 de Setembro de 2025

Em março de 2023, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução nº 492, estabelecendo diretrizes para a adoção da perspectiva de gênero nos julgamentos do Poder Judiciário, com base em protocolos desenvolvidos por grupo técnico instituído pela Portaria CNJ nº 27/2021. 

A norma prevê, entre outras medidas, a capacitação obrigatória de magistrados e a criação de comitês voltados à promoção da equidade e à valorização da presença feminina no sistema de justiça.

No entanto, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 89/2023, propõe sustar os efeitos dessa resolução, sob o argumento de que o CNJ teria extrapolado suas atribuições constitucionais, adentrando matéria reservada à lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, conforme previsto no art. 93 da Constituição.

Essa proposição legislativa, no entanto, além de distorcer o papel do CNJ, representa uma afronta ao princípio da separação dos Poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal. Ao buscar invalidar um ato normativo interno do Poder Judiciário, o Legislativo se insere indevidamente na esfera de autonomia administrativa e normativa do Judiciário.

 

A Resolução 492/2023 como Ato Legítimo do CNJ

 

Criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, o CNJ é um órgão de controle da atividade administrativa do Judiciário. Entre suas competências constitucionais, está a de editar atos normativos com vistas à padronização de condutas, promoção da eficiência e cumprimento de direitos fundamentais no âmbito da justiça. A Resolução 492/2023 não inova contra a ordem jurídica — ao contrário, concretiza diretrizes já reconhecidas internacional e constitucionalmente, como o combate à discriminação e a promoção da igualdade de gênero, expressos no art. 3º, IV, da Constituição.

Além disso, o CNJ atuou em conformidade com o que dispõe o Provimento nº 132/2022 da Corregedoria Nacional de Justiça, que já preconizava a importância de incorporar a perspectiva de gênero nas rotinas processuais. Portanto, a Resolução 492 apenas reforça políticas institucionais já consolidadas, dando-lhes eficácia nacional.

 

A Impropriedade Jurídica do PDL 89/2023

 

O PDL 89/2023 confunde normas administrativas internas com criação de obrigações legislativas. A capacitação de magistrados em temas como gênero, raça e direitos humanos não é uma inovação ilegal, mas sim uma extensão de princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana e da igualdade substantiva.

A tentativa de sustar uma resolução administrativa com base em suposta "usurpação de competência" ignora que o CNJ não criou norma penal, civil ou tributária, tampouco invadiu competência legislativa. Sua atuação se deu no exercício regular de suas atribuições constitucionais, para assegurar que o Judiciário atue com sensibilidade às desigualdades estruturais que atravessam a sociedade brasileira.

 

Julgamento com Perspectiva de Gênero: Avanço, e Não Ideologia

 

A justificativa do PDL 89/2023 apresenta argumentos que desqualificam a perspectiva de gênero como uma “ideologia”, recorrendo a críticas à filósofa Judith Butler e negando a existência de desigualdades estruturais entre homens e mulheres. 

Essa abordagem contraria dados empíricos — inclusive do próprio CNJ — que mostram a sub-representação feminina no Judiciário, os diferentes impactos da justiça sobre mulheres e a revitimização constante de mulheres em processos judiciais, especialmente nos casos de violência doméstica e sexual.

Julgamento com perspectiva de gênero não significa subjetividade, mas sim reconhecer que mulheres, especialmente as mais vulneráveis, enfrentam barreiras sociais, econômicas e institucionais específicas. É aplicar a Constituição de forma substancial, considerando os contextos sociais que moldam a realidade das partes.

 

Conclusão: O PDL 89/2023 é um Retrocesso Institucional

 

A tentativa de sustar a Resolução 492/2023 por meio do PDL 89/2023 deve ser lida como um retrocesso institucional e uma indevida ingerência do Legislativo sobre a organização do Judiciário. O Parlamento, ao invés de suprimir iniciativas que visam à justiça com equidade, deveria contribuir para a promoção de políticas públicas inclusivas e comprometidas com os direitos fundamentais.

Em tempos de ataques à democracia e de questionamentos à legitimidade das instituições, defender o julgamento com perspectiva de gênero é defender o aperfeiçoamento do sistema de justiça brasileiro, tornando-o mais humano, eficiente e compatível com os valores constitucionais.

Julgar com perspectiva de gênero é julgar com os olhos abertos à realidade.

 

O pacote ideal para sua atuação no Direito Previdenciário. Teste grátis agora por 7 dias.

Colunista desde 2024

Sobre o autor desse conteúdo

Dra. Heloísa Helena Silva Pancotti

Diretora Cientifíca do IEPREV e Coordenadora da Diretoria de Amicus Curiae

Os melhores conteúdos, dicas e notícias sobre direito previdenciário

Confira as últimas novidades em nosso blog

AposentadoriaBenefícios previdenciáriosÚltimas notícias
Tema 1300: STF mantém regra da Reforma e valida redução da aposentadoria por incapacidade permanente

STF valida redução da aposentadoria por incapacidade permanente após a Reforma da Previdência

Por Equipe IEPREV em 18 de Dezembro de 2025

AposentadoriaBenefícios previdenciáriosÚltimas notícias
STF marca julgamento do Tema 1209 para fevereiro de 2026 em plenário virtual

Tema 1209 entra em fase decisiva: STF julgará em fevereiro de 2026 o direito dos vigilantes à aposentadoria especial

Por Equipe IEPREV em 18 de Dezembro de 2025

BPC/LOASBenefícios previdenciáriosÚltimas notícias
TRF3 mantém concessão de BPC a mulher com neoplasia de mama

TRF3 confirma BPC por câncer de mama e ajusta termo inicial conforme a perícia

Por Equipe IEPREV em 17 de Dezembro de 2025

Ver todos