Quais situações desqualificam o trabalhador rural como segurado especial do INSS?

Segurado especial: quando o trabalhador rural perde essa condição no INSS?

Por Dr. Lucas Cardoso em 25 de Setembro de 2025

O segurado especial é uma das figuras mais importantes do Direito Previdenciário, mas também uma das que mais gera controvérsias na prática. Não é raro que o INSS negue benefícios alegando a não caracterização desta condição, o que, muitas vezes, surpreende trabalhadores que acreditavam estar plenamente enquadrados nessa categoria.

Por isso, compreender quais situações efetivamente descaracterizam a condição de segurado especial é essencial para uma atuação segura na defesa do trabalhador rural e de sua família. A seguir, você confere um guia prático sobre o tema, com base na Constituição, na Lei de Benefícios (Lei 8.213/91) e na jurisprudência recente.

 

Quem é considerado segurado especial?

 

De acordo com a Constituição Federal (art. 195, § 8º) e a Lei 8.213/91 (art. 11, VII), segurado especial é a pessoa que:

  • exerce atividade rural em regime de economia familiar, em área de até 4 módulos fiscais;

  • não possui empregados permanentes;

  • pode ser pescador artesanal ou extrativista vegetal, desde que a atividade seja voltada à própria subsistência e à produção em pequena escala.

O segurado especial tem direito a diversos benefícios previdenciários, inclusive aposentadoria, mesmo sem realizar contribuições mensais diretamente à Previdência, bastando comprovar a atividade. 

Ou seja, trata-se de uma forma diferenciada de inclusão previdenciária, mas cercada de regras específicas para evitar fraudes e desvios de finalidade.

 

Comprovação da condição de segurado especial

 

A comprovação do trabalho rural é feita por meio de uma autodeclaração do trabalho rural e por documentos complementares, sendo alguns listados no art. 106 da Lei 8.213/91. Vale destacar alguns destes documentos:

  • blocos de notas de produtor rural;

  • contratos de arrendamento, parceria ou comodato;

  • comprovante de cadastro no INCRA;

  • licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.

  • comprovante de pagamento de ITR;

  • declaração do sindicato de trabalhadores rurais;

  • histórico escolar;

  • certidão de casamento;

  • certidão de nascimento de integrantes do grupo familiar.

Sobre a prova documental, é importante destacar que também são aceitos documentos em nome de outros membros do grupo familiar. Por exemplo, o filho pode apresentar documentos em nome do pai para comprovar a atividade rural.

 

Situações que descaracterizam a qualidade de segurado especial

 

Enfim, cito a seguir cada hipótese que pode prejudicar o enquadramento do trabalhador rural como segurado especial:

1. Explorar área maior do que 4 módulos fiscais

Conforme já mencionado, a legislação impõe limite de área para a caracterização do segurado especial: até 4 módulos fiscais. O módulo fiscal varia conforme o município, considerando fatores como localização, tipo de cultura predominante e produtividade da terra. Faça a consulta por cada município clicando aqui.

  • Por que descaracteriza? A lógica é que propriedades maiores tendem a indicar exploração econômica em escala empresarial, incompatível com o regime de economia familiar.

  • Exemplo prático: um agricultor em município cujo módulo fiscal é de 25 hectares só pode explorar até 100 hectares para ser enquadrado como segurado especial. Se comprovar uso de área maior, o INSS poderá alegar descaracterização.

  • Jurisprudência: no Tema 1115 do STJ, firmou-se que o limite pode ser relativizado quando a realidade da produção demonstrar que, mesmo com área maior, a exploração ocorre em pequena escala e em regime de economia familiar.

 

2. Arrendamento de imóvel rural ou embarcação

O arrendamento ocorre quando o segurado aluga suas terras ou sua embarcação de pesca para terceiros, recebendo renda fixa pelo contrato.

  • Por que descaracteriza? Nesse caso, a renda não provém do trabalho direto do segurado, mas de uma atividade de exploração indireta, afastando a natureza de subsistência típica do segurado especial.

  • Exemplo prático: pescador artesanal que aluga sua embarcação para outra pessoa pescar regularmente, recebendo mensalidade, pode ser considerado não mais segurado especial, já que não exerce diretamente a atividade.

 

3. Ceder mais de 50% da terra

A cessão de uso da propriedade também pode ser problemática. A lei presume que o segurado especial deve explorar diretamente sua terra ou pelo menos a maior parte dela.

  • Por que descaracteriza? Se mais da metade da propriedade é cedida, presume-se que a subsistência não depende da atividade direta do segurado.

  • Exemplo prático: agricultor que possui 20 hectares e cede 15 hectares a vizinhos, ficando apenas com 5 para cultivo próprio, poderá ter sua condição de segurado especial questionada.

 

4. Receber renda de atividade artística superior a um salário mínimo

A lei também restringe a acumulação de outras fontes de renda. O caso mais típico é o do segurado especial que exerce atividade artística e recebe valores superiores ao salário mínimo.

  • Por que descaracteriza? A arte, nesse cenário, passa a ser considerada a principal fonte de renda, e não mais a atividade rural.

  • Exemplo prático: agricultor que, paralelamente, atua como músico em eventos e recebe cachês mensais superiores ao salário mínimo, pode ser excluído da condição de segurado especial.

 

5. Ter empregados permanentes

O segurado especial pode contar com o auxílio eventual e temporário de terceiros, como em épocas de safra, colheita ou plantio.

  • Por que descaracteriza? O que a lei veda é a contratação permanente de empregados, situação que demonstra organização produtiva típica de empreendimento empresarial.

  • Exemplo prático: agricultor que mantém um funcionário registrado o ano inteiro, de forma contínua, não poderá ser enquadrado como segurado especial.

 

6. Receber benefícios urbanos de valor superior ao salário mínimo

O recebimento de benefícios previdenciários urbanos também pode indicar perda da condição especial.

  • Por que descaracteriza? Entende-se que, ao receber benefício urbano de valor maior que o mínimo, o segurado tem como fonte principal de subsistência o vínculo urbano, não a atividade rural.

  • Exemplo prático: trabalhador que recebe auxílio-acidente no valor de R$ 2.500,00 e continua alegando atividade rural pode ter sua condição de segurado especial questionada.

 

7. Exercício de outra atividade que gera filiação obrigatória ao INSS

O segurado especial perde essa qualidade quando passa a se enquadrar em outra categoria obrigatória de segurado.

  • Por que descaracteriza? A filiação ao INSS passa a se dar pela nova atividade, afastando a condição diferenciada de segurado especial.

  • Exemplo prático: agricultor que abre CNPJ e passa a atuar como contribuinte individual ou comerciante deixa de ser segurado especial, mesmo que continue cultivando parte de sua propriedade.

 

8. Filiação a outro regime previdenciário

Por fim, se o trabalhador passa a ser segurado obrigatório de outro regime, como o Regime Próprio de Previdência (RPPS) dos servidores públicos, também deixa de ser segurado especial.

  • Por que descaracteriza? A inscrição em outro regime demonstra que a principal atividade econômica mudou, com nova forma de proteção previdenciária.

  • Exemplo prático: agricultor que assume cargo público efetivo municipal e passa a contribuir para o RPPS perde a condição de segurado especial, ainda que mantenha pequena produção paralela.

 

Situações que NÃO descaracterizam a qualidade de segurado especial

Nem todas as situações levantadas pelo INSS são suficientes para afastar o enquadramento. É essencial que o advogado saiba distinguir o que efetivamente descaracteriza do que não passa de rotina do meio rural.

  • Uso de maquinário agrícola: o simples uso de trator ou implementos não afasta a condição, já que muitas vezes são adquiridos em consórcio ou financiamento familiar.

  • Quantidade de produção: maior volume de colheita não significa atividade empresarial, desde que continue em regime de economia familiar.

  • Contratação de empregados eventuais: permitido em períodos de safra, desde que não haja vínculo permanente.

  • Venda de produtos em mercados ou feiras: a comercialização da produção é compatível com a condição de segurado especial.

  • Trabalho urbano de um dos membros da família: desde que não seja a principal fonte de renda do núcleo, não descaracteriza automaticamente a condição de segurado especial os demais membros como segurados especiais.

Conclusão: atenção redobrada na defesa do segurado especial

A atuação do advogado previdenciarista exige atenção às nuances do caso concreto. Saber identificar quando houve efetivamente descaracterização, e quando o INSS está “exagerando”, faz toda a diferença para garantir o direito ao benefício rural.

Dominar essas hipóteses é o primeiro passo para preparar uma defesa sólida, seja na fase administrativa, seja em juízo.

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Sobre o autor desse conteúdo

Dr. Lucas Cardoso

Formado em Direito pela Universidade Franciscana (UFN), Lucas Cardoso Furtado é especialista em Direito Previdenciário.

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