Justiça reconhece direito de duas mulheres a dividir pensão por morte por união poliafetiva
União poliafetiva foi reconhecida como núcleo familiar interdependente, apto a gerar direito previdenciário
A 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Santa Catarina reconheceu o direito de duas mulheres a dividirem a pensão por morte do companheiro falecido, com quem conviveram por mais de 35 anos em uma relação poliafetiva. O julgamento, realizado em 18 de agosto, reformou sentença de primeiro grau que havia negado o benefício em processo contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Reconhecimento judicial de núcleo familiar único
Relatora do recurso, a juíza federal Gabriela Pietsch Serafin ressaltou que, embora o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenha proibido, desde 2018, o registro em cartório de uniões poliafetivas, a vedação não impede o reconhecimento judicial dessas relações.
A magistrada ponderou que o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento pela impossibilidade de reconhecimento de uniões estáveis paralelas ou simultâneas. No entanto, no caso concreto, tratava-se de um único núcleo familiar interdependente, caracterizado pela convivência contínua e pela boa-fé.
“No campo do Direito Previdenciário, a ausência de proteção estatal a esta família implicaria a desconsideração de toda uma realidade experienciada por mais de 35 anos e o aviltamento da dignidade de todas as pessoas envolvidas”, afirmou a relatora.
Vida em comum e notoriedade social
As autoras da ação, hoje com 60 e 53 anos, vivem no município de Santa Terezinha do Progresso, no Extremo-Oeste catarinense, que conta com cerca de 2,4 mil habitantes. A relação com o companheiro iniciou-se em 1978 com uma delas, e, a partir de 1988, passou a ser compartilhada também com a outra.
Da união poliafetiva resultaram oito filhos – quatro de cada mãe – e a família sempre atuou em conjunto na agricultura. A convivência era pública e notória, inclusive já abordada em matéria jornalística local.
Fundamentação e precedentes
No voto, a juíza Serafin também citou precedentes judiciais semelhantes, embora em esfera cível: um julgamento de julho de 2025, em Bauru (SP), e outro de agosto de 2023, em Novo Hamburgo (RS).
Para ilustrar a diversidade das formas de afeto, a magistrada citou trecho do romance Anna Kariênina, de Leon Tolstoi:
“Se há tantas cabeças quantas são as maneiras de pensar, há de haver tantos tipos de amor quantos são os corações.”
O julgamento foi unânime e contou com a participação das juízas federais Erika Giovanini Reupke e Marta Weimer. A sessão foi presidida pelo juiz federal Henrique Luiz Hartmann.
Fonte: TRF4